Revista Jardins

Cirurgia arbórea

cirurgia arbórea

No seguimento da edição anterior, na qual foram apresentados diversos tipos de tratamento de lesões provocadas pela realização de obras, por atos de vandalismo, por esgaçamento de ramos ou mesmo por colisões de veículos, far-se-á uma abordagem à gestão de cavidades presentes, na maioria das situações, nos troncos e nos ramos de primeira ordem das árvores.

Cavidades

As cavidades existentes no lenho das árvores serão sempre de origem biótica, isto é, resultam do estado extremamente avançado de uma podridão causada por um agente biótico, ou seja, por um fungo.

Conforme descrito no número anterior, a casca confere proteção ao lenho e limita a penetração da maioria dos fungos. Outros fungos existem que não necessitam de ausência de casca para conseguirem atacar o lenho, ou seja, têm a capacidade de atravessar a casca e colonizar a madeira, pese embora a maioria das podridões seja causada por feridas induzidas, sejam elas de poda ou de lesões.

O lenho, ou madeira, ou xilema, de uma forma simplista é composto por lenhina e por celulose. A lenhina, responsável pela consistência e solidez do lenho, desenvolve-se e assume especial importância nas idades menos jovens da árvore; por seu lado, a celulose é responsável pela flexibilidade da árvore e tem especial relevo nas idades mais jovens dos órgãos lenhosos. Com efeito, à medida que o tronco ou um ramo vai envelhecendo, há lugar para um aumento de lenhina e redução de celulose, ou seja, aumenta a solidez do tronco e/ou do ramo e reduz a sua flexibilidade. É assim a relação de compromisso entre a percentagem destes dois tecidos vegetais que confere a capacidade às árvores de susterem o seu próprio peso e simultaneamente de suportarem vento com alguma intensidade.

Existem fungos que decompõem a celulose e deixam intacta a celulose. Outros fungos há que consomem a celulose, permanecendo a lenhina. No primeiro caso, ocorrerá uma podridão branca em que a solidez do tronco e/ou do ramo está altamente comprometida, mas a sua capacidade de fletir mantém-se. Na segunda situação, verificar-se-á a existência de uma podridão castanha cúbica na qual a solidez do tronco se mantém, mas a sua flexibilidade é drasticamente afetada, não suportando por exemplo a carga induzida pela ação de ventos.

Cavidade colmatada com cimento

O que fazer

As cavidades surgem, pois, quando a evolução destas podridões é de tal ordem que quer a lenhina quer a celulose foram consumidas e simplesmente já não existem, criando uma zona oca no órgão vegetal, sendo que esta zona do tronco ou ramo não possui nem solidez nem flexibilidade. Além da drástica redução da estabilidade ao nível do exemplar arbóreo, as cavidades vão ainda proporcionar a acumulação de água no seu interior, criando ambientes propícios ao avanço do fungo e mesmo à instalação de novos fungos.

Ao longo das décadas, as cavidades têm sido alvo de atenção e da evolução constante de medidas de gestão. Nos anos 70 e 80 do século passado, era muito comum recomendar-se a raspagem do material afetado na interface entre a cavidade e o lenho são, sendo esta posteriormente preenchida com cimento. Estas técnicas foram abolidas já que a raspagem em demasia do material morto levava a que por vezes se ferisse lenho são, e as ferramentas contaminadas aumentavam o progresso do fungo no lenho. Por outro lado, o cimento incrementava de forma bastante significativa a carga existente sobre uma porção de tronco ou ramo já comprometida.

Revestimento das cavidades com poliuretano expandido

Atualmente, embora ainda não difundido, recorre-se a técnicas de revestimento das cavidades com espumas à base de poliuretano expandido.

O poliuretano é um polímero que dá origem a um material sólido com textura muito similar à espuma e é facilmente manuseável, podendo ser inclusivamente pintado. É utilizado em muitos produtos do dia a dia, como, por exemplo, em colchões domésticos e hospitalares, em bancos de automóveis, nas esponjas para limpeza de louça, no isolamento acústico, etc., pois o material possui excelentes características como a flexibilidade, a resistência à água, a leveza, a resistência à abrasão e a possibilidade de formatos diferenciados. Embora a espuma de poliuretano tenha sido desenvolvida para várias finalidades, as suas características tornam este material um ótimo produto para preenchimento de cavidades e fissuras. Nos equipamentos usados pelo público em geral, o poliuretano encontra-se estabilizado em termos de reação e é quimicamente inerte, nãoapresentand o nenhum risco para tecidos orgânicos. Atendendo à sua capacidade de inércia, as suas capacidades de preenchimento e isolamento de cavidades em tecidos lenhosos não comprometem de forma alguma estas estruturas orgânicas.

Vista lateral de dreno

Aplicação de drenos

Cumulativamente, é possível a aplicação de drenos, que, uma vez instalados na base da cavidade, permitem a não acumulação de água na mesma e contribuirá para a existência de um meio menos favorável à progressão do fungo.

Como medida complementar poder-se-ão aplicar diversos sistemas estruturais cujo objetivo é o de se substituírem à lenhina e à celulose inexistentes, ou seja, poderem assim recuperar alguma da estabilidade perdida e aumentar os níveis de segurança do exemplar arbóreo. Esta temática será abordada na próxima edição.

 

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