Revista Jardins

Um paraíso na cidade

jardins de Bou Jloud ou Jnãn Sbil

No rescaldo de dois anos de férias em Portugal, uma escapadinha de fim de semana levou-me até Fez, em Marrocos, uma viagem que reforça a ideia de que as diferenças culturais não dependem, de todo, da distância física e ultrapassam em larga escala as ideias preconcebidas de cada local.

A cidade de Fez, Fès ou Fās, situa-se no norte do país, entre as montanhas Rif e as montanhas do Atlas e é a mais antiga das quatro cidades imperiais de Marrocos, tendo inclusivamente sido a capital em 1250. É conhecida pelas suas ruas labirínticas, comerciantes intensos, odores pungentes e cor, muita cor! As texturas, padrões e a imensidão de sons deixa qualquer um assoberbado, sobretudo ao soar dos minaretes com os chamamentos para as orações. E não é acaso que a medina de Fez seja classificada como Património Mundial pela UNESCO: trata-se de uma das mais bem preservadas medinas medievais do mundo árabe, onde apenas pessoas e animais de carga podem circular, remetendo a nossa imaginação para um passado longínquo. Repleta de mercados extasiantes (sūqs), antigas mesquitas meticulosamente recuperadas, madraças imponentes e riads espantosos, é impossível passar indiferente ao fervilhar cultural que se sente a cada esquina.

Os jardins de Bou Jloud ou Jnãn Sbil

Enquanto a cidade histórica fervilha num frenesim de locais e turistas, às portas da muralha encontra-se uma das maiores surpresas que tive ao visitar Fez – os jardins de Bou Jloud ou Jnãn Sbil. Ao contrário do que se associa, neste país o clima não é exclusivamente quente e seco: a norte, o clima é mediterrânico, na costa oeste, é atlântico, mas um pouco mais quente do que em Portugal e, apenas para sul, mais próximo do Sahara, o clima é mais desértico. Estas condições fazem com que, na imensidão de Marrocos, esteja distribuída uma riqueza natural diversa sobre a qual se desenham deslumbrantes e luxuriosos jardins com características adaptadas a cada clima, associadas sempre a cursos de água naturais. E isto é precisamente o que acontece às portas da medina de Fez, nos jardins de Jnãn Sbil que se estendem por 7,5 hectares ao longo do curso do rio Oued el-Jawahir.

O pai deste jardim foi Moulay Sullayman, sultão que, no século XIX, que edificou muros entre Fes el-Bali e Fes el-Jdid (duas das três partes que compõem a cidade de Fez) e lhe chamou Jnãn Sbil (paraíso, em árabe). Dentro destas muralhas, por entre luxuriosa vegetação, apenas sultões e os seus haréns passeavam, passando do palácio para os jardins através de um caminho subterrâneo, longe dos olhares externos.

Neste espaço, recuperado em 2010, articulam-se árvores centenárias com dezenas de espécies replantadas (de cicas a buganvílias ou eufórbias e agaves…) e é notória a apropriação dos habitantes da cidade, sobretudo por mulheres (especialmente à sexta-feira) e estudantes
sozinhos ou em grupo que passeiam pelas extensas alamedas lendo as suas notas.

Aqui facilmente se identificam as diferentes influências culturais de Fez: um jardim tipicamente andaluz, misturado com ícones marroquinos e inspiração francesa. E desengane-se quem pensa que estes espaços não se articulam. Numa mestria formalizada entre os caminhos ortogonais da água, separam-se espaços bem definidos e articulados que nada destoam das centenárias laranjeiras ou palmáceas colossais.
O jardim andaluz define-se pela estrutura formal de fonte em azulejos, simétrica a partir de um eixo central bem definido. Por sua vez, os bambus funcionam como paredes, que, à semelhança das casas árabes, pretendem dar privacidade a quem nele se encontra. Não se podem esquecer as enormes manchas de cor (rosas, argirântemPaisagismoos, violas, tagetes, pelargónios, etc.) espalhadas por diferentes canteiros e maciços que não deixam esquecer que estamos realmente em Marrocos. Por sua vez, sebes talhadas e canteiros bem definidos não deixam margem para dúvidas da influência do desenho francês no espaço, até porque este foi redesenhado por um paisagista francês (Marcel Zaborski) durante o protetorado francês.

Estes jardins são literalmente uma lufada de ar fresco no quente verão marroquino, não só pela sombra que fornecem, mas pela água presente em quase todos os espaços, seja pelo rio ou pelos sistemas hidráulicos que foram reabilitados e restaurados: fontes em azulejo, canais, moinhos e uma nora. Na verdade, todo o parque é desenhado em torno da água: a partir do rio (onde se localiza a principal entrada do parque) distribuem-se quatro percursos de água, um deles alimenta um grande lago no limite sul. Mais do que um parque público, Jnãn Sbil é um espaço de contemplação e refúgio, tão necessário nos meses mais quentes.

 

Leia também: Paisagismo inspirado nas práticas agrícolas tradicionais marroquinas

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