A arte de saber tirar o melhor partido dos espaços exteriores, transformando-os em jardins tropicais, com fantásticas coleções de plantas, tudo isto no coração de Lisboa.
Fomos desafiados pelo Nuno Prates (The Lisbonian Gardener, uma verdadeira referência para todos os que gostam de jardins de estilo, plantas e botânica tropical) a divulgar pequenos jardins urbanos, a maioria secretos e longe da vista pública, para que possam inspirar cada vez mais pessoas a transformar os seus espaços exteriores, porque os há em todas as grandes cidades do País, por menores que sejam, em verdadeiros jardins encantados.
Há espaços maravilhosos em Lisboa, pessoas que têm a criatividade de transformar quintais e pátios em jardins únicos, com coleções de plantas que fazem inveja a muitos colecionadores e amantes de plantas.
Fomos conhecer dois jardins privados, ambos no centro de Lisboa, ambos pensados e plantados pelos seus proprietários ao pormenor, tirando partido da vegetação, mas também criando cantos e recantos onde apetece estar num dia ou noite quente de verão, mas também na frescura da primavera ou no enternecer do outono.
Nesta edição, fomos visitar o jardim da Elsa Sequeira Santos e o do Jorge Estorninho, em bairros da Lisboa dos anos 40 e 50, e, uma vez entrados, de imediato nos esquecemos da confusão da cidade tal é a impressão que nos enche o olhar de plantas nestes dois jardins magistralmente desenhados a partir da liberdade de gosto de cada um dos seus jardineiros-criadores.
JARDIM TROPICAL
Quem conhece o jardim da Elsa percebe que foi o quintal do prédio, com uns fantásticos 200 m2, um grande motivo de eleição no apartamento que comprou recentemente. Ali pode expressar finalmente o desejo que sempre perseguiu; um jardim de plantas tropicais.
Em 2018, lançou-se a este projeto com enorme devoção e empenho, começando por perceber onde desenhar um jardim que prioriza a disposição dos exemplares em perspetiva, para conseguir ainda mais profundidade e movimento ao espaço ao qual não falta espaço. Esse privilégio é raro encontrar em Lisboa e talvez mais raro quem o valorize como a Elsa soube fazê-lo.
O enquadramento dos exemplares denota cuidado e sentido estético. Ordenado por padrões, as ornamentais são enaltecidas segundo os pormenores cromáticos e jamais de forma aleatória. O sombreamento é uma preocupação que a Elsa nos revelou, sobretudo
durante o inverno, mas nada que a impeça de encontrar soluções para que o jardim vibre! Pelo contrário, este jardim é assumidamente uma extensão da sua casa. Tem espaço para refeições, leitura, relaxamento e atividade física, uma vez que, sozinha, cuida desta joia botânica onde reuniu uma impressionante coleção de plantas tropicais.
Muitas das plantas que a Elsa consegue ter neste espaço exterior são plantas que em Portugal são consideradas de interior, sendo improvável encontrá-las no exterior. Aqui vimos um vastíssimo elenco de espécies sensíveis que respondem às condições climáticas da cidade com sucesso e atrevemo-nos referir que é digno de ter paralelo a muitos jardins botânicos de referência.
Um verdadeiro laboratório de aclimatação de espécies botânicas onde a apaixonada Elsa estuda e monitoriza diariamente o crescimento de todos os exemplares com muitíssima emoção. Embora uma simples moradora, provou que é possível transformar um espaço abandonado num pedaço de paraíso secreto e usufruir da beleza de ver Calatheas, Alocasias, Colocasias, Vrieseas, Aphelandras, entre muros e paredes de Lisboa.
Cada percurso deste jardim obriga-nos a parar, a observar, a querer conhecer e saber, tal é o envolvimento com que nos abraçam estas plantas que dificilmente se encontram no exterior em Lisboa. O ambiente que ali respiramos é de um magnífico cenário urbano tropical.
Talvez não seja abusivo dizer que a sensação que temos do jardim da Elsa é a mesma de quando percorremos a Estufa Quente, no Parque Eduardo VII. O espantoso é tratar-se de um jardim privado, cuidado por uma jardineira apaixonada pelo seu jardim e sobretudo ao ar livre, ao contrário da vantagem da estufa.
A Elsa recebeu-nos simpaticamente e contou-nos como começou este jardim e como cuida dele todos os dias.
“Desde que me conheço que gosto de plantas e sempre tive plantas, de interior e exterior, em todas as casas onde morei. Comecei este jardim em 2018, quando mudei para esta casa. Tinha apenas árvores antigas e ervas daninhas. Sendo rodeado de edifícios altos e tendo árvores de grande porte, o jardim é sombrio e húmido. A opção pelas plantas tropicais foi fácil: além de as achar muito interessantes, são as que melhor crescem no microclima deste espaço. O objetivo é conseguir recriar o ambiente de uma floresta.
O jardim é um espaço de paz no meio da cidade, onde é possível ignorar o mundo exterior. Serve simultaneamente para “lavagem” mental e para exercício físico, substituindo o ginásio. Tento passar algum tempo no jardim todos os dias: eu cuido das plantas, e elas cuidam de mim. Sobretudo em época de pandemia e confinamento, ter este espaço é um privilégio. E agora ninguém estranha que eu passe horas no jardim!”
LISTA DE ALGUMAS DAS PLANTAS (A COLEÇÃO TEM MAIS DE 300)
Akebia quinata
Alocasia macrorrhiza
Alocasia wentii
Aphelandra squarosa
Asplenium nidus Begonia ‘Corallina de Lucerna’
Begonia rex cultorum
Blechnum gibbum
Bougainvillea arborea
Brugmansia “Grimaldi”
Codiaeum variegatum “Petra”
Colocasia esculenta
Cordyline fruticosa
Ctenanthe setosa
Cyathea cooperi
Fucshia “Thalia”
Goeppertia insignis syn. Calathea lancifolia
Goeppertia leopardina syn. Calathea leopardina
Guzmania lingulata
Hedychium gardnerianum
Iresine herbstii
Lomandra hystrix
Maranta leuconeura var. kerchoveana
Musa acuminata
Musa basjoo
Musa velutina
Neoregelia carolinae var. tricolor
Nephrolepis cordifolia
Odontonema strictum
Phlebodium areum “Blue Star”
Pilea peperomioides
Plerandra elegantíssima (syn. Shefflera/Dizygotheca)
Strelitzia augusta
Strobilanthes dyeriana
Stromanthe “Triostar”
Tetrapanax papyrifer “Rex”
Vriesea fosteriana
PÁTIO EXÓTICO
O Jorge converteu 68 m2 num pátio cheio de personalidade botânica, com zonas de estar frescas e resguardadas onde apetece fazer uma refeição, descansar, ler um livro ou apenas contemplar a vegetação. Num espaço pequeno, conseguiu reunir uma coleção de plantas bem escolhida e combinada de forma muito harmoniosa.
A poderosa buganvília ilumina e abraça o jardim com a sua floração exuberante; por vezes basta um elemento de cor para todo o espaço ficar diferente. O Jorge fez-nos uma visita ao seu jardim e explicou como começou esta sua paixão pelas plantas e a aventura da criação do espaço e que envolveu todos os vizinhos do prédio para a sua causa:
“Sempre gostei de plantas e de animais. Não sei precisar quando começou este interesse pela Natureza. Recordo-me de ajudar a minha avó a cuidar do seu jardim no Carvoeiro, Algarve, nas longas temporadas de férias que aí passava. Essa casa foi vendida quando tinha apenas 12 anos e recordo-me que os compradores gostaram tanto do jardim que alteraram o projeto para não o destruir.
A casa, com uma área menor do que o que pretendiam, foi construída à volta do jardim. É uma memória que guardo com muito carinho. Nesta casa, uma das vantagens que me influenciou foi precisamente este terraço e a possibilidade de explorar o espaço verde.
Os vizinhos do primeiro andar têm uma buganvília grande, que se desenvolveu em cortina para cima da área que me pertence – vim a saber alguns meses depois da compra que tinham pânico que eu não gostasse de plantas e lhes impusesse o corte. Ora, não só não a cortei, como a integrei neste meu jardim num final feliz para ambos.
Um outro episódio singular aconteceu neste prédio. Temos apenas uma vizinha que não simpatiza com plantas. Como o passeio é muito largo e a rua não tem qualquer arborização, plantei vários exemplares na entrada do prédio.
Foram constantemente roubados, até que plantei duas buganvílias que acabaram por se estabelecer e ali se tornaram magníficas. Uma denúncia na Câmara Municipal foi, infelizmente, eficaz contra um esforço ecológico, ambiental e de partilha que resultou numa coima superior a dois mil euros.
Porém, algo inusitado aconteceu; todos os vizinhos concordaram em suportar os custos e os vasos com plantas foram legalizados. Mais tarde viemos a descobrir que a queixosa foi precisamente essa vizinha do r/c, que não gosta de plantas. Ironia na história que acabou bem, unicamente pelo respeito de todos os moradores do prédio.
Foi precisamente o embelezamento da porta do nosso prédio que atraiu a atenção de muitas pessoas e inclusivamente foi inspirador para que fôssemos eleitos o primeiro edifício de Lisboa a ser intervencionado pelo programa Fachadas Verdes do movimento Jardins Abertos.
É um enorme e valioso reconhecimento e fez com que todos nos sintamos muito orgulhosos do nosso trabalho, tanto nas fachadas como nos terraços a tardoz. Os elogios são muitos e o principal é saber que vale a pena o esforço de promover o ajardinamento dos espaços onde moramos!”
PLANTAS
Agave attenuata
Asplenium nidus
Bougainvillea glabra
Camellia japonica
Cordyline australis
Cycas revoluta
Dicksonia antartica
Dracaena draco
Euphorbia ingens
Ficus benjamina var. variegata
Magnolia liliiflora
Musa basjoo
Nephrolepsis biserrata
Phoenix roebelenii
Strelizia nicolai
Strelizia reginae
Tillandsia aeranthos
Yucca gigantea var. marginata
QUEREMOS CONHECER O SEU JARDIM
Se tem um jardim escondido na cidade e gostava de o ver divulgado envie um mail para: teresa.chambel@howmedia.pt.
Teremos todo o gosto em publicar se se enquadrar no âmbito desta secção.
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