Tradicionalmente, o tingimento botânico era reservado aos ancestrais, povos antigos e indígenas. Porém, usar as cores da Natureza para tingir abrange atualmente um estilo de vida, comportamentos de consumo e conexão à Natureza.
Muita coisa mudou desde que os nossos ancestrais pintavam o corpo com pigmentos das plantas para rituais! O tingimento natural em tecido não fica longe desse tempo. É uma técnica antiga, que transforma matéria orgânica em cor natural para ser aplicada em tecidos.
Baseada em saberes ancestrais, essa técnica já passou pelas mãos de muitas pessoas desde o Egito Antigo, Índia e povos indígenas, e até roupas de guerra eram tingidas naturalmente, por possuírem propriedades antibacterianas e auxiliarem soldados a recuperar feridas. Com a chegada da Revolução Industrial, o tingimento sintético ganhou lugar por ser mais rápido. Hoje em dia, já se sabe que o consumo de moda acelerada muitas vezes implica um custo ao meio ambiente. Cada vez mais a consciência para alternativas sustentáveis está a aumentar em relação à matéria-prima que se usa na moda. E o comportamento do slow fashion − ou moda lenta − tem vindo a ganhar destaque.
DESCOBERTAS INFINDÁVEIS
As numerosas cores provenientes da matéria-prima utilizada nessa arte biodegradável vão sendo reveladas conforme a localidade da mesma. Por exemplo, o pH da água da rega ou a quantidade de sol que a planta levou altera a cor final da peça. Essa mesma teoria inclui sementes, cascas de frutos, raízes, podas de árvores e muitas outras matérias orgânicas. Muitas plantas estão familiarizadas com o nosso quintal português, como é o caso das folhas de eucalipto, cascas de cebola, nozes e romã, também flores como a camomila e o cravo-de-defunto.
Outras plantas que nos dão cores naturais necessitam de um cultivo especial dedicado ao tingimento natural, adaptados ao clima de Portugal. É o caso da planta índigo, da qual se obtém a cor azul ou a raiz da ruiva-dos-tintureiros, da qual se atinge tons de vermelho, rosa, laranja, roxo, e outras. Também se usam no tingimento natural insetos, moluscos, alguns cogumelos e musgos… A lista é grande, assim como a combinação de cores que se alcança. Uma única planta é capaz de proporcionar diversos tons ou cores. Como qualquer técnica, requer certos passos para a cor natural se fixar no tecido e não sair na lavagem! No tingimento natural, são usadas substâncias que auxiliam a extração e fixação da cor.
É uma prática muito conectada à Natureza, as substâncias são orgânicas e muitas delas também servem como fertilizantes naturais quando usadas no tingimento natural e depois descartadas na terra, como o sulfato de ferro, usado nos jardins e hortas. O processo todo é natural e artesanal, trazendo uma conexão única com a Natureza.
AS PEÇAS PODEM SER LAVADAS COM LAVA-ROUPAS ECOLÓGICO, água no máximo a 30 graus e secar a peça na sombra. A água da lavagem pode ser reaproveitada para a rega.
HUMANO E A NATUREZA
Já para o consumidor que suporta esse movimento, é uma conexão plena com o meio ambiente. Quando se usa uma peça tingida naturalmente, a matéria orgânica que está impressa na fibra natural traz os benefícios psicoexistenciais medicinais das plantas usadas e até os aromaterapêuticos se destacam na vida do consumidor, como o eucalipto, que auxilia na respiração, na concentração e até mesmo na autoestima por ser uma árvore alta e dominante na mata.
Algumas peças são adeptas ao conceito de lixo zero, pois a matéria-prima usada na produção são provenientes de elementos que seriam descartados, caso das cascas de romã, serragem de madeira e podas diversas. Na exposição que fiz, já não disponível ao público, chamada Enara, usei o calor do sol para a extração do pigmento em oposição a aplicar calor direto e, assim, as peças expostas nasceram a partir do efeito do sol na terra.
O processo lento, a confiança na Natureza para a temperatura exata de calor faz parte da evolução emocional por trás do processo de criação das peças únicas. A exclusividade mora nessa arte, assim como cada planta é regida por componentes químicos diferentes que reagem distintamente a cada aplicação.
REAÇÕES ÚNICAS
Muitas são as plantas presentes nas hortas e jardins de casa que fazem parte do repertório de estamparia botânica; esta técnica utiliza a planta marcada na fibra natural de forma permanente. Destacam-se as plantas com alto grau de taninos nos seus componentes, como a folha de nogueira, folhas do castanheiro-da-índia, boldo-do-japão, boldo, folhas de vinhas, e outras.
Qualquer pessoa que goste da Natureza, e tenha a curiosidade de testar suas próprias plantas, consegue praticar essa arte e vai surpreender-se com a quantidade de cores e utilidade da poda. Além da aplicação no tecido de fibra natural, o papel também evidencia uma afinidade única e relacional com as plantas. O papel transforma-se em quadros vivos e mutáveis ao longo da exposição direta ao sol. Conduzo workshops em que alguns participantes não possuem uma afinidade muito grande com a arte, e sim com as plantas, e portanto, como formadora, eu facilito a conexão de mundos visíveis e invisíveis; os resultados são surpreendentes e animadores!
Vestido tingido com a planta índigo e a planta Reseda luteola. Aqui há alquimia em misturar duas plantas, uma que facilita o azul e a outra que gera o amarelo, para criar a cor verde na fibra natural
A IMPORTÂNCIA DO SABER
Há investigações históricas que permitiram concluir que o imperador francês Napoleão Bonaparte, respirou durante anos os vapores de arsénico, um potente veneno, libertado das paredes decoradas com papel de parede. O arsénico era até então misturado com pigmentos naturais para a extração de verdes-vivos para os papéis de parede da época.
Hoje em dia, já não se utiliza esse componente tóxico, mas vale a pena lembrar que o processo natural, se desconhecido, pode tornar-se perigoso. Esse movimento orgânico e plantas usadas no tingimento natural vai ser explorado noutros artigos aqui na revista Jardins, em que o perfil de plantas tintórias vai ser observado mais de perto.
SABIA QUE?
Revelart faz vestidos de cerimónia com tingimento natural para dias inesquecíveis.
Faz parte a conexão e a colheita consciente de plantas para estamparia botânica permanente.
TEXTO:
MARIANA DELGADO GIUDICI, CRIADORA DA MARCA @MARIANA_REVELART E REVELART NO FB
FOTOGRAFIAS:
RODRIGO BICHO, @RODBXO