Revista Jardins

Coberturas verdes

Devolver a natureza às cidades!

 

Instalar vegetação no topo dos edifícios: produção de oxigénio, captura de carbono, isolamento térmico e proteção da impermeabilização.

O conceito básico de “jardins nos edifícios” remete-nos o imaginário, na maioria das vezes, para os jardins da Babilónia. Estes jardins, identificados como uma das maravilhas do mundo antigo, possuíam grandes árvores localizadas ao longo de terraços edificados, construídos como prova de amor.

Por outro lado, fazem igualmente parte do nosso imaginário coletivo as casas dos vikings, com telhados inclinados e cobertos de vegetação.
Este tipo de construção – os chamados sod roofs – providenciava um conforto térmico único para estas populações.

O que são coberturas verdes

Assim, quando falamos de coberturas verdes no contexto moderno, referimo-nos à colocação de vegetação sobre uma base que poderá ser de betão, madeira, metálica ou de outro tipo. Muitas vezes esta instalação não ocorre no topo dos edifícios, uma vez que pode estar localizada numa cota mais baixa.

Ao longo dos anos esta solução construtiva foi sendo bastante utilizada em edifícios emblemáticos como o Palácio de Versalhes nos arredores de Paris ou nos jardins da Fundação Gulbenkian em Lisboa. No caso particular de Portugal, esta tipologia de construção foi sendo especialmente usada nos reservatórios de água, como forma de isolamento térmico, garantindo uma melhor qualidade da água armazenada. Atualmente ainda é possível observar estas coberturas verdes em alguns depósitos.

Nos anos 60 do século XX, com o despertar mundial das questões ambientais e o aparecimento das coberturas planas, as coberturas verdes desenvolveram-se e expandiram-se, principalmente no centro da Europa e América do Norte.

É nesta altura que surgem os sistemas de espessura mínima ou multicamada. Estes sistemas, com baixa espessura e com peso reduzido, permitiram a instalação de coberturas verdes em edifícios construídos. A este fenómeno atribui-se a designação de retrofitting.

Benefícios das coberturas verdes

De facto, a associação da vegetação aos elementos construídos apresenta vários benefícios que não só têm uma natureza de índole ambiental, mas também económicos ou sociocomunitários. Algumas destas mais-valias são sentidas à escala do edifício, outras apenas terão impacte à escala do município ou da cidade.

Benefícios ambientais

Identificamos aqueles que facilmente associamos ao aumento da área verde em contexto urbano, tal como a produção de oxigénio, captura de carbono, filtragem de poeiras tóxicas, criação de habitats, aumento da biodiversidade, redução dos efeitos ilha de calor e estufa.

No entanto, existem outras questões ambientais de grande importância como a gestão de águas pluviais. Aqui o papel das coberturas verdes acontece de duas formas: (i) diminuição da quantidade de água que chega aos sistemas de drenagem urbanos, uma vez que parte é retida; (ii) atraso da chegada da água aos sistemas de drenagem.

Desta forma, a implementação das coberturas verdes à grande/média escala poderá reduzir ou evitar fenómenos de cheias e inundações.

Benefícios económicos

A proteção da impermeabilização é dos mais relevantes. Ao contrário da ideia preconcebida, as telas de impermeabilização terão um tempo de vida útil maior quando uma cobertura verde é instalada no edifício. Isto acontece porque as telas não estão sujeitas às variações térmicas e à ação dos raios solares, pelo carácter isolador do sistema de cobertura verde.

Outra questão de grande importância é a questão do isolamento térmico, o grande aumento da eficiência energética que as coberturas ajardinadas conferem aos edifícios. Este acaba por constituir um dos principais argumentos para a instalação desta tipologia de solução. De facto, as coberturas ajardinadas diminuem em 90 por cento a ação térmica dos raios solares incidentes nas coberturas, quer pela presença da vegetação, quer pelo perfil de substrato. Assim, as coberturas verdes melhoram o conforto climático no interior dos edifícios sem recurso ou com utilização reduzida de aquecimento/arrefecimento.

Acresce ainda que a conjugação dos painéis solares com coberturas verdes não é impossível. Pelo contrário, poderá contribuir com benefícios suplementares. Isto, naturalmente, desde que a vegetação não faça sombra sobre os painéis solares. Assim, a produção de energia será fomentada devido à presença das plantas e aos fenómenos de evapotranspiração que estas produzem.

Face ao exposto, uma cobertura verde num edifício, sobretudo um jardim na cobertura, constitui um valor acrescentado, pelo que a valorização imobiliária é também um tema a ser considerado nas vantagens económicas das coberturas verdes. Basta pensarmos na valorização em termos de imobiliário que o High Line Park trouxe a uma parte de Manhattan, Nova Iorque.

Benefícios sociocomunitários

São sentidos pela generalidade dos cidadãos como aumento da sua qualidade de vida. Neste plano encontramos a diminuição do impacto visual da massificação das estruturas construídas e integração das estruturas na paisagem.

Além disso, é também possível instalar espaços de cultivo, como hortas comunitárias no topo dos edifícios, transformando espaços muitas vezes abandonados em espaços de produção e confraternização entre cidadãos. Esta possibilidade ganha ainda mais peso se pensarmos nas
distâncias percorridas pelos alimentos desde o local de produção até ao consumidor final, com elevada pegada ecológica.

As coberturas verdes podem ainda transformar espaços negligenciados das cidades em espaços de usufruto das populações. Caso emblemático desta possibilidade é o projeto da Praça de Lisboa no Porto.

Custo de construção e de manutenção

Acresce ainda que uma das maiores preocupações quando se fala de coberturas verdes é o custo de construção. Este valor varia bastante com área, tipo de cobertura e composição botânica. O valor de instalação de uma cobertura extensiva para uma cobertura de tamanho médio representa menos de um por cento do custo total de construção de um edifício. Pelos benefícios económicos associados, este investimento terá um retorno a curto-médio prazo.

Uma cobertura necessita de manutenção, as operações de manutenção dependem do tipo de cobertura verde. Numa cobertura verde intensiva, a manutenção é muito semelhante à de um jardim convencional. No caso de uma cobertura verde extensiva, são expectáveis quatro visitais anuais de manutenção após o período de instalação.

Deste modo, conseguimos concluir que as coberturas verdes desempenham um papel fundamental na preparação das cidades às alterações climáticas com vantagens económicas associadas. Por isso, em várias cidades do mundo, a instalação de coberturas verdes em novos edifícios é obrigatória ou sujeita a incentivos à instalação, seja por comparticipação do valor de construção ou por reduções fiscais. Em Portugal, este tema faz parte do programa do atual governo como meio para a transição energética, neutralidade carbónica e adaptação às alterações climáticas. A nível municipal, este tema também tem sido desenvolvido, havendo já municípios portugueses com políticas de promoção das coberturas verdes nos seus regulamentos, como Espinho, Cascais ou o Barreiro.

Coberturas verdes com cortiça – GUL: Green Urban Living

O primeiro sistema de cobertura verde português com recurso ao aglomerado de cortiça expandida foi o ICB. Este sistema surgiu de um projeto de investigação da Amorim Isolamentos, Neoturf Espaços Verdes e ITECONS, e consegue num único produto ter a função drenante, proteção da impermeabilização, retenção de água, funcionando também como isolamento acústico e térmico. Com a utilização da cortiça, um biomaterial de construção, conseguimos ter uma cobertura verde com pegada negativa de carbono, dado captar carbono durante o seu ciclo de produção.

ANCV

Em 2015, surgiu a Associação Nacional de Coberturas Verdes com o objetivo de promover as coberturas verdes, mas também outras infraestruturas verdes, como paredes verdes e jardins verticais. Em 2020, a ANCV lançou o primeiro guia técnico para projeto, construção e
manutenção de coberturas verdes, em conjunto com a ANQIP – Associação Nacional para a Qualidade das Instalações Prediais e a Ordem dos Engenheiros. O documento, à semelhança dos congéneres internacionais, define as linhas orientadoras para a instalação de coberturas verdes de sucesso.

High Line Park, em Nova Iorque

Na cidade de Nova Iorque, onde cada rua nos conduz a um mundo diferente, é impossível ficar indiferente ao parque que se eleva em direção ao céu – o mencionado High Line Park.

Este parque linear de 2,33 km de comprimento está construído numa linha de caminho de ferro sobrelevada e desativada. Os comboios deixaram o espaço em 1980, quando grande parte do transporte de mercadorias passou a ser realizado por via rodoviária. Abandonado, o espaço foi então naturalmente ocupado por vegetação, especialmente plantas nativas da ilha de Manhattan. Apesar da forte pressão imobiliária e da indústria metalúrgica, a ideia de transformar este espaço numa nova área de recreio ganhou forma e conquistou apoios. A primeira secção desta grande cobertura ajardinada foi aberta ao público em 2009. O High Line passou em parcos anos de uma estrutura em más condições e esquecida para uma das maiores atrações da cidade que nunca dorme.

Este espaço alavancou o renascimento do Meatpacking District/Chelsea, que deixou de ser uma zona esquecida e pouco apreciada para se tornar uma das zonas mais interessantes e procuradas em Manhattan. A simples ideia de elevar as pessoas dez metros acima das confusas avenidas e aproximá-las de vegetação e biodiversidade causou um efeito muito maior do que o esperado.

 

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