No litoral entre Odemira e Vila do Bispo não existem apenas praias esplêndidas aninhadas em estuários ou na base de vertiginosos alcantilados. Algumas destas arribas litorais mostram um património geológico de relevância internacional, tendo particular destaque os achados paleontológicos.
Uma equipa internacional e multidisciplinar liderada por paleontólogos e geólogos portugueses do Geopark Naturtejo Mundial da UNESCO, Instituto D. Luiz da Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra e Instituto Politécnico de Tomar, com o apoio do Laboratório de Datação por Luminiscência de Risø, na Dinamarca, acabam de descrever dois novos fósseis para a ciência. Tratam-se de delicados trilhos de pegadas de aves datados entre há cerca de 187 e 43 mil anos, que acabam de ser publicados na prestigiada revista internacional Quaternary Science Reviews. A raridade das pegadas de aves fossilizadas é tão grande, que nunca tinham sido descritas na Europa em rochas com estas idades. Entre os vários registos paleontológicos encontrados de aves costeiras e de outras que são mais raras de ver actualmente por estas paragens, salientam-se os trilhos de gralha e de um enorme bufo-real que terá vivido na costa vicentina durante a última glaciação. Este trilho de bufo-real destaca-se por mostrar uma grande concentração de pegadas sobrepostas do mesmo animal, numa única superfície de arenito dunar, associada a outras do que poderá ter sido uma potencial presa. Esta ocorrência invulgar poderá ser a primeira evidência de predação por aves no registo fóssil. Os nomes atribuídos a estes fósseis evidenciam o mais provável produtor e a sua localização geográfica, Corvidichnus odemirensis por ter sido encontrado na costa do maior concelho português, e Buboichnus vicentinus, cujo achado remete para a já famosa Costa Vicentina. A partir de agora, sempre que os paleontólogos encontrem fósseis semelhantes aos encontrados no sudoeste português, aí ou em outras regiões de Europa ou do mundo, utilizarão estes nomes científicos que remetem para a sua identificação original nestas regiões do sudoeste de Portugal.
Na última década temos assistido a vários achados de sítios paleontológicos com registos da passagem de mamíferos e aves no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, onde anteriormente não se conheciam quaisquer registos paleontológicos deste tipo, sendo mesmo de extrema raridade em toda a Península Ibérica. Os trabalhos paleontológicos têm sido apoiados nos últimos anos pelo município de Odemira, assim como por vários projectos financiados por universidades e centros de investigação, com particular destaque para a Universidade de Huelva, o Centro Português de Geo-História e Pré-História e o Geopark Naturtejo Mundial da UNESCO. Destaca-se a descoberta de pegadas do extinto elefante-europeu-de-presas-direitas encontradas pela primeira vez na Praia do Malhão pelo paleontólogo Carlos Neto de Carvalho, especialista no estudo do comportamento animal no registo fóssil. O seu trabalho e do professor Fernando Muñiz da Universidade de Sevilha, coordenando uma equipa multidisciplinar que inclui investigadores das universidades de Huelva e de Barcelona, em Espanha, ou do Museu Nacional de Gibraltar, tem permitido estender o registo destes elefantes ao longo da costa, desde Porto Covo a Gibraltar, com particular destaque para a descoberta do espectacular sítio paleontológico de Matalascañas, na província de Huelva, com a publicação de múltiplos estudos em revistas internacionais da especialidade. Os achados de pegadas de aves no sudoeste português inserem-se neste projecto mais alargado de estudo comportamental e paleoecológico das formações costeiras que se desenvolveram nas últimas centenas de milhares de anos.
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