São orquídeas-sapatinho, mas pertencem a um género e a um continente diferente. Hoje falo dos Phragmipedium, os sapatinhos que se escondem nas florestas da América do Sul.
Os primeiros exemplares de Phragmipedium documentados foram colhidos pela dupla de investigadores botânicos espanhóis Ruiz e Pavón na sua longa expedição pelo Peru e Chile no final do século XVIII (1777-1788). No diário da expedição, foram registadas as primeiras colheitas de exemplares de Phragmipedium (na altura como Cypripedium grandiflorum), em variados locais entre 1779 e 1786. Alguns desses exemplares do herbário de Ruiz e Pavón, bem como gravuras botânicas, foram comprados e enviados para os Jardins Reais de Kew, em Inglaterra, onde permanecem até hoje.
Ao ser criado o género Phragmipedium, pelo botânico Robert Allen Rolfe, em 1896, a espécie-tipo foi essa primeira espécie colhida no Peru e o nome definitivo, Phragmipedium caudatum, foi dado pela semelhança das suas pétalas a uma cauda, podendo crescer até aos 75 cm de comprimento.
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Por terem a má fama de serem plantas de difícil cultivo e por serem plantas de flores pouco coloridas, geralmente entre os verdes e os cremes, os Phragmipedium andaram “esquecidos” durante muitos anos. Poucos estudos botânicos foram feitos durante muitas dezenas de anos e pouco interesse se verificou da parte dos cultivadores até à revisão do género, em 1979, por Lesley A. Garay, numa publicação na revista Orchid Digest. Mas o que chamou realmente atenção aos orquidófilos de todo o mundo foi a descoberta recente de duas novas espécies, muito coloridas, que tornou o género novamente apetecido.
Em 1981, Elisabeth Besse, viajava numa viagem organizada pelo Jardim Botânico Marie Selby (Florida, EUA) no norte do Peru quando avistou uma flor à beira da estrada que se destacava da vegetação circundante pela sua cor encarnada brilhante. Esta flor revelou ser uma orquídea desconhecida até à data e recebeu o nome da sua descobridora, Phragmipedium besseae. Esta espécie foi posteriormente também encontrada no Equador e cresce em zonas de escarpas, junto a cursos de água a
altitudes até aos 2000 metros.
Assim se prova de que a Natureza nos guarda ainda muitas surpresas. Como é que esta planta, de tamanho considerável e de uma cor tão forte e marcante se manteve “escondida” de botânicos e caçadores de plantas que exploraram extensivamente as florestas do Peru e de outros países sul-americanos desde o século XVIII?
Mas o caso não é único. Em 2002, foi feita uma descoberta ainda mais surpreendente. Várias plantas foram compradas numa viagem ao Peru pelo norte-americano James Michael Kovach, a residir no estado de Virgínia. A compra de várias plantas não identificadas foi feita por menos de um euro numa banca de beira de estrada e, entre essas plantas, um exemplar, quando floriu, foi levado ao Jardim Botânico Marie Selby onde os botânicos residentes rapidamente chegaram à conclusão de que seria uma nova espécie ainda não registada.
A flor seria ainda mais difícil de não ser notada na Natureza, porque, a contrário do Phragmipedium besseae, com a sua flor vermelha de 6-7 cm, esta nova espécie, que foi registada com o nome de Phragmipedium kovachii, em honra de James Kovach, tinha uma flor púrpura brilhante, do tamanho da palma da mão de um adulto, podendo chegar aos 15 cm. É um enigma por desvendar: como é que uma planta alta, que pode chegar aos 60 cm de altura e com uma flor bastante colorida de 15 cm passa despercebida a exploradores, caçadores de plantas e botânicos? Este Phragmipedium kovachii é referenciado como a maior descoberta dos últimos cem anos dentro das orquídeas neotropicais.
Com estas novas e atraentes plantas, o mercado dos Phragmipedium “floresceu”. Passado pouco tempo, plantas foram propagadas e colocadas no mercado pois eram muito desejadas pelos colecionadores e novos híbridos foram feitos cruzando as espécies menos coloridas com as duas novas espécies que, tanto pelas cores como pelo tamanho e forma das flores, eram material genético bastante interessante.
O primeiro Phragmipedium híbrido foi feito e registado em 1873, nos viveiros Veitch, em Inglaterra, com o nome Phragmipedium Sedenii e foi o resultado de um cruzamento entre as espécies Phragmipedium longifolium e Phragmipedium schlimii. Poucos híbridos de Phragmipedium foram registados até ao final do século XX, mas hoje em dia, passados 40 e 20 anos respetivamente das descobertas dos Phragmipedium besseae e do Phragmipedium kovachii, podemos já encontrar com facilidade, à venda em vendedores especializados, tanto estas espécies como novos híbridos que resultaram em exemplares maravilhosos.
Num próximo artigo, escreverei sobre o cultivo dos Phragmipedium.
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