Revista Jardins

As plantas mágicas na Confraria da Urtiga

Fornos de Algodres

Fornos de Algodres

Os encontros etnobotânicos da Confraria da Urtiga voltaram este ano ao concelho de Fornos de Algodres após um interregno de dois anos por motivos que infelizmente conhecemos de sobra.

 

Estes encontros, que já vão na XV edição, celebram as plantas e o fascínio que elas exercem sobre as pessoas. A data desta celebração tem acontecido anualmente em fins de semana escolhidos perto da data de 18 de maio em que se celebra o Dia Internacional do Fascínio das Plantas.

No âmbito da Confraria da Urtiga, que comemora o seu 12.º aniversário, este evento juntou, no dia 21 de maio, cerca de 50 amantes de plantas na histórica aldeia de Algodres. Em cada uma das edições é escolhido um tema e sobre ele desenvolvem-se várias atividades, palestras, exposições, gastronomia, cestaria, cosmética, usos medicinais, recreativos, sociais, tradicionais, etc.

Pretende-se dar relevo e valorização às urtigas mas também a outras plantas, indo ao encontro dos seus usos tradicionais e do conhecimento etnobotânico de Portugal e de Espanha.

Os palestrantes são sempre escolhidos a dedo pelo Manuel Paraíso, grão-mestre e fundador da confraria, que tem conseguido trazer a Fornos de Algodres os mais conceituados biólogos, botânicos e etnobotânicos do país vizinho.

É sempre com imenso prazer e entusiasmo que partilho histórias, ideias, tiro dúvidas e aprendo muitíssimo nestes dois dias (este ano foi só um) de convívio à volta das plantas, entre passeios, almoços e jantares onde as plantas continuam a sentar-se à mesa connosco.

As Plantas Mágicas sob um olhar técnico

O tema foram Plantas mágicas, e os convidados castelhanos foram José Antonio González, doutorado em ciências biológicas pela Universidade de Salamanca e, entre outras coisas, investigador em Etnobiologia do Douro. É um dos responsáveis pelos conteúdos do inventário espanhol dos conhecimentos tradicionais relativos à biodiversidade.

Autor de muitas publicações sobre usos tradicionais das plantas no Parque Natural de Arribes de Duero e Douro Internacional, veio apresentar um painel sobre Remédios preventivos e curativos para o mau-olhado baseado no uso das plantas.

O outro palestrante Manuel Pardo tem um currículo não menos invejável. É Professor Titular da Universidade Autónoma de Madrid no departamento de Biologia nas cadeiras de Botânica e Etnobotânica, trabalhou no Jardim Botânico de Madrid, na Escola de Farmácia da Universidade de Londres e na sociedade espanhola de botânica. Dedica-se, tal como o seu colega, à investigação etnobotânica, coordenando também o Inventário Espanhol dos Conhecimentos Tradicionais. É ainda autor de muitas publicações académicas em revistas científicas internacionais.

A Maria Ruivo e eu fomos falar sobre a magia do projeto d’A Recoletora, que tem vindo a conquistar para o mundo das plantas cada vez mais adeptos de áreas muito diferentes, do design, da arquitetura e das artes plásticas. Terminei eu a falar de urtigas e dos seus muitos usos medicinais, culinários, cosméticos e hortícolas, fazendo uma demonstração de como se confeciona o chorume, que depois é utilizado como fertilizante e antifúngico nas plantas da horta e do jardim.

Pastor

As estórias das Plantas Mágicas

“Nuestros hermanos” contaram-nos histórias com nomes de plantas e usos muito variados resultantes de um exaustivo levantamento que têm vindo a fazer ao longo dos anos, juntando o conhecimento académico ao empírico, juntando tradição e ciência, simbolismo, rituais de proteção, rituais religiosos e de passagem…

Falaram-nos do cardo-das-bruxas (Caulina acaulis), que se plantava à porta das casas em Navarra para que as bruxas se entretivessem a retirar os pelos, que eram muitos (estames secos) e assim não entravam nas casas das pessoas.

Muito se falou das tradicionais plantas das festas do São João (hipericão, erva-caril, cardos), entre outras.

Falaram de feitiços, de magia, de gestos, de lugar e de tempo, sem escárnio nem preconceito, com respeito pelas crenças dos outros e por coisas que a ciência não explica. Fizeram o levantamento de 299 plantas e 82 famílias, sendo a primeira mais utilizada nestes rituais a família das Lamiaceae, onde se encontram quase todas as ervas aromáticas. O poder curativo e preventivo do fumo e do aroma. Uma das plantas desta família mais mencionada foi o alecrim, que em castelhano se chama romero e sobre a qual se diz “De las virtudes del romero se puede escribir un libro intero”.

Falou-se da importância do fogo, das cinzas, do fumo e das rezas sempre associados às plantas. Falou-se do domingo de ramos com louro, alecrim e oliveira cada uma com seu significado simbólico. No passeio que aconteceu da parte da manhã, ficámos a entender melhor o complexo mundo das umbelíferas, das camomilas e das margaridas, das norças e das digitalis. Contámos histórias de pastores e até encontrámos um que acreditava ter visto uma aparição da Nossa Senhora de Fátima no meio do rebanho das suas lindas cabrinhas, descreveu-nos ao pormenor esse encontro com gestos gentis e o olhar perdido ou encontrado na paisagem de penhascos e serranias onde impera o silêncio, o chilrear dos pássaros e os chocalhos dos rebanhos.

(Desfiarei o novelo destas histórias num próximo artigo.)

 

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