Revista Jardins

Os jardins de Venetto

Estive em Veneza, no mês de fevereiro. Fazia frio, mas como não chovia e, de vez em quando, o sol dava um ar da sua graça, a estadia foi perfeita.

Visitei dois locais completamente opostos. Em primeiro lugar fui até à Villa Rotonda, uma magnífica composição de mestre Palladio totalmente virada para a paisagem envolvente que substitui o habitual jardim do Renascimento italiano. Após isso passei por Fondazioni Querini Stampalia, onde o contemporâneo génio de Carlo Scarpa criou um pequeno espaço intimista, interior.

A avenida de acesso à Villa

Villa La Rotonda

Certamente que um dos artistas de Quinhentos que mais influência teve na arquitetura europeia foi Andrea Palladio. Nascido em Pádua, em 1508, Palladio, profundamente infl uenciado por Vitrúvio, rapidamente ganhou prestígio. A partir dos anos 30 do século XVI, começou a receber encomendas para desenhar e construir algumas villas. Vicenza foi o local onde a sua presença foi mais marcante pelo número de edificados da sua autoria e por duas obras-primas do Renascimento italiano: o Teatro Olímpico e a Villa Rotonda.

Esta, construída entre 1567 e 1571, foi encomenda de Paolo Almerico, um intelectual da corte papal, e consiste num dos marcos importantes da história dos jardins europeus. Pela primeira vez pensou-se uma casa de habitação totalmente virada para a paisagem. A decoração interior que é magnífica, mas o que me impressionou foi a ideia então vanguardista de planear a villa, em que de todos os compartimentos se avistasse a ruralidade da paisagem envolvente que se estende até às montanhas Dolomitas.

As vistas de um dos pórticos da Villa

A Villa Rotonda na verdade não é redonda. Palladio concebeu um espaço redondo central que se inscreve num quadrado, apresentando a construção quatro fachadas que se oferecem à paisagem. A orientação deste edificado foi criteriosamente estudada de forma a que todas as dependências tivessem alguma exposição solar.

O que chama imediatamente a atenção assim que avistamos a villa é a sua simetria, de proporções perfeitas, e a elegância do conjunto. O jardim acaba por ser apenas um ponto de transição entre a casa e a paisagem, mas não é por isso que perde importância. A Villa Rotonda é um exemplo perfeito dos valores humanistas da arquitetura do Renascimento e abriu caminho para uma maior ligação entre o exterior e o interior na arte da construção.

A entrada no palácio pelo canal

Fondazione Querini Stampalia

Bastaram duas palavras -“jardim” e “Scarpa”-, para eu avançar célere para a Fondazione Querini Stampalia. Residência da família Querini Stampalia, o palácio que alberga a fundação tem uma história que nos remete para o século XIII, sendo que o seu aspeto atual reflete alterações e acrescentos efetuados nos princípios do século XVI, em pleno Renascimento, e no fim do século XVIII.

Por vontade do seu último proprietário, é instituída a fundação em 1869 e o palácio fica aberto ao público. Passou a ser possível admirar as várias coleções de arte da família. Estas abrangem móveis, pintura, porcelanas, esculturas, tecidos e ainda uma biblioteca. No século XX, depois da guerra, decidiu-se fazer algumas modificações. Encomendadas a Carlo Scarpa, procedeu-se assim à renovação da entrada, andar térreo e jardim. As obras, entre 1959 e 1963, transformaram o Palácio Querini Stampalia num exemplo de harmonia entre os estilos do Renascimento e do Barroco Veneziano com a contemporaneidade do século XX. Scarpa, respeitou em pleno o genius loci ou “espírito do lugar”, mantendo o diálogo entre a arquitetura e a água, caraterístico da cidade.

O diálogo entre a água e o leão, símbolo de Veneza

Para o lado contrário do canal, o palácio possuía um pátio interior e pouco ensolarado que Carlo Scarpa transformou num jardim interior reminiscente do horto conclusus. Canais de água rasgados na pedra, mosaicos remetendo para o legado de Bizâncio, e a presença eterna do leão de Veneza desenham um pequeno percurso labiríntico. Aqui podemos ainda admirar um lago, uma fonte e uma magnífica Magnolia soulangeana agora desprovida de folhas.

Em contraste absoluto com o aparato (magnífico) de Oitocentos, o jardim Querini Stampalia encanta e descansa.

Fotos: Vera Nobre da Costa

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