Revista Jardins

Paraíso tropical

As regras simples da jardinagem e paisagismo fazem desta casa-jardim um paraíso tropical.

Entre Sintra e Cascais, este jardim surpreende pela mestria do traço arquitetónico e pela rara disposição da coleção de plantas. As decisões tomadas na construção desta casa enquadram-se numa linguagem que reconheço, por tomada de conhecimento, no sul da Flórida e Califórnia. O perímetro do jardim não cai escrupulosamente nos limites da propriedade, havendo um recuo dos muros que conferem segurança e privacidade à casa, criando um espaçamento generoso, também ele ajardinado com tremenda elegância, assumindo ser acessível visualmente, quer fisicamente ao público.

A integração da arquitetura no jardim

Veja-se o longo canteiro de Chamaerops humilis, resistente e apropriado para anunciar a parcela privada da casa. Duas esculturais Howea forsteriana, plantadas já adultas, assinalam o design que se procurou na fachada cega de pedra.

O segundo critério é taxativamente florestar os caminhos, mesmo que para isso sejam os exemplares encostados aos altos muros. Nenhum está despido de verde, nem qualquer fachada é dispensada de servir de tela imensa à intensidade de verdes que ali vamos descobrindo. Terceiro critério: densificar ou massificar com inúmeros exemplares por metro quadrado. Exigiu, para tal, uma renovação do subsolo com composto nutritivo capaz de promover longevidade e saúde a todos os exemplares. Exemplares de grande porte, adultos e bem formados é outro dos critérios tidos em conta. Não há lugar para esperar ver crescer, pois a decisão é de montar o jardim pronto a ser plenamente usufruído.

Aqui está um exercício de paisagismo brilhante, cujos princípios são simples e desprovidos quer de preconceito quer até mesmo de receios. Por último, a regra simples de evitar o folclore de espécies, mantendo sobriedade no elenco, repetido sem jamais entrar na monotonia.

Atravesso um corredor luminoso totalmente banhado por luz natural que me leva até um salão amplo rematado com um janelão que corre e abre-se ao longo da parede. Não há objeção visual desde o interior pois o convite é mandatório para admirar a vista.

Aqui choco, com infindável agrado, com a primeira regra simples na integração do jardim com a habitação. Existem condicionantes que moldam a gestão dos exemplares plantados, todos com um objetivo comum. O proprietário não quer abrir a janela e olhar a proximidade do vizinho. Engenhosamente substitui a presença do vizinho por exemplares majestosos. Duas implicações benéficas: uma extraordinária leitura a partir do interior e a dispensa de um único cortinado, cortina, tela que seja; uma cercadura de verde abraça toda a casa e devolve a intimidade aos habitantes que simultaneamente usufruem de amplas janelas abertas durante o bom tempo. Outro ponto pormenor que dita a diferença no resultado global e funcional desta casa: a proximidade das plantas é claramente promovida porque são elementos estruturantes da habitação, tal como janelas, balcões, portadas ou escadarias.

Talvez seja caso único em Portugal, a reconversão desta casa, construída no final do século XX e atualizada recentemente. A unicidade assenta noutra regra simples e interpretada neste projeto com características únicas: a casa complementa o jardim e este devolve à casa o espetáculo paisagístico que se admira desde o seu interior. A relação de união entre o exterior e o interior, através da assunção da paisagem, como elemento mais importante de design de interiores, realça o minimalismo escolhido nas peças de decoração dos diversos espaços da casa.

O olhar sobre a paisagem é constante nesta casa, levando os seus habitantes a uma eterna evasão de que muito sentimos falta, sobretudo no inverno. Uma linguagem arquitetónica de linhas modernas, sóbrias e elegantes, distribuídas por todo o interior, mas sempre e segundo a imposição do jardim. O investimento que recaiu no ajardinamento conferiu-lhe uma singular e discreta classe, decisões praticamente relevadas quando chega o momento de fazer ajustes ao orçamento de um projeto de construção imobiliário.

É aqui que bate o bom senso (bom sucesso no sentido de êxito ao contrário de um exercício medíocre ou de pouco ou mau sucesso – é apenas uma explicação, não é para incluir no artigo) na realização de um projeto de construção: um jardim adulto e que tem um papel preponderante na arquitetura da casa é a chave para um exercício de elevadíssima qualidade como este que tive o privilégio de visitar.

A função dos exemplares no jardim

Concebido com o fito de abraçar a habitação, o proprietário idealizou uma barreira massificada com exemplares, embora não muito variados, mas que cumprem a função de privacidade visual que se impunha. Do mesmo modo, ameniza o vento forte e proporciona um incrível microclima com ecossistema semelhante às paisagens de onde as espécies são oriundas. As Aceráceas foram plantadas já adultas, facilitando naturalmente o aspeto geral de floresta que se pretende. São sobretudo Archontophoenix cunninghamiana e Howea forsteriana, localizadas, algumas, coladas às fachadas laterais da construção.

Uma sólida construção permite esta opção, que tem um resultado poderoso no arranjo paisagístico. As formas das folhas e estipes contrastam assim melhor, próximos dos panos da fachada enquanto o branco de fundo age como refletor de luminosidade e favorece o crescimento das plantas ao nível do solo. A Streliztia nicolai foi a espécie usada exaustivamente, tirando partido do seu rápido crescimento e preenchimento, função que complementa com as palmeiras. A linguagem nas formas de folhas deste jardim tropical é pontuada com a característica silhueta da Heptapleurum actinophyllum syn. Schefflera actinophylla, brilhante e vistosa, que irrompe em corpos maciços de ramos e largas folhas. É a particularidade deste jardim, a rara existência de pequenas plantas, espécies de revestimento, que não são tão necessárias, visto sobrar pouco espaço dada a densidade de exemplares de enormíssimo porte.

O propósito desde jardim é fazer-se notar pela majestosa dimensão das folhas, enquanto o pormenor é desviado para os elementos ornamentais do jardim: cerâmicas e peças de madeira. Por outro lado, o reduzido espaço exterior foi genialmente aproveitado aplicando-se plantas de crescimento em altura e descartando-se as de porte reduzido ou arbustivo. O terreno escavado para permitir a construção dos vários espaços articulados do jardim levou à sustentação das laterais através de assentamento de grandes blocos de pedra, único local para encaixar plantas de pequeno porte.

O elemento água e vida animal na criação do jardim espetáculo

É importante sublinhar uma regra simples no funcionamento do jardim tropical: o elemento água, que adiciona vida e exuberância. Integrado subtilmente nos recantos do jardim, são posicionados para serem descobertos e não para se exibirem. Este equilíbrio solidifica a relação emocional com o exterior e aproxima-nos demoradamente a olhar com detalhe todos os pormenores. A filosofia das florestas tropicais está extraordinariamente bem retratada nesta casa. Olhamos o chão conduzidos pelos raios solares que penetram de forma mágica nos percursos e canteiros do jardim, filtrados pela cúpula desta pequeníssima floresta que assim protege um ecossistema, que se mantém e regenera.

A água, essencial e integrante na doutrina do jardim tropical, é um dos seus princípios mais fundamentais. A transparência da água é usada com eterna flexibilidade: refletida através da escuridão do lago térreo, enaltecida através dos mosaicos cromáticos da piscina e funcional através da transparência no aquário interior.

A leveza da escolha dos materiais

Regra simples de revestimento de jardim: elenco reduzido de materiais, de aparência orgânica e envolvente com qualquer elemento ornamental introduzido no espaço. São dois, somente, os materiais que revestem paredes e pavimento: pedra clara e madeira de tonalidade tropical, escura. Levar o revestimento às paredes e tetos, fiel a um único design, multiplica as possibilidades de criar ambientes variados em pouquíssimo espaço físico. Cada parede revestida torna-se um painel com função decorativa insubstituível e bastará adicionar um pote com plantas envasadas ou não, para rematar elegantemente o local. No solo, ladrilhos de pedra de grandes dimensões são fundamentais para o remate do jardim. Chão de material nobre e elegante e paredes revestidas empurram o olhar para o céu, rasgado pela densidade eufórica dos exemplares plantados a monte.

Opções que requerem um investimento forte à cabeça, mas cujos resultados serão garantidamente compensados. O jardim passa a ser uma extensão do interior, acolhedor e enobrecido, como é hábito fazer-se dentro da habitação. Aproveitando sabiamente o clima soalheiro do sul de Portugal, o proprietário optou por esta solução sagaz com efeitos imediatos aquando da conclusão.

Não é comum um jardim que claramente se inspira num estilo, conseguir reunir tantos elementos e informações estéticas, passando esse lugar a motivo de inspiração para outros jardins. Este é o lugar de referência que assume a loucura incondicional do seu proprietário pelos ambientes tropicais do Sudeste Asiático. Numa área de implantação construída bastante generosa onde não sobrou muito espaço para área ajardinada, o proprietário aplicou outra regra simples da jardinagem tropical. Não importa a vastidão de superfície a plantar; importa a densidade e a multiplicação de floreiras que irão vestir todos os espaços e principalmente a casa. Veja-se o exercício muitíssimo bem conseguido na integração de potes de grandes dimensões em corredores, mesmo que estreitos, sem temer a sensação apertada que é pouco acolhida no gosto português.

Regra simples de quem promove o jardim de contemplação a partir do interior de casa e explora-o no conforto do sofá da sala ou da mesa de refeições através de enormes vidraças que são verdadeiras molduras sobre a paisagem. Princípio brilhantemente conseguido não fora a insistência do proprietário, ele mesmo um jardineiro-arquiteto-designer inspirado nas paisagens longínquas nativas tropicais que conheceu ao viajar. Ao voltar aplicou a sabedoria estética na sua casa e, embora pareça que abuse de floreiras e potes, soube dispor cada peça ornamental fundamental para que o pequeno jardim nos eleve a descobrir emoções ao dobrar cada esquina, ao passar cada corredor, ao descobrir cada área compartimentada.

Potes de grés policromo de feição vietnamita de vários tamanhos acolhem Chamaedorea pochutlensis, uma espécie indicada para zonas sombrias e em cultivo em vasos. Notei que nesta parte do jardim, rebaixado à cota do arruamento, a baixa luminosidade é particularmente evidente, sobretudo durante os meses de inverno. A escolha perfeita para ajardinar recaiu sobre a referida espécie mexicana.

ESPÉCIES

Entre a inusitada coleção de plantas, incluem-se na listagem, o particular interesse do proprietário em reunir espécies que tornam este jardim ainda mais especial;

Archontophoenix alexandrae

Archontophoenix cunninghamiana

Arenga engleri

Bismarkia nobilis

Butia capitata

Caryota gigas

Caryota mitis

Chamaedorea pochutlensis

Chamaerops humilis

Codiaeum variegatum

Cycas rumphii

Dypsis lutescens

Elaeis guineensis

Encephalartos lebomboensis

Ficus lyrata

Howea forsteriana

Hyophorbe verschaffeltti

Jubaea chilensis

Lytocaryum weddellanium

Macrozamia miquelii

Nannorrhops ritchieana

Philodendron erubescens

Ptychosperma elegans

Raveneas rivularis

Rhapidophyllum hystrix

Rhopalostylis sapida

Roystonea regia

Sabal mauritiiformis

Syagrus weddelliana syn.

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