Revista Jardins

Confraria da urtiga

Sementes de urtigas

Já imaginou um fim de semana inteiro em que se coloca num pedestal uma planta, se canta a sua glória e se enaltece a multiplicidade dos seus usos? O encontro regional da Confraria da Urtiga acontece todos os anos em Fornos de Algodres, por volta do Dia Internacional do Fascínio das Plantas, que se celebra a 18 de maio. Tive a honra e o privilégio de ter sido convidada, em 2013 a vestir a capa de confradinha, jurando assim respeitar e preservar esta planta e todas as tradições com ela relacionadas, os seus usos ancestrais, conhecimentos atuais e futuras descobertas.

Jornadas de Etnobotânica de Fornos de Algodres/Fim de semana da Urtiga

O que acontece nesse fim de semana é uma salutar partilha de conhecimentos culturais, académicos e gastronómicos. Apesar de o foco principal serem as urtigas, existe todos os anos espaço para apresentações e conversas sobre outras plantas, até porque esta iniciativa já se faz desde 2006 nesta região.

Em 2018, o subtema foram as especiarias. As jornadas têm início na sexta-feira ao fim do dia, com uma atividade organizada em conjunto com a comunidade local na biblioteca municipal. Este ano, coube-me orientar uma oficina prática sobre os usos terapêuticos das especiarias. Confecionámos um mel medicinal de curcuma, cravinho, canela e cardamomo em pó, útil para tratar gripes, constipações e afins. No final, cada participante levou para casa um frasquinho com este preparado. Prometeram voltar no sábado e no domingo para participar nas restantes atividades que começariam logo pela manhã do dia seguinte com um passeio botânico em exploração das plantas locais.

O passeio

Este passeio é sempre muito animado, com discussões entre botânicos, taxonomistas, biólogos, antropólogos, agrónomos, ambientalistas e leigos apaixonados pelo mundo vegetal e suas, tantas vezes contraditórias, denominações, famílias, géneros, usos tradicionais, culinários, farmacológicos, todas estas pessoas com um interesse comum: a descoberta das plantas.

Depois do passeio, há sempre um piquenique partilhado com iguarias urticantes tais como alheira de urtigas, pão de urtigas, sopa, tartes, pastéis, sobremesas, crepes, soufflés, cerveja, chá, vinho, etc. Acabado o belíssimo repasto à beira de uma antiga azenha ainda a funcionar no rio Mondego, passa-se à parte mais académica do encontro, onde são apresentados alguns trabalhos relacionados com urtigas ou com outras plantas.

Este ano, tivemos a honra de contar com o professor Luís Mendonça de Carvalho para nos falar de especiarias e suas longínquas e exóticas origens e viagens intercontinentais; com o professor e confrade fundador José Alves Ribeiro, da UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro), grande entendido em ervas silvestres comestíveis, entusiasta da comunicação botânica, divertido e animado.

Urtica dioica
Apresentações

O convidado internacional foi Alonso Verde. Já tinha tido o prazer de encontrar num encontro internacional de etnobotânica no Politécnico de Bragança, em junho de 2017. Alonso, que é biólogo, cujos pais eram e são ainda produtores de açafrão (Crocus sativa), veio fazer uma excelentíssima palestra sobre o cultivo desta especiaria, a mais cara do mundo, a mais delicada e a que envolve todo um trabalho manual preciso, meticuloso e quase meditativo.

Nunca mais olharei da mesma forma para estas pequenas flores, de estames delicados e alaranjados, sem os quais este amigo espanhol de La Mancha não concebe nenhum prato de arroz. É este o condimento que dá a cor amarela ao prato mais típico de Espanha, a paella. Devido à pouca rentabilidade destas flores, é comum alguns agricultores menos escrupulosos adulterarem estes filamentos desidratados com pétalas de calêndula que, uma vez secas e para olhos pouco atentos, passam bem misturadas com o produto original. A outra planta mais comum nesta falsificação é a açafroa, Carthamus tinctorius.

A versatilidade das urtigas

Mas voltando às urtigas, devo dizer que são as minhas plantas favoritas por toda a versatilidade. Pode ser usada não apenas para fins culinários, mas medicinais, hortícolas, tintureiros, no fabrico de fibras ultrarresistentes e ainda pela sua utilização na cosmética, em sabonetes, champôs e cremes cicatrizantes e antifúngicos.

O fim de semana mais urticante do ano, termina no domingo com a entronização de um novo membro. Este ano coube ao simpático padre Rui Marto, pároco de Fátima e da aldeia de Ortiga, onde se encontra a capela em honra de Nossa Senhora…adivinhem de quê, pois claro, da Nossa Senhora da Urtiga.

Como tudo acaba sempre num belo repasto, a Confraria não podia ser exceção: além do piquenique de sábado, temos, no domingo, um repasto mais 13 , servido no restaurante do Palace Hotel & Spa – Termas de S. Miguel, em Fornos de Algodres. Cozinhado com amor, esmero e criatividade com todos estes ingredientes e com as imprescindíveis urtigas, a festa só podia correr bem. Regressamos a casa bem-dispostos e com vontade de voltar no ano seguinte.

Fotos: Fernanda Botelho, Confraria da Urtiga

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