Revista Jardins

O Japão na primavera

Tapete de musgo no Saiho-ji.

Já fui muitas vezes ao Japão, em estudo, em trabalho e em lazer, mas nunca tinha ido durante o mês de maio, o que os amigos locais me censuravam, dizendo que há mais Japão para além da Sakura (cerejeiras em flor) e das cores quentes da folhagem no outono. Tinham razão.

Jardins de Kyoto

O mês de maio nos jardins de Kyoto e arredores é simplesmente espetacular. Os momiji (ácer) têm um verde ou um vermelho-intenso muito diferente dos castanhos e cor de ferrugem do outono. As cerejeiras já não estão brancas, mas, em compensação, temos o rosa das azáleas que se multiplicam não só pelos jardins, mas também em ruas e estradas. Outra surpresa foi encontrar maravilhosos íris, azuis, brancos ou roxos, sempre que há um curso de água. Depois da festa branca das cerejeiras em flor, temos o colorido intenso dos meses de maio e junho. Muitos kare san sui, jardins secos ou jardins zen, têm maciços redondos, muito fechados de azáleas, que representam pedras. Nesta altura do ano, até esses jardins perdem a austeridade dos tons neutros das areias penteadas e das pedras, pintalgados que são de um intenso cor de rosa que lhes dá um ar de festa.

Borboleta no Joruru Ji, em Kyoto.

Em maio, as temperaturas são amenas, 26 ou 27 graus, o que permite dizer adeus aos casacos, camisolas e botas, complementos indispensáveis de quem visita jardins e, vantagem máxima, não há tantos turistas. A subida vertiginosa das economias circundantes do arquipélago fez com que, nos últimos anos, o turismo do Japão tivesse subido 47,3 por cento. Em 2015, alcançou um recorde de 20 milhões, na sua maioria provenientes da China, Coreia do Sul e Taiwan.

Mas a distância e a estranheza da cultura não atraem o turista europeu e americano, pelo que, entre tantos asiáticos, uma ocidental que sozinha se aventura a visitar os lugares mais recônditos do país desde que por lá exista uma paisagem notável, um templo ou um jardim, é uma gaijin, uma espécie rara que ainda desperta a curiosidade. As crianças fazem-me o sinal V com os dedos médios e indicador e dizem-me bai-bai rindo muito.v Os adultos fazem-me a vénia habitual, mesmo não me conhecendo, e cumprimentam-me pelo meu balbuciante japonês, que, não permitindo uma conversa, dá para me desenvencilhar Japão fora.

Saiho-ji

Visitei o Saiho-ji pela terceira vez. É um templo que tem um jardim muito especial, para mim, talvez um dos mais bonitos de Kyoto.

O lago do Saiho-ji.

Também conhecido por Templo do Musgo, o Saiho-ji não é um local de fácil entrada. Tem de se enviar com semanas de antecedência um postal solicitando a admissão, juntamente com um envelope selado, para, no caso de se ser aceite, eles enviarem outro postal com uma autorização. Não há marcações online nem outras modernices.

As visitas são apenas uma vez por dia e o número de visitantes é limitado. Dado que os pedidos chovem, a maior parte deles são recusados. Consegui o precioso postal de admissão pelas boas graças de amigos locais arquitetos paisagistas.

Trata-se de um templo do séc. VIII, reconstruído, em 1339, por Muso Soseki, um notabilíssimo monge da seita Rinzai do budismo zen, que, além de gostar de fazer jardins, acreditava que estes facilitavam a meditação.

Com cerca de dois hectares, o Saiho-ji, que é intensamente arborizado, reúne condições particularmente favoráveis formação de musgos. Lá, existem mais de 40 variedades, cujos diferentes matizes de verde resultam num tapete de sonho que se estende por todo o jardim.

Nesta altura do ano, antes do verão, depois das chuvas abundantes da primavera, o musgo atinge o seu apogeu de frescura. Passear em volta do lago, com os raios de sol a despontarem por entre as árvores e uma cobertura de solo completamente verde, dá a sensação de estar num paraíso terrestre.

Os vestígios de uma cascata de pedras da autoria de Muso dão o único toque de kare san sui a este jardim. Mas quem visita o Saiho-ji tem de, previamente, cumprir um exercício de cópia dos sutras, em caligrafia kanji, ao som da recitação e do gongo que pontua esta cerimónia de meia hora.

Embora incómoda para os ocidentais (que, de resto, são em reduzidíssimo número), dada a postura no chão em posição do lótus possível em que todo o ritual decorre, eu considero que é uma magnífica preparação mental para visitar o jardim.

Sanboin

Panorâmica do Sanboin.

Originalmente fazendo parte do templo do Daigoji, que nos remete para o final do séc. X, o Sanboin foi protagonista de uma reconstrução no séc. XVI devido ao patrocínio de Toyotomi Hideyoshi. Ao contrário do Saiho-ji, é um jardim de contemplação a partir de uma varanda, mas que, apesar dos magníficos exemplares das pedras que o compõem, perde a austeridade típica da era Muromachi pela complexidade do seu desenho e pela variedade dos elementos que se nos oferecem.

Nesta altura do ano, com os maciços das azáleas na sua plenitude de floração, ainda gostei mais de o ver do que em visita anterior noutra altura do ano. O Sanboin é como um scroll horizontal que se desenrola à nossa frente. Maciços de azáleas, ilhas, pinheiros centenários suportados por estacas, pontes de madeira cobertas de musgo, tudo contribui para que mesmo uma boa fotografia do jardim, não faça justiça à beleza do seu conjunto.

Por lá fiquei uma hora a contemplá-lo e, para não me esquecer daquela visão de perfeição absoluta, filmei-o da direita para a esquerda, a forma correta de leitura oriental, mas também da esquerda para a direita. Ficou lindo, mas falta-lhe o volume, o som da água, os cheiros, o ambiente. Enfim, falta-lhe quase tudo.

Fotos: Vera Nobre da Costa

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