Para quê gastar dinheiro com sal dos Himalaias se temos em Rio Maior um sal de elevada qualidade?
Há uns meses fui contactada por uma pequena empresa de animação turística para dinamizar um passeio de interpretação da flora nas salinas de Rio Maior. Passear no meio das plantas é o que mais gosto de fazer; aceitei. Num instante tínhamos um grupo lotado com 15 pessoas e lá fui eu pela minha autoestrada favorita, a A8. Uma hora e meia de carro a ler a paisagem de papoilas, fel-da-terra, crisântemos, giestas em plena floração, pequenos pomares, vinhas e hortas de subsistência, algumas carregadas de herbicidas a julgar pelo solo de ervas queimadas contrastando com os dos vizinhos que estavam verdes e viçosos.
Gosto de ir interagindo e interpretando a paisagem enquanto conduzo ou viajo de comboio. Fico feliz com as pequenas hortas, sempre com muitas couves e batatas e com falta de flores, fico feliz porque são pequenas e cuidadas com carinho e ausência de venenos.
Fico triste com a falta de flores e de ervas espontâneas e o uso e abuso de glifosatos pelas mãos de agricultores portadores de cartão de aplicador de herbicidas, mas que ninguém fiscaliza se estão a fazê-lo seguindo as normas de segurança ou não, normalmente não. Acham-se no dever cívico de extrapolar as pulverizações para fora dos seus quintais e, vai disto, queimam tudooqueéverdeesemexenas redondezas das suas hortas. Triste, muito triste…
Entre inevitáveis deambulações ao volante, chego ao meu destino e constato que afinal desconhecia completamente que o terreno que pisava tinha outrora sido um mar. “As Salinas de Rio Maior, situadas no sopé da Serra dos Candeeiros, são as únicas Salinas de interior em Portugal. O documento mais antigo onde são referidas data de 1177, tendo assim mais de 800 anos de história. A Serra dos Candeeiros possui inúmeras falhas na rocha calcária, onde se infiltram as águas da chuva, formando desta forma cursos de água subterrâneos.
No subsolo, um desses cursos passa por uma jazida de sal-gema, o que faz com que a água doce se torne salgada por entrar em contacto com a rocha sal-gema. A jazida alimenta o poço que se encontra no centro das salinas, sendo este a nascente de água sete a dez vezes mais salgada que a água do mar. Pode-se afirmar que esta água de Fonte Salina é livre de microplásticos pois não provém do oceano.
Os salineiros (homens que trabalham nas salinas) retiram a água do poço através de uma bomba, antigamente com picotas, e colocam-na nos talhos (compartimentos que dividem as salinas) para que esta evapore e dê origem ao sal. Dependendo do calor, a evaporação dá-se entre três e seis dias e só depois deste processo é que o sal é retirado com pás (antigamente com rodos de madeira) e colocado em eiras (plataformas de madeira) para secar durante sessenta horas.
O sal de Rio Maior é produzido, sazonalmente, entre maio e setembro e é considerado um produto 100% natural pois não passa por nenhum processo químico, devendo a sua pureza apenas à ação do sol e do vento.” (in https://salgema.pt/portfolio-item/acid-fruits)
A qualidade do sal
Como todos sabemos, o sal em excesso causa inúmeros problemas de saúde. E, acrescento, o sal em excesso de má qualidade. E o que vem a ser sal de má qualidade? É aquele sal camuflado em tudo o que comemos, principalmente em comida processada, é o sal hiperbarato e industrializado, que é um dos principais culpados da hipertensão. Por uma questão de comodidade, a maioria das pessoas prefere fazer as suas compras todas no mesmo local normalmente e, infelizmente, em grandes superfícies onde a relação entre consumidor, vendedor e produtor é nula.
A maioria das pessoas nunca se questionam de onde vem nem como foi produzido aquilo que estão a comprar, estando muitíssimas vezes a ser cúmplices de mão de obra infantil, trabalho assente em profundas injustiças socioeconómicas. Era bom e útil se começássemos verdadeiramente a interrogarmo-nos sobre a proveniência dos nossos bens (ou males) de consumo, sobretudo para a construção de uma sociedade onde todo o trabalho fosse respeitado e justamente remunerado. Longe estamos de atingir essa meta.
Escolher o que é produzido no local
Mas há coisas, muitas coisas, que vale a pena escolhermos o produto local, saudável e de baixa pegada ecológica. Basta agarrar na família e fazerem um passeio cultural até às salinas a 30 quilómetros do mar e comprarem lá o sal, no sítio onde ele é produzido, descobrirem o processo de produção e a fascinante história geológica daquele local onde há milhões de anos andou o mar, deixando agora o seu sal guardado no subsolo numa extensão de 60 quilómetros entre Leiria, Alcobaça e Torres Vedras.
Se esta não é uma história maravilhosa para viverem com os vossos filhos ou netos, imaginem que sob os nossos pés está escondida espuma de ondas com milhões de anos a que chamam sal-gema.
Para quê gastar dinheiro com sal dos Himalaias se temos este aqui tão perto e de tão boa qualidade?
A biodiversidade botânica
Voltando às plantas, as colinas que rodeiam este vale encaixado são de uma impressionante riqueza de plantas amantes de calcário. Em meados de junho encontramos muitos orégãos em fim de ciclo, prontos a ser colhidos sempre com a devida cautela de não arrancar as raízes e de deixar sempre mais do que aquilo que colhemos.
As encostas salpicavam-se de pequenas flores cor-de-rosa de aspeto delicado mas de uma enorme resiliência: era o fel-da-terra (Centarium erythrae), muitos cardos, Quercus e oliveiras ancestrais, erva-de-são-joão (Achillea ageratum) e erva-de-são-joão (Hypericum perforatum) a servirem de alimento para insetos, traças e borboletas de toda as espécies, um pequeno paraíso da biodiversidade às portas de Lisboa e com tanta história para contar. Vamos lá abastecer-nos de sal e apoiar o comércio local e nacional.