Revista Jardins

Jardins virados a sul (parte II)

 

Imersões serenas na paisagem da alentejana vila de Barbacena

 

Até chegar ao pátio, como todas as casas populares das aldeias alentejanas, somos levados a atravessá-la. No interior, o ambiente reete o encontro de requinte e elegância, vestido com peças icónicas da cultura portuguesa sob o olhar e interpretação magistral de um jovem andaluz que decidiu radicar-se no interior alentejano. Nas traseiras descobre-se uma jardineta sossegada, o lugar eleito no verão para o convívio.

E segue uma outra página no roteiro da jardinagem no interior raiano alentejano, próximo das terras extremeñas espanholas de onde vem mais um pedido de design de fusão de estilos que faça do jardim uma excelente razão para usá-lo como uma parte tão importante da casa como qualquer outra.

Uma forte inspiração no projeto apresentado, não levou tempo para ser aceite com entusiasmo pelo dono deste maravilhoso pátio e, em dois dias, o trabalho ficou concluído. A inovação das escolhas de espécies para um pátio de características arquitetónicas tradicional portuguesa com elementos andaluzes criou o conteúdo desta pequena jardineta. A proposta passou por apostar em juntar os exemplares de modo a promover proteção eficaz e absolutamente natural contra a forte insolação e os períodos prolongados de frio que se fazem sentir no interior sul do País. O canteiro abrigado oferece, por outro lado, condições imperdíveis para o desenho de espécies exóticas e invulgares de encontrar como ornamentais de jardim na região. 

 

 

Todas as espécies são resistentes ao frio, eventualmente respondendo com queimaduras após períodos de maior intensidade e duração com temperaturas baixas. Porém, recuperarão com êxito, beneficiando da primavera soalheira e quente que carateriza o interior do Alentejo.

O agrupamento de exóticas cria um ambiente muito agradável e simultaneamente exuberante rompendo com a linguagem ultrapassada dos jardins alentejanos. Um detalhe que justifica a harmonia e tema da composição é a coloração de tons puros e pálidos de brancos mas sempre fiel a esta cor única que assim respeita o espírito do pátio. A floração laranja da Strelitzia reginae, empregue apenas pela estilização das suas folhas, será utilizada como flor de corte para embelezar o interior da casa. A casa tem deste modo uma ligação fortalecida com a jardineta, sublinhando a vivência do exterior no interior pela presença de flores naturais.

A simplicidade tem encaixe também na elegância. A tradição também tem uma posição na evolução e esta não colide formalmente com hábitos nem costumes nem práticas conservadoras se juntar harmonia. Cor suave no preenchimento das paredes, tom soberbo, ligação perfeita aos pormenores que no conjunto fazem desta entrada algo tão inusitado numa vila alentejana quanto baste para obrigar a olhar, para admirar surpreendido o que tão bem conseguido foi este simples, embora audaz, exercício de estilo. O verde-acinzentado da oliveira serenamente enaltece o azul-celeste que dá hino na entrada desta casa. Lá dentro, atrás de tudo, descobrem-se na jardineta canteiros de cor branca e ângulos arredondados, bem à maneira mediterrânica, que contribuem fortemente para o perfeito entrosamento decorativo entre as plantas e a arquitetura do lugar. O pavimento empedrado com calçada portuguesa, com o pormenor da moldura escurecida, o telheiro rebaixado e as cortinas de esparto espanhol, a cor mate e suave do azul das janelas e portas – tema que aliás envolve toda a casa –, o rigor na seleção dos vasos, sempre fiéis à cor terracota pálida, o mobiliário de madeira clara e as peças de iluminação e decoração de materiais orgânicos são, no seu todo, o remate para que toda a plantação resultasse num exercício paisagístico distinto.

 

 

Num clima onde a dificuldade é extrema, pela adversidade do calor do verão, incidência solar em ambas as estações e temperaturas fracamente baixas durante o inverno, o interior alentejano apresenta desafios muito exigentes se o desenho do jardim contemplar uma apresentação subtropical ou, no limite, de inspiração tropical. É possível, sabendo onde e como usar as espécies, cuidadosamente selecionadas nos viveiros pela sua aparência, muitas vezes em estresse e pouco atraentes, mas que já comprovaram a sua robustez no exterior. São aquelas que ninguém quer e não se vendem nos hortos senão a um desvairado como eu. Nelas tenho plena certeza do sucesso quando as plantar, o que me deixa muito satisfeito. Por outro lado, já adquiriram o aspeto menos formatado e hormonal que a maioria tem quando chegam à mão do consumidor.

Usei para estilização de linhas na bordadura do muro; Hesperaloe parviflora, Carex Morrowii ‘Ice Dance’, Cordyline australis, Festuca arvernensis syn. Festuca glauca, enquanto dão preenchimento rasteiro fazendo a ligação com as espécies com a mesma função mas de maior porte: Curio repens syn. Senecio repens e Curio talinoides var. mandraliscae syn. Senecio mandraliscae. Kalanchoe thyrsiflora “monstruosa” e cultivares de Echeveria elegans fazem os apontamentos divertidos de cor rosada e a pontuação de luminosidade será protagonizada pelos cinco exemplares de Kroenleinia grusonii syn. Echinocactus grusonii. O lançamento em altura é essencial para teatralizar todo o pano de muro que acompanha o canteiro através do dramatismo das folhas da Musa x paradisiaca e da Strelitzia nicolai, que, com o passar do tempo, irão abrir as folhagens e fazer o espetáculo que pretendo criar. O Cereus hildmannianus irá desenhar a estilização do conjunto, desta vez em grande dimensão, em sintonia com o Trachycarpus fortunei. Magnolia grandiflora ‘Little Gem’, plantadas em simetria, e a Strelitzia reginae fazem o enchimento do cenário de médio porte.

 

 

Quatro canteiros preenchidos com o tema da densidade para criar volume e despadronizar o habitual que tanto descreve o desenho de jardins no Alentejo: espaçamento que resulta duma adição que não partilho em dar área para que as plantas cresçam e variar como se fosse um catálogo com um exemplar de cada espécie. A tradição de usar poucos indivíduos, todos diferentes, para enganar o habitual reduzido número não tem sentido nos jardins que crio. Aqui a oposição das regras antes mencionadas: intensificar sem deixar substrato à vista; a competição dos exemplares irá criar um ecossistema eficaz na proteção das plantas contra o frio extremo de inverno e o calor avassalador de verão que leva a uma mortal desidratação. Em aglomeração, as plantas beneciam em conjunto em praticamente todos os aspetos das condições ecológicas que precisam.

No final, a paisagem é tão invulgar como bem-sucedida. E satisfaz-me plenamente, acrescentando confiança nas espécies que escolhi para um jardim no interior alentejano: tudo aquilo que vale a pena abordar em design, ou seja, um inusitado estilo que define a arquitetura da casa e sublinha a elegância que o proprietário esperava.

 

Um jardim botânico peculiar de tema tropical na paisagem urbana de Elvas

 

Um jardim que rompe com a expectativa, excedendo o convencionalismo repetido no interior alentejano. Desde a casa, todas as janelas se viram para a figuração das plantas de coleção.

 

 

A coleção de espécies escolhidas desenha uma paisagem tropical, um pedido específico do proprietário quando encomendou o projeto para reconverter o seu jardim. A lista inclui exemplares que provêm maioritariamente de regiões subtropicais da América do Sul, África e, sobretudo, da Austrália temperada e Nova Zelândia, cuja aparência enquadra o pretendido, oferecendo, por outro lado, a resistência a climas extremos, característica do interior alentejano. Um exercício de experimentação de espécies invulgares no paisagismo desta região do País acabou por ser o maior entusiasmo e desafio deste projeto, o primeiro que idealizei no estilo tropical no interior de Portugal. E a expectativa foi enorme, com um resultado muito feliz, após dois anos de plantação e acompanhamento, já que o nível de exigência e delicadeza das espécies impunham experiência e conhecimento de inúmeros detalhes como geografia, climatologia, adaptação e reação das plantas e técnica de plantação apuradas para que o conjunto paisagístico atingisse a maturidade necessária de forma a tornar-se um ecossistema, relativamente autónomo, capaz de suportar as condições rigorosas do clima de Elvas. Este é o princípio que rege todos projetos de jardins tropicais que executo. O consumo de água torna-se menor à medida que o jardim se estabelece, verificando-se no final que requer menos rega face aos jardins mediterrânicos frequentemente plantados na região. A exuberância e a densidade do número de exemplares formam rapidamente uma pequena floresta que, assim, retém mais humidade no solo; colabora na gestão, distribuição e relação correta da água da rega com os exemplares através da condução de água entre as muitas folhas até tombar no solo. O crescimento das plantas promove o sombreamento do substrato, o que irá desacelerar a evaporação e consequente a diminuição de consumo de água. Um efeito cíclico e muito útil em zonas carentes de recursos hídricos.

A limpeza de toda a área do jardim foi a primeira tarefa de execução do projeto que obrigou a mondar a terra à mão e posteriormente lavrá-la. As ervas reagem rapidamente ao aumento da humidade do ar e infestam as espécies plantadas no jardim. Um dia inteiramente dedicado à eliminação das ervas sem recurso a qualquer químico. A combinação da humidade excessiva que as ervas provocam ao favorecer e alongar a permanências de orvalho, comum entre novembro e abril, pode ser fatal para as espécies aqui plantadas já que o frio húmido cria condições para o apodrecimento dos caules e asfixia das raízes das espécies exóticas.

Outra proposta apresentada ao cliente foi o posicionamento das plantas para a fruição do jardim a partir do conforto do interior da sua casa, de onde poderá contemplar e usufruir de uma belíssima paisagem durante todo o ano. O janelão funcionará como tela que a Natureza exótica escolhida lhe oferecerá em permanência. A vantagem do uso de espécies exóticas de estilo tropical é a de conseguir amenizar as marcas da passagem do inverno que mancham as plantas, uma vez que as de proveniência tropical tendem a conservar o seu aspecto durante todo o ano, sem o contraste típico das espécies de climas temperados e até mediterrânicos.

 

 

Festuca glauca e Tradescantia pallida preenchem o destaque atribuído ao canteiro que, a partir do grande janelão da sala, se avista para funcionar como tema de contraste cromático e pintar de cor principal o conjunto de espécies que repete intencionalmente o domínio do verde. Quando a floração está ausente, é a folhagem ornamental de tons fortes e intensos que cumpre este pedido.

Fatsia japonica e Aucuba japonica são dois exemplos desafiantes para aplicação num jardim no Alentejo, desde que de algum modo consigam receber sombreamento de outros exemplares que as proteja de queimaduras fortes. Uma vez estabelecidas, vingarão dotadas de resistência acrescida para as condições extremas. A regra está em prever o desenvolvimento de plantas que cumpram a função de protetoras e mitigadoras dos efeitos agressivos do verão e do inverno sobre aquelas mais frágeis e que precisam de um período para se ambientarem. Neste grupo, também se considera o Thaumatophyllum bipinnatifidum e a Monstera deliciosa como espécies a proteger.

As espécies adaptam-se a realidades que, de facto, não são as descritas para estas espécies embora consigam crescer reagindo de forma moderada no desenvolvimento e aparência. Tendem a desenvolver uma coloração mais clara de modo a refletir a luz solar. As folhas expostas ao sol direto queimar-se-ão, mas tal não significa a sua morte. Na época seguinte, irão responder com mais vigor.

Anigozanthos flavidus, nativo da Austrália, Phormium tenax, nativo da Nova Zelândia, e Erythrina crista-galli, nativa do Brasil, Paraguai, Uruguai e norte da Argentina, acentuam a cor vermelha intensa que a floração pontua no jardim.

Kroenleinia grusonii syn. Echinocactus grusonii, plantado de forma a criar uma perspetiva em profundidade por quem aprecia o jardim sentado no conforto do sofá da sala.

A linha descreve o movimento que os olhos cumprem ao percorrerem os diversos exemplares, pontos de interesse e divertidos no tapete de gravilha. A surpresa para os mais atentos e sabedores está na Phoenix roebelenii, nativa do sul e centro da China, Laos, Birmânia, Tailândia e Vietname.

 

 

Com o tempo transformar-se-ão em bolas maciças que impressionarão qualquer olhar. Será uma bela competição na atração de quem vier contemplá-los face ao restante jardim de exuberância tropical. O tempo o dirá e as emoções também. É nativo do México, do estado de Zacatecas até San Luis Potosí, e aqui representado no interior alentejano. A última intervenção no jardim esperava o subtil e imprescindível remate no acabamento do solo: uma grossa camada de casca de pinheiro. Além da real elegância no revestimento do solo com a cor e qualidade do calibre da casca. A densidade irá conservar a humidade no solo que o sol forte teima em ressequir. Uma forma necessária para obter os melhores resultados em locais demasiado secos do nosso País. A qualidade da Nutreasy garante-me um resultado tal como pretendo.

O jardim na raia alentejana está pronto a desfrutar para o verão! No verão, o jardim estará debaixo de um sol poderoso e inclemente que não perdoa logo às nove da manhã.

Nem às plantas nem ao jardineiro. Um arriscado desafio o lutar contra a força bruta da Natureza ao criar um jardim tropical na raia alentejana. Exige rigor e disposição correta dos exemplares para que sobrevivam aos raios solares que ferem as folhas ornamentais de grande superfície. Junho, Julho e Agosto são severos não pelas temperaturas, senão pela baixíssima humidade relativa do ar que desidrata e mata, mas também pelos UV que deixam marcas irreversíveis na folhagem.

Água e sombra são preciosas e essenciais para que as plantas consigam estabelecer-se.

Uma longa lista de espécies compõe o dramatismo cénico do arranjo do jardim de estilo tropical no Alentejo, criando uma paisagem muito singular, desligada da paisagem das cercanias. Este é um jardim clausus, em que os muros de grande altura afastam a comunicação com o exterior e apelam à criação e uso divertido de um tema de jardim inesperado nesta região do País. Com o mobiliário quis incitar o design a conviver com o gosto rústico, já que desperta a atenção não somente para as linhas modernas, mas recorrendo à importância da cor que surge como estímulo para uma perfeita integração no jardim. Este foi um projeto demorado no qual tive um envolvimento emocional muito próximo, já que me identifico integralmente com o jardim. Dei-lhe uma nota de jardim botânico pelo vasto número de espécies estudadas antes de decidir a sua plantação.

A cor rosa da abundante floração da Podranea ricasoliana, nativa da África do Sul funciona como foco de atenção quando o céu se encontra tempestuoso ou intensamente azul, pois ambos conjugam e sublinham a beleza das flores.

O tema que inspira a linguagem do jardim é a mensagem que vem da vontade do céu, quando os nossos olhos são convidados a reparar no privilégio de reparar no reflexo e complemento que as condições climáticas projetam na Natureza. Nada é encenado, tudo é autêntico e protagonista no espetáculo que diariamente nos é presenteado. Sempre distinto, sempre criativo, único e efémero.

Usar o céu como continuidade do jardim é a essência que me levou a distribuir as plantas neste espaço tirando partido das suas silhuetas. O propósito funciona também com a elegância do Cereus hildmannianus subsp. Uruguayanus, nativo do Uruguai até à Argentina, província de Entre Rios. Em segundo plano, Opuntia ficus-indica, do México, e Washingtonia robusta, nativa do México, estado da Baixa Califórnia, deserto de Sonora.

 

Veja ainda “Jardins virados a sul (parte I)”

 

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