Abater uma árvore com mais de 100 anos alegando um estranho estatuto com o nome de PIN (Potencial de Interesse Nacional) parece-me bastante estranho e falacioso.
E os estudos de impacto ambiental? Muitas vezes não são tidos nem achados ou são contornados ou mesmo encomendados e consequentemente manipulados.
Sendo esta uma revista de jardinagem, não devo alongar-me demasiado em reflexões de cariz político e, portanto, volto aos nosssos sobreirais e azinhais que desaparecem a uma velocidade vertiginosa, demonstrando claramente que a economia continua a viver de costas voltadas para a ecologia. O que pensar então sobre o abate de cerca de 2000 sobreiros classificados como árvore nacional?
Talvez o professor Jorge Paiva tenha razão ao escrever no jornal Público, do dia 9 de agosto de 2023, que a consagração do sobreiro a Árvore Nacional é uma farsa.
“Apesar de protegidos, praticamente desde 1565 (Lei das Árvores), os sobreiros e azinheiras continuaram a diminuir em número e área, em particular após terem sido consagrados como espécies protegidas.”
Dá que pensar na verdade. Está à vista de todos que a proteção das árvores e dos ecossistemas não tem sido uma prioridade para os sucessivos ministros do Ambiente deste País, ministério que agora até se denomina Ministério do Ambiente e da Ação Climática.
Em nome desta ação climática e desta transição energética, acabamos com o VERDE e trocámo-lo pelo branco dos parques eólicos e pelo preto dos painéis solares das centrais fotovoltaicas. Tudo em grande escala, tudo centralizado. E assim se vai modificando a paisagem e praticando verdadeiros arboricídios em nome de um suposto interesse público. Nós, cidadãos comuns, deveríamos ter sido consultados para que alguém possa afirmar que tomadas de decisão como esta sejam verdadeiramente de interesse público. Que público? Que verdade?
Desde 2012, data em que foi promulgada a lei que protege os sobreiros, já foram abatidos 35 mil, conta-nos Jorge Paiva, acrescentando ainda que há uns tempos foi desafiado a propor uma espécie para flor nacional, mas, olhando para o cenário do que está a acontecer com os sobreiros, é preferível ficar quietinho e não propor nenhuma flor, não vá ela correr os mesmos riscos que as árvores e, desaparecer.
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Marcha em defesa dos sobreiros
Participei, no dia 15 de agosto, em Sines, na Marcha em Defesa dos Sobreiros e foi bastante emocionante como se conseguiram reunir em tempo de férias mais de 200 pessoas da sociedade civil, ONG, alguns políticos, ativistas e associações ambientais, dando voz às árvores na defesa de todo um ecossistema e contra a acelerada desertificação do território nacional, sobretudo no Alentejo e, neste caso concreto, na área protegida do Parque Natural do Sudoeste Algarvio.
O território onde está previsto o corte destas árvores situa-se perto da quase vazia barragem de Morgavel e foi por aí que marchámos entre slogans e cantigas, cartazes ao alto e esperança de que a vontade e o dever cívico manifestada por 11 mil assinantes da petição se materialize, comprovando que vale a pena defendermos causas exercendo o nosso dever de cidadania ativa. Todas as televisões estiverem connosco durante quase todo o percurso, noticiaram e deram a conhecer ao País pessoas que saem da sua zona de conforto para defenderem árvores, para defenderem a vida e a manutenção de uma paisagem natural em vez de uma paisagem industrializada.
Sou a favor de energias renováveis desde que isso não implique a destruição de habitats naturais; essas energias podem e devem ser distribuídas pelo País e não centralizadas em grandes empreendimentos.
Sou a favor do progresso, mas isto não é progresso; sou a favor da democracia e estas decisões não são democráticas.
Percebi na caminhada, aquilo que já sabia: ao abatermos árvores desta envergadura, estamos também a fazer desaparecer um leque enorme de herbáceas e de arbustos, de fetos e de musgos.
Fui inventariando espécies enquanto caminhávamos no sobreiral e à sua volta: azinheiras, tojos, estevas, fetos, espargos, táguedas, silvas, giestas, azinheiras, madressilva. Todas estas plantas fazem parte do mesmo ecossistema, tudo isto é alimento e casa para insetos, aves, répteis, mamíferos. Tudo posto em causa e ameaçado em nome de um conceito de crescimento económico que nos arrasta a todos para um precipício e para um País condenado à esterilidade dos solos e à desertificação. A medida de compensação que nos oferecem em troca do corte de 2000 árvores adultas é a plantação noutro lugar de 30-40 mil espécies de árvores pequenas, logo à partida condenadas a uma taxa de sobrevivência mínima, pois não está contemplada a monitorização e a rega dessas espécies. Rega? Com que água? Quem? Como?
Cortar sobreiros é acabar com as já escassas probabilidades de chuva. Os sobreiros são resistentes aos incêndios, os sobreiros contribuem para a humidade dos solos e do ar, os sobreiros são resistentes à seca. Os sobreiros dão cortiça. Os sobreiros dão bolotas que já mataram a fome a muita gente.
Alguém que me explique se a lógica destas transições energéticas, se renovar a paisagem trocando árvores por eólicas faz sentido.
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