Revista Jardins

Diário de Luang Prabang

Aterrei, pelas 18h, em Luang Prabang antiga capital imperial do Laos e hoje considerada World Heritage pela UNESCO, que lá mantém um gabinete com o objetivo de supervisionar o estado de limpeza da cidade e a preservação dos locais históricos. Talvez por isso, mas também porque os seus 25 mil habitantes zelam com orgulho pela boa manutenção das ruas e edifícios, a cidade parece-nos mais ordenada e limpa do que o habitual no Sudoeste Asiático.

De pequena dimensão, percorre-se facilmente a pé toda a sua parte histórica, o que torna a visita fácil e tranquila. E tranquilidade parece ser a mais óbvia característica dos laosianos para quem a palavra stresse parece não existir. Um sorriso na cara e uma enorme lentidão no gesto e na palavra levam-nos logo, excitados europeus, a abrandar o ritmo do corpo e do pensamento.

O espetáculo do rio Mekong

História e situação geográfica

Luang Prabang tem o privilégio de aliar uma extraordinária situação geográfica – é atravessada pelos rios Mekong e Khan e está rodeada de montanhas ostentando uma vegetação luxuriante – a de uma herança mista de centenas de templos budistas Theravada (30 só num espaço de três quilómetros), edifícios coloniais da época da ocupação francesa e uma mística imperial. O resultado é uma cidade extremamente atrativa quer do ponto de vista estético, quer do ponto de vista cultural.

Tive de me concentrar a ler alguns livros sobre a história do Laos para relembrar que aquela terra nem sempre foi pacífica e que foi palco de invasões, guerras civis e externas, bombardeamentos selvagens bem recentes e alvo da animosidade ocidental por ter facilitado a marcha de Ho Chi Min, que permitiu a passagem dos vietcongues de Hanói para Saigão, o que trouxe como consequência a derrota dos americanos na guerra do Vietname.

O regime político atual é o comunismo, que eu classificaria de brando, já que deixa atuar as forças de mercado e não exerce uma censura muito severa sobre os meios de comunicação.

Pontos de interesse

Além do Palácio Real e dos vários maravilhosos templos budistas que se podem visitar, o principal atrativo de Luang Prabang para os cerca de 300 mil turistas que a visitam anualmente parecem ser o brando ritmo de vida, os mercados diurno e noturno, e a gastronomia de preço muito acessível, tudo temperado com a devida nota de exotismo.

A procissão dos monges, já com luz do dia

Procissão dos monges

Um momento obrigatório da estadia é a procissão diária de 250 monges que percorrem algumas ruas para recolher os alimentos de que necessitam para viver, uma vez que não lhes é permitido nem cultivar hortas nem criar animais.

Grande parte da população – pelo menos um membro de cada família –, todas as manhãs, pelas cinco horas, ainda noite, sentada à beira dos passeios, deposita, numa espécie de lancheiras que os monges trazem consigo, arroz cozido, água, sumo, bolinhos, fruta, etc. Também lá estive a fazer a minha oferta de arroz cozido, comovida com a generosidade daquela gente pobre que não hesita em partilhar com quem precisa. Os excedentes dos templos são distribuídos pelas famílias mais necessitadas.

Flores numa cerimónia animista numa casa particular

O encanto do mercado noturno

Logo na noite da chegada, parti para o famoso mercado noturno que se situa ao longo de uma rua com 1,5 km, onde se pode jantar muito bem em modestas bancas com mesas comuns ou comprar toda uma série de artefactos locais (infelizmente, misturados com a invasiva quinquilharia chinesa), ou ainda ir a um dos restaurantes tipo tasca que se encontram ao longo de toda a rua alternados com pequenos bares. O mercado noturno concentra os turistas ocidentais que desfilam, felizes, num misto de backpackers muito jovens e velhos hippies ao estilo motard, saudosos do flower power da Califórnia dos anos 70.

Especiarias no mercado de dia

A flora e as flores

A flora, claro, é luxuriante e variada, tal como os vegetais e as frutas que se encontram no mercado diurno, entre as 5h e as 11h da manhã. Mas o destino das flores é o de ofertas nos templos budistas: milhares de cones de flores – tagetes – envoltas em folhas de bananeira, que acompanham os pedidos a Buda de longevidade e felicidade para a família, entram diariamente nos templos.

Milhares de cones de flores – tagetes – envoltas em folhas de bananeira, que acompanham os pedidos a Buda de longevidade e felicidade para a família, entram diariamente nos templos

Espetados nos cones estão uma vela representando os ensinamentos e a iluminação de Buda; três paus de incenso para venerar Buda e os monges; e um enfeite de papel branco, que simboliza o respeito pelo Paraíso. Nos templos, encontrei as flores sempre frescas, o que indicia uma renovação contínua. O preço dos cones varia com a dimensão e a sua elaboração é minuciosa e complicada. Os dias que passei em Luang Prabang foram um delicioso “tempo suspenso” que só consciencializei quando deslizava numa pequena barcaça pelo rio Mekong abaixo.

Fotos: Vera Nobre da Costa

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