Revista Jardins

Ervas que se comem

No há necessidade de comer ervas, menina!”, dizem-me muitas vezes as anciãs das aldeias, quando lhes pergunto sobre as tradições do consumo de plantas silvestres na alimentação. “Antigamente, eram outros tempos, não havia dinheiro para sementes nem para ir ao mercado comprar. Quem tinha uma hortinha estava safo; quem não tinha comia ervas. Muita dificuldade passámos nesses tempos, descalços pelos montes, ao frio, à procura de meruges ou agriões ou saramagos para os nossos caldinhos. As urtigas eram para a criação, migadinhas com farelos e água quentinha, aquecia-os por dentro, punham ovos gostosos e não apanhavam moléstias. Outros tempos, menina, mas eram tempos difíceis, não havia vagar de ir à escola, nunca aprendi a ler, mas a comer o que a terra nos dá, lá isso, se voltassem esses tempos, fome não passava.”

“Agora com estas rações modernas, os animais já vêm vacinados contra todas as moléstias. Antigamente andava tudo à solta, as esgravatar a terra à procura de comida, e olhe que a terra ficava logo ali adubada, não é como agora que é era preciso andar a gastar dinheiro em adubos e remédios para as nossas couves e feijões, dantes criava-se tudo com estrumezinho dos animais, era preciso acartá-lo com forquilha, às vezes à chuva e nós a limpar os currais”.

“Não queria que o tempo voltasse para trás, menina” Estas histórias da ‘ti’ Angelina nunca me abandonaram, até porque são minhas também, não diretamente, mas da minha mãe e avós que sempre viveram no campo, do campo e com o campo. Não as terras agrestes transmontanas mas as terras saloias da zona de Sintra e Torres Vedras onde há 70 anos ainda havia muita gente que comia ervas, andava no monte com o gado e não tinha vagar de ir à escola. Foi assim que as ervas comestíveis foram ganhando mau nome, associadas que estão a tempos difíceis de escassez, pobreza e desigualdade social. Agora estão de regresso, apesar de o uso e abuso de herbicidas terem erradicado algumas delas, as mais resilientes e insubmissas ficaram para enriquecer a nossa dieta. A nossa cozinha do fine dining tem-se aproveitado delas e tem sabido trazê-las para a mesa com requinte e elegância. Os pobres, esses ainda comem cardos, sopa de funcho, labaças com feijão, caldos e calduços de poejos e outras ervas.

Relembrando novamente as palavras da ‘ti’ Angelina, tenho a certeza de que o seu conhecimento das plantas silvestres comestíveis, que os seus filhos e netos não souberam aproveitar, irão agora servir a muita gente. Tempos difíceis se aproximam, muito difíceis. Quem tiver o privilégio de reconhecer e saber usar uma mão-cheia destas plantas sofrerá menos e estará com certeza mais bem nutrido do que os vivem dependendo da comida de supermercado e de produtos alimentares vindos do mercado russo e que são muito mais do que aquilo que possamos imaginar. A terra vai começar a ser muito mais valorizada e muitos dos baldios irão ser usados para produzir alimentos, silvestres ou domesticados, mas alimentos sem recurso a adubos e pesticidas, pois muitos deles são importados da Rússia e não haverá dinheiro que os pague. Comida de verdade, não comida processada com fiambres e cereais vindos do outro lado do mundo. Dito isto, cabe-me agora fazer uma seleção de uma mão-cheia de ervas copiadas das 60 do meu livro Erva Que se Comem.

URTIGAS

Quase que bastavam, pois são altamente nutritivas e completas do ponto de vista alimentício. Qualquer urtiga é comestível e podemos com elas cozinhar um sem-número de pratos, desde sopas a quiches, risotos a panquecas a pão e patês, etc. Atrevam-se e verão que ficam tão rendidos como eu à sua versatilidade e sabor delicioso.

ANSARINA-BRANCA

Quenopodium album

A ansarina é conhecida por erva-couvinha, erva-armoles, pata-de-ganso ou catassol, muito semelhante a outra também ela comestível e medicinal, o quenopódio-bom-henrique (C. Bonus henricus). Cresce um pouco por todo o lado e é uma planta usada para fins medicinais e culinários. O sabor e textura das folhas são muito semelhantes ao espinafre. As sementes ricas em substâncias nutritivas eram outrora usadas na confeção de bolos e de pães. Muito rica em vitaminas e sais minerais. Tal como a maioria dos vegetais verdes, tem uma considerável percentagem de ómega-3, agindo como anti-inflamatório, fortalecendo os ossos e prevenindo contra anemia e a obstipação. Usam-se as folhas, talos e frutos/sementes.

ALHO-BRAVO

Allium triquetrum

Estão identificadas 22 espécies de Allium em Portugal, algumas criticamente ameaçadas e em perigo de extinção. É um dos primeiros Allium a florir ainda no Inverno. Todos os Allium silvestres são aparentados do A. sativa, o nosso alho cultivado e, portanto, todos apresentam algumas características e propriedades medicinais comuns. São ricos em vitamina C. Têm propriedades diuréticas, antibióticas e melhoram a digestão e o funcionamento das vias respiratórias, são vermífugos e hipotensores. O bolbo pode ser consumido cozinhado ou cru, devendo ser colhido no início do verão, podendo ser armazenado durante cerca de seis meses. As folhas (cruas ou cozinhadas) podem ser usadas como substituto do alho-francês, sendo excelentes em saladas (quando jovens), cozinhadas, em salmoira ou picles ou usadas como condimento, e têm um sabor mais suave do que a cebola. As flores, com um leve sabor a alho, devem ser consumidas cruas e/ou como decoração em saladas. As sementes podem triturar-se e usar em pó. Podem usar-se também no fabrico de bolos e pães.

ACELGA-BRAVA

Beta maritima

Muito comum em orlas marítimas, já a vi crescer na praia em plena areia. Esta planta é muito rica em clorofila, vitamina C, ferro e outros sais minerais. Trata-se, provavelmente, do antepassado silvestre da beterraba. As folhas cruas ou cozinhadas têm uma textura crocante e muitas vezes salgada, sendo excelente em sopas, saladas e sumos verdes.

SARAMAGOS

Raphanus raphanistrum

Este é o nome popular dado a uma das crucíferas muitos comuns entre nós, abundante nas bermas de caminhos, nas hortas, terrenos baldios ou no meio das searas. É considerada uma “erva daninha” também conhecida por cabestros, rábano-silvestre, rábano-bastardo ou ineixa.

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