Integrado na série Academia dos Produtores, esta reportagem sobre a Landscape Farm é o primeiro vídeo da edição Bio-lógica onde vamos dar a conhecer quem está a transformar a agricultura biológica em Portugal. Vamos visitar quintas, hortas e projetos de regeneração para inspirar mais pessoas a produzir e consumir produtos biológicos — por um futuro mais saudável e mais sustentável para todos.
Paisagens que alimentam o futuro
Arquiteto paisagista de profissão, professor por vocação e agricultor por paixão, Jorge Cancela é a prova viva de que o campo não é apenas um lugar — é uma escolha de vida, um compromisso com a terra e um manifesto de liberdade.
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Paisagens que se cultivam com o corpo e a cabeça
A história de Jorge Cancela cruza saberes antigos e práticas regenerativas, entre o rigor do desenho e a intuição da enxada. Nascido em Lisboa, mas com raízes profundas no Ribatejo, é o primeiro “alfacinha” de uma linhagem moldada entre as mãos da construção e a alma da agricultura. Licenciado em Arquitetura Paisagista desde 1986, desenha jardins, modela territórios e leciona na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa. Mas o apelo do campo — que começou na adolescência passada a vagabundear livre por searas, olivais e hortas — nunca o largou.
Aos 50 anos, tomou a difícil e corajosa decisão de viver no e do campo. Foi uma mudança com impacto pessoal, mas coerente com os seus valores. A agricultura entrou-lhe na vida não como fuga, mas como regresso. Hoje, divide-se entre as aulas, os projetos de paisagismo e a lida da terra, num equilíbrio entre o céu e a agenda, como gosta de dizer com humor.
A agricultura como projeto de paisagem
Na sua exploração agrícola no “bairro” ribatejano, a Landscape Farm, Jorge pratica aquilo a que chama “agricultura de paisagem”: um sistema agroecológico, sustentável e integrado, onde cada elemento — planta, animal, ser humano ou pedra — tem um papel essencial. Nos cerca de 20 hectares, dos quais dez estão em produção, nada é deixado ao acaso.
O modelo é biológico e certificado, mas vai além do selo: é um compromisso como passado, o presente e o futuro da terra. Jorge cultiva hortícolas sazonais, leguminosas, fruta, aromáticas, ovos, mel, azeite com DOP e transformados como pão artesanal, pesto, tomate seco ao sol ou empadas vegetarianas e de frango. A produção é escoada em cabazes entre Santarém, lojas gourmet e mercados. São mais de 100 produtos frescos e 50 transformados — tudo feito com paixão. Mas, antes de vender, Jorge consome. “Qualquer agricultor tem de comer o que produz, ou algo está errado”, diz com frontalidade. Já recebeu vários prémios, como o Prémio Europeu da Proteção da Natureza (2023) e o Prémio Nacional de Produtor Artesanal (2024), pela revista Vinhos.
Para o futuro, sonha com uma escola de agricultura mediterrânica para pessoas que queiram começar esta aventura e não saibam como. A quinta também está aberta para visitas, provas de azeite e outras iguarias, e são sempre momentos de grande aprendizagem muito bem passados.
“O campo é o meu Serengeti”
A vida agrícola trouxe-lhe alegrias simples e profundas: o horizonte aberto, o toque de uma égua, o zumbido das abelhas, o canto dos pássaros, o respeito pela memória da paisagem. Os desafios — as geadas, os javalis, o calor abrasador ou o frio das podas — são enfrentados com perseverança, humildade e sem dramas.
Nunca se arrependeu. Pelo contrário, cada dia reforça a certeza de que fez a escolha certa. Hoje, a Landscape Farm já tem nove pessoas a trabalhar.
Quando lhe pedem uma mensagem para quem deseja começar a cultivar, responde com a frontalidade de quem conhece bem a dureza da terra: viver no campo ou viver do campo são coisas diferentes. Quem quiser seguir este caminho deve primeiro senti-lo na pele — e na alma.