Revista Jardins

A orquídea de Darwin

Em 1862, Charles Darwin recebeu uma caixa de plantas de um horticultor e colecionador de plantas exóticas, James Bateman, e nessa caixa encontrava-se um exemplar da flor de uma extraordinária orquídea – o Angraecum sesquipedale. Numa carta a um amigo, Darwin escreveu “I have just received such a box from Mr. Bateman with the astounding Angraecum sesquipedalia [sic] with a nectary a foot long. Good Heavens what insect can suck it” (traduzindo, seria algo como “Acabei de receber uma caixa do Sr. Bateman com o espantoso Angraecum sesquipedalia com um nectário com um pé de comprimento – aproximadamente 30cm. Sabe Deus que inseto conseguirá sugá-lo.”).

Origem

Os Angraecum sesquipedale são orquídeas endémicas de Madagáscar. Crescem a baixas altitudes, agarradas a árvores de grande porte ou rochedos na costa Este da ilha. A planta tem crescimento monopodial e as folhas grossas, dobradas longitudinalmente e dispostas em forma de leque. Da base das folhas emergem as hastes florais com uma a três flores grandes, em forma de estrela. Quando abrem são brancas com uma sombra esverdeada. À medida que vão amadurecendo vão ficando com um atrativo branco cremoso. A flor pode atingir os 16 cm e o famoso nectário tem um comprimento entre os 30 e os 35 cm.

A descoberta de Darwin

Poucos dias após a primeira carta, Darwin volta a escrever ao amigo onde diz que “em Madagáscar deverão existir traças com um probóscide suficiente para se alongar entre 10 e 11 polegadas (25,4 – 27,9 cm)”.

Esta previsão de um inseto, uma traça, ficou famosa nos meios científicos da época, aceite por uns e ridicularizada por muitos pois não era conhecido nenhum animal do tipo em Madagáscar. Em 1907, cerca de 20 anos após a morte de Darwin, foi descoberta uma borboleta noturna em Madagáscar, com 16 cm de tamanho, da ponta de uma asa à outra e com um probóscide enrolado mas podendo atingir mais de 20 cm de comprimento quando distendido.

Mas uma coisa era haver a hipótese de haver um animal capaz de se alimentar do néctar escondido do fundo do nectário da flor do Angraecum sesquipedale e outra coisa seria prová-lo. E a prova documentada desse facto só foi possível em 1992, quando se conseguiu filmar e fotografar a traça a sugar o néctar do longo nectário do Angraecum sesquipedale. A previsão de Darwin de que teria havido uma evolução conjunta, ou uma coevolução, da flor desta orquídea e da borboleta de modo a que ambas beneficiassem desse facto, a traça ao alimentar-se do néctar e a orquídea ao ser polinizada, ficou imortalizada no nome do inseto, Xanthopan morganii praedictae, uma sub-espécie da Traça Falcão Gigante do Congo. A palavra praedictae está evidentemente relacionada com a previsão de Darwin.

Em 2009, o mundo celebrou o bicentenário do nascimento de Darwin com inúmeras exposições e colóquios. Na Gulbenkian os portugueses puderam assistir a uma magnífica exposição sobre Darwin. Nesse ano, estive na exposição de orquídeas de Londres onde também era contada num mural a história da previsão de Darwin. E que melhor data para eu comprar o meu exemplar dessa orquídea com tanta história? É claro que trouxe para a minha coleção um pequeno exemplar.

Como cultivar

Os Angraecum sesquipedale são normalmente cultivados em vasos ou em cestos suspensos. Deve colocar-se um substrato para orquídeas à base de casca de pinheiro e fibra de coco, podendo acrescentar-se alguma Leca® para garantir uma boa drenagem. Os vasos, de barro ou plástico, não devem ser muito grandes. Podem ser também montadas em cortiça ou em troncos mas como as plantas podem crescer consideravelmente, podendo atingir 1 metro de altura. Assim, não fica muito prática a montagem. Gostam de luz intermédia com pouco sol direto, bastante humidade no ar e regas frequentes (1-2 vezes por semana). Gostam ainda de ambientes temperados – as temperaturas ideais podem variar entre os 10 e os 28 graus centígrados.

O meu exemplar esteve todos estes seis anos na estufa aquecida. É uma planta tão especial que temi perdê-la se a colocasse na rua. Cresceu e nada de flores até há cerca de um mês, quando começou a desenvolver um espigão e, lentamente, apareceram dois botões. Primeiro abriu um e duas semanas depois o segundo. Não têm grandes exigências no cultivo e dão-se bem no nosso país. Conheço meia dúzia de orquidófilos que têm exemplares desta fantástica orquídea conseguindo bonitas florações. A minha planta estreou-se este ano com duas flores. Quando a floração terminar será reenvasada e espero que não demore mais seis anos a presentear-me novamente com uma floração!

Fotos: José Santos

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