Revista Jardins

Sissinghurst, um jardim inglês mítico

Um dos muros é totalmente escondido pela glicínia

Fui, finalmente, a Sissinghurst, um jardim inglês situado no Kent, a cerca de 69 km de Londres. Era uma visita há muito planeada, mas sempre adiada, que fazia parte dos meus planos desde que li, em 1977, o livro Portrait of a Marriage, de Nigel Nicolson. O livro conta-nos a interessantíssima vida dos pais do autor, Vita Sackville-West (poeta, escritora e jardineira) e Harold Nicolson (diplomata e escritor).

Os autores do jardim, Harold Nicolson e Vita Sackville-West

Harold e Vita fazem parte de alguns dos personagens mais fascinantes do séc. XX, não só pelo seu gabarito intelectual, como pelo inconformismo (alguns diriam imoralidade) com que conduziram a sua vida. Ambos bissexuais, tiveram várias ligações amorosas com outros notáveis da época, das quais as mais escandalosas foram as de Vita com Violet Trefusis e Virginia Woolf (foi Vita que inspirou a figura de Orlando no livro com o mesmo nome).

Mas não se pense que isto abalou o casamento ou a fortíssima relação entre ambos. Pelo contrário, sempre unidos em vida, Harold Nicolson poucos anos sobreviveu à morte da mulher, em 1962.

Um canteiro exuberante

Além das obras que escreveram, a sua memória continua hoje bem viva graças a Sissinghurst. O jardim que ambos conceberam e plantaram, e que atualmente é propriedade do National Trust, que optou por não lhe fazer qualquer publicidade e limitou o número de visitas anuais a 180 mil, para não prejudicar a manutenção do jardim, muito dificultada quando, em 1991, o número de visitantes atingiu os 200 mil.

De facto, o único ponto negativo foi a quantidade de curiosos que por lá deambulavam, que difIcultaram às fotografias e à contemplação tranquila. O mais extraordinário desta afluência é o seu acesso. Chegar a Sissinghurst não é fácil, dado que o tráfico de saída e entrada entre Londres e Kent é dramático. Eu, por exemplo, levei cerca de duas horas e meia para lá chegar.

Mais um edificado

O comboio também não é uma boa solução porque não há nenhum direto para a estação mais próxima, Cranbrook, de onde se tem ainda que apanhar um táxi com um percurso  de cerca de meia hora até ao jardim.

Cheguei lá num dia quente do fim de maio e apanhei o jardim no máximo do seu esplendor. As íris, rosas, glicínias, delfínios, papoilas, anémonas, etc…tudo floria! Sissinghurst oferece ao visitante aquela explosão primaveril única que acontece em território britânico após a nudez dormente do inverno.

A torre de Vita Sackville-Wes

História e origem da propriedade

Em 1930, quando Harold e Vita compraram Sissinghurst, a propriedade era uma quinta em ruinas do séc. XVI, que tinha sido visitada pelas rainhas Mary e Elizabeth na época. Os novos donos perceberam-lhe o potencial e, sobretudo, apaixonaram-se pelas vistas sem mácula do entorno das construções e pela oportunidade de fazerem um jardim inspirado nas ressonâncias do passado.

À medida que percorria o jardim, dei-me conta o quanto ele refletia as sensibilidades de cada um dos proprietários. O planeamento de Sissinghurst tem a elegância clássica e quase austera de Harold e a inquietação de Vita na romântica e elaborada profusão da plantação. A organização do jardim em compartimentos é de certa forma quebrada pela exuberância colorida e densa da vegetação neles contida.

A organização de parte do jardim visto da torre

É provavelmente esta dualidade que faz o encanto e a originalidade do jardim. Curiosamente, esta “desarrumação organizada” também está presente nas dependências das casas, algumas das quais se podem visitar tal qual se encontravam à época. Vita escrevia do alto de uma torre para ficar em silêncio, isolada da família e usufruindo das vistas do jardim; Harold desenvolvia a sua atividade longe das casas, num pavilhão independente; pai e mãe viviam em quartos separados; os dois filhos, ambos rapazes, tinham ao seu dispor de cada um quarto e uma sala noutra casa ao lado. O jardim parece ser um espelho desta compartimentação dos espaços e das vidas.

As altas paredes de vegetação que dividem as várias zonas do jardim em “quartos” dificultam a quem o percorre uma noção do seu conjunto. Percorrer o jardim é como passar de cenário em cenário, sempre diferente na cor e na organização. O jogo das várias espécies de plantas parece caótico, mas na realidade oferece uma combinação perfeita das formas e das cores, só possível pela mão de uma grande sensibilidade estética.

Compartimentos vegetais em torno da casa

O jardim é grande e deve ser um verdadeiro pesadelo de manutenção. Tem caminhos, tem ribeiros, tem bancos acolhedores para descansar ou conversar, pérgulas convidativas a uma paragem e flores, muitas flores. Do cimo da torre avista-se toda a propriedade e tem-se, finalmente, uma ideia da totalidade e complexidade da mesma. A paisagem é deslumbrante e percebe-se que tenha constituído um refúgio da vida agitada de Vita Sackville-West.

Durante e a partir do fim da guerra, Vita isolou-se em Sissinghurst, dedicando-se à escrita e ao jardim. A torre e o jardim conseguiram por fim dominar a personalidade tempestuosa de Orlando.

Para informações sobre como visitar: Aqui 

Foto: Vera Nobre da Costa

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