Revista Jardins

As cercas monásticas

Mosteiro de Sanfis de Friestas, Valença, JPSM

Mosteiro de Sanfis de Friestas, Valença

 

Lugares escassos. Paraísos perdidos.

 

As cercas monásticas constituem recintos fechados por muros identificados com conjuntos edificados com fins religiosos associados a diversas ordens religiosas e geralmente referidos como mosteiros e conventos. Hoje, as duas palavras tendem a ser utilizadas quase que indistintamente embora prevaleça a ideia de os mosteiros serem destinados a monges ou a monjas que aí residem em clausura e os conventos a frades/irmãos ou irmãs que vivem em comunidade e a elas e dedicam. Efetivamente são palavras com etimologias distintas e às quais se pode ainda relacionar o princípio geral de que os mosteiros se encontram afastados das cidades e os conventos dentro das cidades que, à medida do seu crescimento, iam integrando antigos mosteiros. Muitas vezes constituem unidades que estruturaram a paisagem urbana ou rural no seu entorno.

 

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O acesso aos mosteiros e conventos faz-se a partir de um campo exterior – um recinto aberto de acesso público e espaço de manifestação religiosa, animação pública ou de feira – que dá acesso à porta da igreja e, por vezes, à cerca.

Estes campos, em meio urbano, hoje evoluíram para pequenos jardins e praças públicas, enquanto que, em meio rural, podem ainda manter-se como terreiros mais ou menos arborizados. As cercas construídas no seguimento do complexo monástico eram um espaço de clausura, oração e contemplação. A par destas atividades, eram espaços de cultivo: das plantas medicinais às hortícolas e aos cereais, de vinhas, oliveiras, pomares (de espinho e caroço) e de matas. Estavam equipadas com diversas estruturas como lagares ou moinhos. Muitas tornaram-se lugares de criação artística impulsionada por programas religiosos, mais ou menos complexos, que podiam incluir capelas, ermitas, cruzeiros, esculturas, escadarias, tanques, fontes e espaços de divertimento que pontuavam percursos e sistemas hidráulicos complexos, incluindo as nascentes e minas a partir das quais a água se fazia chegar aos campos e aos claustros, às farmácias, às cozinhas, às sacristias dos complexo edificados.

A instituição das ordens religiosas monásticas data na sua grande maioria dos séculos XI e XII, sendo anteriores à constituição da nacionalidade portuguesa. Entre elas, destacam-se as ordens de São Bento e de Cister e as dos Templários e do Hospital, estas duas últimas que, além dos fins religiosos, também eram militares. Desempenharam um papel estratégico na organização territorial de Portugal quer pelos locais onde se instalaram quer pela evolução que estes lugares vieram a ter. Com a expansão do território conquistado, as ordens foram recebendo doações de terras, bens e privilégios que muito contribuíram para o seu poder. Mais tarde (século XIII), as ordens mendicantes como franciscanos, dominicanos, agostinhos e carmelitas disseminaram-se no território e vieram introduzir novos modelos de vida assentes na pobreza e humildade.

Inicialmente, lugares de poucos, a partir do processo de desamortização dos bens da igreja, em 1834, através da sua alienação em hasta pública, primeiro das ordens religiosas masculinas e mais tarde das femininas, ficaram ora na posse da coroa ora em propriedade privada, desvinculando-se do seu uso anterior e, na sua maioria, iniciando um processo de ruína ou de transformação. Em particular as cercas em espaço urbano ou suburbano foram parceladas e poucos vestígios delas sobram além daquelas que deram lugar a quintas de recreio, como por exemplo a cercados jerónimos na Pena em Sintra ou a Real Quinta das Necessidades oitocentista instalada na cerca oratoriana setecentista do convento de Nossa Senhora das Necessidades em Lisboa, ou a parques públicos – que ocuparam a sua totalidade ou apenas partes da cerca – como o exemplo o Jardim da Estrela em Lisboa ou do Jardim Botânico de Coimbra.

 

 

A desamortização coincidiu com uma forte epidemia que contribuiu para a necessidade de construção de cemitérios a par com a publicação do Decreto de 21 de setembro de 1835 que ordenava que se estabelecessem cemitérios públicos em todas as povoações do País. Muitos cemitérios construídos ocuparam cercas ou parte de cercas. Outras, como por exemplo a cercado mosteiro da Batalha no vale do rio Lena, perderam completamente a sua integridade e, hoje, aí encontramos pavilhões desportivos e piscinas, edifícios públicos, desde escolas a tribunais, e hotéis, supermercados ou loteamentos. Os muros desapareceram, as águas foram reconduzidas, o solo fértil perdido e, por vezes, para memória persiste um elemento edificado disperso ou a toponímia.

Quase dois séculos passados, atravessando modelos de governação napoleónicos e liberais, autoritários e democráticos, monárquicos e republicanos, laicos e eclesiásticos, este imenso património de cercas monásticas conseguiu perdurar e alguns destes escassos lugares que sobreviveram mantêm ainda impressivos níveis de integridade e autenticidade assim como um elevado valor patrimonial cultural e natural, embora enfrentando significativas dificuldades de conservação e de acesso ao público. Ao longo de uma série de artigos, o leitor vai ser convidado a conhecer cercas conventuais, públicas e privadas, que integram a Rota dos Jardins Históricos de Portugal e que pode visitar. Reserve tempo e escolha calçado adequado para uma visita tranquila que lhe permita surpreender-se!

 

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