Uma estação de contemplação e reflexão.
E eis que entramos no outono. Para trás ficou o meu querido mês de setembro, grande favorito de muitas pessoas. Pelo quintal, aninham-se no chão folhas de tília e de romãzeira. Brisas e ventanias vão fazendo o que melhor sabem fazer, soprar e ajudar a despir as árvores. Algumas mais púdicas ou mais friorentas vão resistindo, e as suas folhas acastanhadas, avermelhadas ou douradas vão–se baloiçando, finas e leves, efémeras como a vida, muitas vezes suspensas por fios invisíveis de teias de aranha que começam a ocupar o jardim e, na sua incansável perícia, tecem e tecem teias sem fim, de todos os tamanhos, criando pontes entre todas as plantas, árvores e arbustos, restos de flores e de sementes; é a grande festa das teias.
Click, click, click, salta a minha câmara da sua sonolência estival e vem para rua assim que as primeiras chuvas ou gotas de orvalho começam a cintilar que nem colares de pérolas reluzindo no peito do jardim − claro que o jardim tem peito, com coração lá dentro que palpita e se agita com o chilrear dos pássaros, com o coaxar das rãs, o zumbido das abelhas ou a delicadeza silenciosa das borboletas. O meu jardim é uma entidade viva, muito viva, com toda a vida à flor da pele, com seiva e perfume a escorrer-lhe pelas mãos, sim, porque o meu jardim também tem pele e mãos que são uma extensão da minha própria pele e das minhas próprias mãos. E o jardim tem olhos que espreitam para dentro da minha janela e convidam-me a sair, quando escolho arrumar a casa em vez de me sentar a contemplá-lo.
A propósito de mãos, vou aqui partilhar um texto que escrevi na minha agenda de 2018: “ A Saúde nas Nossas Mãos” (…) “São as mãos que nos acolhem quando saímos do ventre das nossas mães, da mesma forma que são as mãos que recolhem as flores, os frutos, as raízes e as sementes que a terra tão generosamente faz crescer.
São as mãos que acolhem e abraçam, que repulsam e decidem. São as mãos e os gestos que falam a linguagem das plantas, que as seguram, as contemplam e as transformam em alimentos que nos curam e nos nutrem.
São as mãos que estabelecem laços e pontes entre os segredos da terra e o coração das pessoas. São as mãos que espelham e refletem o deslumbramento da alma. São as mãos que guardam histórias e sementes.
São as mãos que continuam o trabalho da terra com amor e gratidão.”
Esta agenda é uma homenagem às plantas e às mãos que delas têm sabido cuidar ao longo dos milénios. É mais uma tentativa de aproximação entre plantas e pessoas, medicina e planeta.
Em tempos de contemplação e reflexão, deixo estas notas sobre alguns dos meus fascínios: mãos e sementes por toda a carga simbólica, metafórica, poética, artística que em si guardam e por achar que entre elas existe uma forte simbiose, quase como se fossem um só ser. Não me canso de me deslumbrar com as inacreditáveis estratégias que as sementes têm vindo a desenvolver ao longo de milénios para assegurarem a sobrevivência da espécie, através de sofisticados mecanismos de disseminação e propagação, verdadeiras obras de arte. Poesia em movimento.