Embora o incrível arquipélago dos Açores seja composto por nove ilhas, nos últimos anos, tive a oportunidade de visitar seis delas e mergulhar na vastidão da sua vegetação.
Conhecer (um pouco de) S. Miguel, percorrer os trilhos de S. Jorge, perder-me (literalmente) nos mistérios da ilha Terceira, subir a montanha do Pico, conhecer o vulcão dos Capelinhos e a sua dramática paisagem no Faial e vaguear pelas inúmeras cascatas, ribeiras e lagoas da ilha das Flores, fez-me transpor largamente a ideia de turismo transformando a viagem numa experiência sensorial imersiva, de libertação, de tranquilidade e de inspiração! O desafio de percorrer os Açores é grande sobretudo quando a ideia é conhecer a sua riquíssima paisagem natural e cultural, mas desengane-se quem acha que todas as ilhas são iguais! Do grupo ocidental ao oriental é inevitável a conclusão: todas as ilhas têm o seu carácter diferenciador com aspetos em comum, entre eles a simpatia das pessoas, as remanescências da Floresta Laurissilva, mas também espécies apenas existentes neste arquipélago!
Retratar todos os encantos das ilhas seria impossível em tão pequeno espaço pelo que, neste artigo partilho algumas plantas ou paisagens que me deliciaram e ou suscitaram interesse em cada ilha, esperando conseguir trazer um pouco desde encantamento pelos açores a todos os leitores.
São Miguel
Apesar da enorme oferta turística desta ilha, a paisagem natural diversa continua a ser o ex-líbris. Embora espécies endémicas sejam facilmente encontradas nos campos (loureiro, urze, cedro, etc.), percebe-se que o clima ameno e húmido permite o desenvolvimento de vegetação muito semelhante à das florestas tropicais: rica em plantas epífitas e trepadeiras assim como árvores de folha larga. Um notável exemplo da riqueza que este clima proporciona é a vegetação existente no Parque Terra Nostra em que espécies oriundas de várias proveniências coexistem saudavelmente nomeadamente: criptomérias, cicas, araucárias, camélias, fetos arbóreos, rododendros, azáleas e muitas outras que fazem com que aquele local se assemelhe a um museu botânico. A produção de ananás ou mesmo a produção da planta que origina o chá Camellia sinensis na zona norte da ilha são indicadores das incríveis características do clima, a morfologia do terreno e da qualidade dos solos da ilha.
São Jorge
Esta ilha não é exclusivamente conhecida pelo seu queijo, mas também pelos emocionantes trilhos que possui e as fabulosas paisagens que partilha com quem a visita. Um dos percursos mais entusiasmantes é a descida da serra do Topo até à Fajã de Santo Cristo, que, além de nos proporcionar paisagens de cortar a respiração, faz-nos compreender como difere a vegetação de acordo com a altitude e com a orientação a norte: à medida que vamos descendo a encosta as espécies mais resistentes ao frio como os cedros (Juniperus brevifolia), as faias (Myrica faya), as urzes (Erica azorica) e o azevinho (Ilex azorica) começam a dar lugar a camufladas turfeiras até se chegar à zona plana da fajã, com lagunas costeiras de elevada biodiversidade. Curiosamente, esta ilha alberga, na costa sul, a única produção de café da Europa, também numa fajã, onde as condições do terreno e o microclima contribuem para uma pequena produção deste fruto.
Ilha Terceira
A Terceira surpreende pela diversidade de paisagens contida numa ilha tão pequena. A parte oriental e plana, situada sobre uma gigante caldeira vulcânica, destaca-se pelos mosaicos criados pelas limitações dos terrenos em pedra, definidos para conter o gado e demarcar propriedades. E, enquanto nesta planície, o verde dos prados contrasta com o azul do mar como se de uma pintura falássemos, na zona ocidental, mais montanhosa, encontramos fenómenos naturais incríveis como a Gruta do Natal ou o Algar do Carvão, onde prolifera vegetação cavernícola exuberante! Por sua vez, mesmo junto a Angra do Heroísmo uma incrível paisagem protegida – Monte Brasil – onde a vegetação endémica domina assim como fauna diversa. À semelhança do que acontece nas outras ilhas, as flores das hortênsias, das camélias ou as azáleas coloram estradas e bordaduras já que são amplamente usadas para divisões naturais entre propriedades. Nesta ilha, como acontece em São Miguel, a criptoméria tem grande dominância na paisagem, já que foi introduzida para fins económicos.
Pico
A “ilha da montanha” fica na memória de qualquer um que sobe até aos 2351 metros de altitude, mas não só: embora a montanha se imponha na paisagem e proporcione panorâmicas de cortar a respiração, toda a ilha nos seduz com a sua beleza natural e cores únicas! Num contraste genial entre as pastagens as vinhas, compreende-se o porquê de a vinha ter sido classificada como Património da Humanidade pela UNESCO – muros baixos de basalto, denominados currais, foram erguidos de forma engenhosa para proteger as videiras dos ventos com sal. Anos de experiencia levaram à conceção do vinho verdelho que podemos degustar atualmente. É precisamente no Museu do Vinho (parte do Museu do Pico) que se encontra um conjunto de dragoeiros (Dracaena draco) único e centenário.
Faial
Como o próprio nome indica, esta ilha era ancestralmente rica em faias. Um dos mais interessantes aspetos do Faial é a dicotomia entre a paisagem árida originada pela última erupção vulcânica do vulcão dos Capelinhos e a paisagem da Caldeira, repleta de vegetação primitiva. Os louros, os cedros-do-mato, musgos e fetos assim como as heras e as urzes continuam a preencher a paisagem sendo que, em zonas de pastagem, as enormes hortências dividem as propriedades e separam o gado.
Flores
Tinha de deixar para última aquela que mais me apaixonou – a ilha das Flores. Não desprezando a imensa beleza das restantes, a ilha das Flores fica no coração pela força que a Natureza nos inflige, pela simplicidade das pessoas, pelo papel que o verde assume sem rasgos feitos por aglomerados, indústrias ou pessoas. O relevo vigoroso e as dificuldades no acesso às zonas costeiras contribuem para que esta não seja uma das ilhas mais visitadas, mas também para a preservação da flora e da fauna. A dominância água – em cascatas, lagoas, ribeiros, etc. – contribui para espaços naturais de plena contemplação como o Poço da Ribeira do Ferreiro, onde é inevitável não parar – aqui, o silêncio ouve-se.