Revista Jardins

Um rooftop envolvido pela natureza

O desafio era grande: um pequeno jardim num hotel de luxo, no topo de um edifício no centro de Lisboa, numa das principais avenidas da cidade.

rooftop

O hotel situa-se na Avenida da Liberdade – uma artéria importante para a circulação de pessoas cujas características morfológicas (pendente desde o topo até ao rio, largura da avenida, a orientação solar maioritariamente a sul, etc.) fizeram com que a escolha de plantas tivesse de ser muito ponderada para poderem prosperar a médio e longo prazo e funcionar visualmente no imediato.

Pensar num espaço já construído, com projeto de arquitetura previamente elaborado (autoria do atelier Arquipeople) e obra quase terminada (pela construtora UDRA) aumentou o desafio e o estímulo para a Viplant. Pensar no lugar como utilizador tornou-se o mote para o design deste espaço e, apesar de desafiante (surgir em obra no final da sua implementação tem os seus inconvenientes), demonstrou-se funcional e equilibrado, satisfazendo todos aqueles que dele usufruem.

A análise estava feita: um espaço de reduzidas dimensões, com utilização intensa em época estival, com a necessidade de proteção dos olhares externos e – o ponto mais crucial – a necessidade de resolver a sensação de insegurança que poderia advir da localização deste espaço no sétimo andar de um edifício citadino. O pavimento em travertino claro (uma rocha calcária, compacta e densa, de grande porosidade e textura) exacerbava a intensa sensação térmica e tornava-se ainda mais notória a necessidade de criar abrigo visual. A existência de plantas altas tornava-se essencial para quebrar vistas e criar abrigo, contudo estas não se coadunavam com o dimensionamento dos canteiros existentes. Numa estrutura construída para apoio técnico (motor da piscina), emergia outra red flag para a segurança que urgia ser colmatada: uma plataforma lisa, de fácil acesso, que colocava o utilizador do espaço acima da guarda de proteção do piso.

O projeto e as plantas

Inspirados nos azulejos da piscina, em diferentes tonalidades de verde, e pela “aridez” do espaço, tornou-se evidente a base da proposta: um rooftop com inspiração nos desertos californianos e com um toque andaluz conferido pela articulação de materiais nobres com a rusticidade do barro. Sem pôr em causa a estrutura ou alterar tecnicidades, pensou-se em alternativas que pudessem complementar o espaço sem desvirtuar o seu conceito inicial. Surgiu assim a ideia dos catos, plantados em vasos estilizados, em terracota, com diferentes dimensões, texturas e cozeduras: uma proposta que, sem pôr em causa o estilo e função do lugar, promove a utilização reduzida de recursos, sejam  eles água, fertilizantes ou inseticidas. Pode dizer-se que, mesmo em época de maior desenvolvimento, este espaço carece de poucos cuidados e manutenção por ter sido projetado maioritariamente com plantas xerófitas – plantas cuja fisiologia é constituída por estruturas capazes de armazenar água por longos períodos de tempo ou que têm estruturas geneticamente adaptadas para reter o máximo de água e evapotranspirar o menos possível. Por sua vez, o barro, material poroso, permite que a humidade e o ar circulem através dele e consequentemente em torno das raízes das plantas, garantindo que os catos têm exatamente a humidade de que necessitam.

Foram assim articuladas diferentes plantas, na sua maioria da família das Euphorbias e cactáceas, com Cycas revoluta, Cordyline australis e, a pedido do cliente, Strelitzia nicolae para conferir texturas e movimento ao espaço sem comprometer a funcionalidade e sustentabilidade do mesmo.

A Euphorbia ingens foi a estrela: este aparente “cato” (caule suculento, com espinhos e folhas reduzidas), que é na verdade uma Euphorbiaceae, foi a espécie escolhida para ladear toda a piscina, quebrando as vistas e impedindo passagem de pessoas. As subdivisões do seu caule, deram origem ao nome pela qual é mais comummente conhecida: Euphorbia candelabro. Planta bem-adaptada ao semiárido, é normalmente utilizada em rock gardens, como elemento isolado ou articulado com outras suculentas e cactáceas, à semelhança do que se fez neste espaço. Estas Euphorbias darão flores ocasionais, amarelas, nas pontas das hastes, pelo que se prevê algum dinamismo no espaço conferido pelas plantas.

Embora esta espécie tenha um látex tóxico e espinhos, demonstra ser uma boa opção para este local: deve ser cultivado em pleno sol, em solo fértil e muito drenante. Não tolera encharcamentos ou sombra, apodrecendo com facilidade nestas condições. O facto de ser muito tolerante à estiagem e ao frio faz com que vá tolerar a forte exposição aos agentes climáticos mesmo no inverno. Por fim, garante privacidade sem que os utilizadores da piscina se sintam enclausurados, visto a barreira que formam não ser completamente cerrada e permitir alguma permeabilidade visual.

A importância desta escolha reflete-se também na verticalidade que confere, iludindo o seu utilizador relativamente à dimensão do espaço (parece maior do que na realidade é). A barreira física que acompanhava todo o perímetro do rooftop havia sido criada e restava-nos resolver
a segunda questão relacionada com a segurança dos banhistas: a “casa das máquinas”. Aqui era crucial inibir os utilizadores da piscina de subir para esta plataforma, pelo que urgia criar uma solução que fisicamente inibisse as pessoas de o fazer.

A conjugação de plantas com espinhos em vasos de barro seguiria a lógica anterior, mas desta vez optámos por catos e agaves, numa mistura de colorações, texturas e alturas. Para este fim utilizámos várias espécies: a Mamilaria sp., planta pertencente a um dos maiores géneros da família Cactaceae que apresenta tubérculos elevados, dos quais surgem espinhos. Este cato floresce nos tubérculos desenvolvidos no ano anterior, numa curiosa forma de aureola. Aprecia luz natural e sol direto pelo menos quatro horas por dia, pelo que aqui encontram um habitat favorável. Curiosamente, e ao contrário das suculentas, este género de planta aprecia rega por cima de forma a armazenar água. Utilizámos também aloés, entre eles o Aloe Spinosissima, um híbrido entre o Aloe arborescens e o Aloe humilis. Trata-se de uma espécie com aspeto volumoso conferido pelas suas folhas carnudas e espinhosas. Enquanto jovem, esta espécie cresce na vertical, curvando-se nas pontas à medida que cresce.

As suas flores tubulares florescem em espigas quando as temperaturas começam a aumentar, colorindo a planta em tons rosa-avermelhado. Considerando que o aloé é uma planta suculenta, colocámo-la junto à Yucca rostrata de forma a que esta lhe confira alguma proteção do sol. – A Yucca, não sendo um cato, é muito utilizada em ambientes com xerófitas por se desenvolver em condições semelhantes. Com origem nos EUA e México, a Yucca rostrata é um arbusto de folha persistente e crescimento lento que por norma apresenta apenas um tronco, salvo raras exceções. A sua folhagem possui tons de azul e a sua floração em tons brancos surge no verão ou no outono. São plantas de pleno sol e apreciam pH neutro ou calcário, com boa drenagem. Outro dos catos utilizados neste “mostruário de catos” foi o famoso assento-da-sogra. De origem mexicana, o Echinocactus grusonii, é um cato redondo em tons de verde e amarelo com numerosos espinhos, de onde advém o nome em grego – echinos –, que significa ouriço. É um exemplar curioso que funciona bem em vaso ou em canteiro, juntamente com muitos outros da mesma espécie.

Outra planta usada foi a Agave victoria-reginae, uma espécie de crescimento lento, muito resiliente e elegante. As suas folhas têm entre 15 e 20 centímetros de comprimento e não alargam mais do que três centímetros de largura, podendo a sua haste floral desenvolver-se vários metros. A sua elegância provém das rijas folhas verde-escuras com margens brancas terminadas com um único espinho. Sempre com a lógica de inibir a passagem dos utilizadores da piscina à guarda/proteção, foram introduzidas mais espécies com espinhos como a Agave parrasana, planta suculenta perene que forma bonitas rosetas compactas até 60 centímetros de altura. Possui folhas lanceoladas e carnudas
azul-esverdeadas levemente cerosas, sobrepostas umas às outras, terminando no ápice com um robusto espinho acastanhado. Esta espécie prefere temperaturas bastante amenas, mas sobrevive mesmo em temperaturas próximas ao congelamento se o solo estiver seco.

Não podia deixar de referir duas das mais interessantes plantas que foram aplicadas neste projeto: a Agave x romani e o Lophocereus schottii f. monstruoso. A primeira, um híbrido de agave com aspeto muito interessante: de pequeno porte, com rosetas abertas e verde-claras que com uma bonita margem acastanhada-avermelhada. É uma espécie relativamente fácil de cultivar, embora não tão resistente ao frio. É adequada para meia-sombra a pleno sol e, sobretudo, precisa de um solo muito bem drenado! O Lophocereus schootii é, de todas as plantas aplicadas, a que tem o aspeto mais peculiar e isso tem uma boa razão de ser: ocasionalmente os catos apresentam formas anormais de crescimento – chamadas formas “monstruosas”, atípicas da espécie, e o Lophocereus schottii monstruosa é um bom exemplo: uma mutação natural que, embora estéril, continua a sobreviver na Natureza! É uma planta muito interessante, fácil de cuidar, de crescimento lento e bastante incomum em coleções. É nativa das regiões desérticas do México continental e da península da Baixa Califórnia do México.

Todas estas plantas foram dispostas em patamares, distribuindo-se as mais baixas, ou com menor desenvolvimento, mais próximas e as maiores, mais distantes no campo de visão.

Por fim, mas não menos determinante para a concretização do espaço, foi colocado um elemento de grandes dimensões, um ponto focal imponente para quem sai do elevador de acesso ao rooftop: Echinopsis atacamensis (Cereus atacamensis). Trata-se de um cato colunar que pode atingir dez metros de altura e 40 centímetros de diâmetro, e viver quase 300 anos! Espinhos amarelos aglomerados e pontiagudos cobrem o caule em perfeito alinhamento. A floração acontece maio-junho, época em que flores brancas, cobertas de pelos, desabrocham à noite durando entre oito e 40 horas. Após a polinização, estas inflorescências produzem frutos comestíveis.

 

Gostou deste artigo? Então leia a nossa Revista, subscreva o canal da Jardins no Youtube, e siga-nos nas redes sociais Facebook, Instagram e Pinterest.


 

Exit mobile version