Numa tarde do passado mês de fevereiro, em Kyoto, fui ao Museu Raku (de cerâmica), mas bati com o nariz na porta porque estava fechado para preparação de uma próxima exposição. Como me tinha mentalizado para passar umas duas horas a examinar peça por peça e a tirar apontamentos, fiquei sem agenda para o resto da tarde.
Sem saber bem o que fazer, fui andando pela rua até que me lembrei que não estava muito longe do Palácio Imperial de Kyoto, local que conheço bem, situado num parque com vários maravilhosos jardins. Há oito anos, andei por ali empoleirada num escadote a aprender a podar os pinheiros japoneses, uma arte que requer muita paciência e força muscular. Para lá me dirigi com ideias de atravessar o parque naquele dia bonito e ensolarado e talvez visitar um dos jardins.
Imperial Guest House
Ocorreu-me uma conversa tida com amigos japoneses em que se comentava que a Imperial Guest House ou Kyoto State Guest House agora estava aberta ao público um ou dois dias por mês e podia ser visitada por pequenos grupos de dez pessoas. A dificuldade era conseguir entrar dado que não aceitam reservas e o número permitido de visitantes é muito limitado.
Construída em 2005, consiste numa interpretação moderna da arquitetura e design interior japoneses tradicionais e destina-se a hospedar dignatários estrangeiros convidados oficiais do Governo japonês para que estes possam ter a oportunidade de usufruir com todo o conforto e em privacidade de um pouco da experiência da refinada cultura de Kyoto no local mais emblemático da cidade. Tive sorte. Nessa tarde, a Kyoto Guest House estava aberta e lá consegui entrar com mais nove japoneses para fazer a visita de uma hora. Depois de descalçarmos os sapatos e termos 15 minutos de instruções enumerando o que não nos era permitido fazer durante a visita, iniciámos o trajeto com três seguranças e uma guia que asseguravam que nenhum dos visitantes tocava nas paredes ou nas obras de arte em exposição, da autoria de alguns venerados Living National Treasures (designação para os artistas excecionais e ainda com vida).
A casa
A arquitetura da casa é, naturalmente, sóbria e elegante, numa adaptação do estilo sukiya, com recurso aos habituais materiais vegetais e ao despojamento da decoração. Numa interpretação perfeita do espírito japonês, todo o edificado de 16 000 m2 está implantado formando como que os lados de um retângulo, no centro do qual está um lago e um jardim, o que permite que de todas as salas se possa admirar a composição.
Imaginei que agradável e amenizante deveria ser usufruir daquela visão durante as maçadoras maratonas negociais. A visita processa-se muito devagar com a guia a explicar todos os detalhes do interior por onde passávamos ao som dos “Ohs!” e “Ahs!” de admiração dos meus companheiros. Confesso que pouco liguei aos meus auscultadores com a versão inglesa do discurso, porque fiquei logo fascinada com o arranjo paisagístico do lago e jardim, uma perfeita combinação de modernidade com tradição como só os japoneses sabem fazer.
Bush, Merkel, Ban-ki-moon e suponho que também José Manuel Barroso passaram por ali, mas não posso deixar de me interrogar se teriam tido disponibilidade mental para apreciar inteiramente aquele equilíbrio estético da recriação contemporânea de um espaço tradicional japonês.
O espaço exterior
O jardim está desenhado de forma a que o lago harmonize com os edifícios que o rodeiam dentro da tradição japonesa que defende a continuidade e integração total entre edificado e jardim. No lago, onde plantas aquáticas emergem aqui e ali, a água transparente e pouco funda deixa ver os koi ondulando por entre os seixos rolados. Uma ponte, também ela em estilo japonês, permite a travessia de uma ala do edifício para a outra.
Como o sol brilhava, todo o conjunto parecia particularmente bonito, mas, umas semanas antes, com o nevão que caiu em Kyoto, também devia ter sido um espetáculo notável.
Do interior do edifício onde se situam as salas de reunião, salas de receção, salas de banquete (japonesa e ocidental) e quartos, o jardim avista-se por entre os shoji (painéis translúcidos deslizantes em papel), fazendo-nos esquecer que estamos num local oficial destinado a encontros políticos e ter a ilusão de visitarmos um qualquer palácio ou templo.
Muito orgulhosos da sua herança, os japoneses não perdem uma oportunidade de mostrar ao mundo a singularidade das características daquela cultura única tão diferente do nosso formato ocidental. E não é só uma questão de dinheiro.
Fotos: Vera Nobre da Costa
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