Conheça o trabalho do The Lisbonian Gardener, que transforma cada varanda, terraço ou cobertura em jardim. Se toda a gente fizesse o mesmo, as cidades seriam mais verdes, mais frescas no verão e amenas no inverno, mais sustentáveis e muito mais bonitas.
Transforma terraços, coberturas e pátios em verdadeiras selvas urbanas, cria coleções botânicas sem igual e, depois da edição de maio da Jardins onde o Nuno Prates (The Lisbonian Gardener) nos deu o seu testemunho, ficámos com vontade de conhecer mais dos seus cinco jardins em Lisboa.
Tivemos o prazer de visitar cada um deles, ficámos rendidos aos espaços que o Nuno cria com a mestria de quem domina o conhecimento botânico, ao mesmo tempo que possui um apuramento estético, conhecimento de materiais e objetos de decoração que lhe permite criar cenários, espaços e ambientes que nos fazem viajar no espaço e no tempo.
Cobertura mediterrânica no Saldanha
A cobertura mediterrânica no Saldanha é um estandarte à vontade de colaborar, de participar e à partilha dos movimentos de defesa da Natureza e de todos os princípios a ela associados, que, 15 anos mais tarde, chegaram finalmente a Portugal, como ações que contribuem para o arrefecimento das urbes, melhoria da qualidade de vida das populações e purificação do ar, enfim, medidas que atualmente são aplaudidas fora das nossas fronteiras e acarinhadas entre quem detém espaços capazes de receber as coberturas verdes.
O terraço foi coberto de verde no ano 2000. Um choque e susto para os lisboetas conservadores e insatisfeitos por ver alguém agir daquela maneira.
Teve o acolhimento curioso da vizinha próxima, que, com sabedoria, ensinou o Nuno a curtir 3 kg de azeitonas de Lisboa, ali colhidas. Viu plantar alfaces e beringelas em vasos clássicos de ferro, tomateiros em floreiras de terracota decoradas com grinaldas e carantonhas neoclássicas, ervas semeadas com espantalhos de ferro forjado e decoradas com estatuária clássica e barroca. A horta e o pomar eram sempre rematados com as mais belas peças de jardim que encontrava.
O Jardim do Último Andar, como foi designado pelos Jardins Abertos, na edição em que participou, foi reconstruído três vezes, três estilos que foram amadurecendo e dando lugar entre si. É um jardim de aspeto mediterrânico onde sobressaem árvores fruteiras variadas e produtivas. Laranjeiras, limoeiros, amoreiras, ameixeiras, romãzeiras, pereiras, macieiras, oliveiras, marmeleiros, abacateiros, alfarrobeiras, sobreiros, figueiras, pinheiros, nespereiras e tangerineiras.
O jardim foi acolhendo plantas, sobretudo de porte arbóreo, que a Natureza se encarregou de plantar através da disseminação trazida pelas aves. Foi-lhes dado absoluto aval para dominar o espaço. Ver o ecossistema estabelecer-se desta forma é um privilégio e bênção. Celtis australis, Cupressus macrocarpa, Acacia mimosa, Lonicera madressilva, azinheira são exemplos que se juntam aos loureiros, buganvílias, roseiras, loendros e suculentas que fui recolhendo por abandono.
Ali a preocupação foi encher de verde, de folhas, de sombras, de movimentos, de flores num espaço que imaginava ver de longe, um dia. Ao estarmos a fazer a reportagem para este artigo, fotografámos este jardim com um drone e o autor viu a sua obra de cima pela primeira vez tendo ficado convencido de que valeu a pena o esforço de ajardinar 80 m2.
Jardim no Chiado
Entrar neste jardim e nesta casa é uma experiência única, transporta-nos ao mesmo tempo para o Oriente, o norte de África e as florestas da América do Sul, inesquecível. Neste jardim do Chiado, o Nuno quis refletir parte da sua formação académica em Ciências Sociais e Humanas, imprimindo pela primeira vez a preponderância do significado da arquitetura da casa na relação com o jardim.
A intenção é falar da História de Portugal desde 1415 aos finais do século XIX, pelo fascínio que o descobrimento do novo e o contacto com o velho mundo, as viagens filosóficas e científicas realizadas pelos portugueses e outros nomes da botânica mundial, provoca, através da arquitetura de interiores e da arquitetura paisagista, tudo em exemplos que recriem, expliquem e exemplifiquem esses períodos.
A linguagem da casa percorre, pela exibição das peças de história natural e mobiliário, o caminho até ao exterior, de onde no seu interior se descobre a atmosfera fantástica e poderosa da floresta tropical que as janelas, por sua vez, permitem adivinhar. Uma vez entrados no pátio de alma muçulmana, o isco da nossa atenção recai sobre o envolvimento do emaranhado das lianas.
As enormes folhas ornamentais obrigam-nos a olhar para cima e sentir o esmagamento que o gigantismo da floresta tropical proporciona. Mas estamos em Lisboa, e num espaço pequeno, lugar que quis explorar nesta perspetiva.
A sensorial, na mensagem de poder que a Natureza arbórea tropical transmite; e a racional, pela variedade de espécies catalogadas e identificadas, de acordo com a última revisão taxonómica. O que se pretendeu foi o confronto de emoções estéticas, com o rigor da ciência e do conhecimento, explorado através da aventura e descoberta ao pormenor de todos os espaços do jardim. São uns 100 m2 que consumiram 100 horas de atenção aos conhecedores de botânica tropical.
A maravilhosa coleção botânica do Chiado
Valiosos exemplos de Heliconia rostrata e Heliconia schiedeana, em plena floração simultânea este ano, enchem de orgulho o trabalho meticuloso de décadas a preparar as condições ideais para o seu sucesso.
Um exemplar de Alcantarea imperialis de folhagem verde, notabilíssimo pela sua dimensão, inesperadas espécies como Wodyetia bifurcata, Spathodea campanulata, Ananas comosus com fruto, Bractis gasipaes, Ficus bussei, Gomesa flexuosa, Monstera pinnatipartita, Paubrasilia echinata, Acalypha wilkesiana, Codiaeum variegatum, Dimerandra emarginata, Dypsis madagascariensis, Goniophlebium persicifolium, numerosas espécies de Philodendron, Aechmea, Vriesea, Neoregelia, Nidularium, Billbergia, Dracaena, Cordyline e Ctenanthe foram aclimatadas e sobrevivem sem qualquer proteção adicional.
A envolvência do manto vegetal constitui a mais-valia quer na recriação do ambiente exótico florestal quer nas condições ecológicas necessárias ao cultivo das espécies mais exigentes. O jardim tem uma maturidade de cerca de 12 anos.
O terraço do Saldanha
Nas fotografias de drone conseguem ver-se as duas manchas verdes, deste terraço e da cobertura e é uma imagem fantástica.
Este espaço evoluiu ao longo de nove anos, num espírito de criar uma montra verde e ilusão de floresta a quem se deleita a partir do sofá. Não tem um ecrã de televisão diante, senão um comprido terraço, com 40 m2, pejado de plantas tropicais que filtram o sol e criam a privacidade necessárias à liberdade de uma casa de vidro. A natureza e o exotismo das plantas tropicais oferecem episódios diferentes ao longo do ano que jamais se repetem.
O movimento ruidoso da cidade é contrariado com esta projeção de paz e proximidade com a tranquilidade que as plantas devolvem ao ser humano.
A flora e a fauna do Saldanha
Plantas de coleção e lugar de experimentação. Destaca-se um pujante exemplar de Alcantarea imperialis vináceo, Coffea arabica, que produz grãos, um longo leque de Bromeliáceas, Orquidáceas, Plumeria alba, Dypsis decaryi, Philodendron erubescens, P. hastatum, P. undulatum, P. squamiferum, P. cordatum, Epipremnum pinnatum e Ficus lyrata, cultivados em particulares condições de exposição à severidade do inverno, além de repetições dos géneros cultivados noutros jardins.
Neste terraço, a fauna é também uma mais-valia, algumas tartarugas terrestes e aquáticas, alguns pássaros, um coelho e um gato vivem envolvidos por esta selva urbana no coração de Lisboa. Tudo isto forma um mundo à parte… maravilhoso e único.
A biblioteca botânica de Alvalade
É (até agora) o último espaço, concebido, em 2018, onde o Nuno se concentrou a praticar jardinagem literária e o exercício de oficinas de jardinagem. Em Alvalade, uma biblioteca com mais de 1000 edições sobre botânica tropical, que abarca toda a temática relacionada com este título e que reflita na história, geografia, biologia, etnografia, património, colecionismo descrições, viagens, jardins botânicos, reservas naturais, práticas de jardinagem ou roteiros, foi reunida para estudo.
Ambiente dedicado ao estudo, tertúlia, debates e considerações para saber mais e melhor sobre adaptação de espécies tropicais no âmbito ornamental.
Aqui todas as plantas são populares plantas de interior, adquiríveis em qualquer supermercado ou viveiro nacional, a partir de empresas dentro do espaço Schengen, se pretender trabalhar com espécies mais específicas, algumas a partir de sementes que, com a mesma paciência e determinação, são cultivadas no exterior. Este é o destaque mais interessante que o motiva, na prática da jardinagem, uma vez que contrariam as informações contidas nos manuais de cultivo de ornamentais de espécies tropicais e subtropicais.
Jardim de exóticas tropicais ao miradouro da Senhora do Monte
Aqui temos um jardim sem casa… um espaço onde em pouco mais de 100 m2 nos sentimos numa floresta tropical e onde podemos colher papaias maduras. Também este jardim foi fotografado com o recurso ao drone e é muito interessante ver esta área verde do meio da densidade urbana da encosta da Graça.
Neste espaço é feito um ensaio à experimentação de espécies tropicais, submetendo-as a condições extremas, próximas do limite possível para cultivo no exterior. O jardim encontra-se debruçado na colina mais elevada da cidade, a 100 metros de altitude, muito fustigado pelos ventos fortes, sobretudo a nortada, que aflige o espaço e condiciona o desenvolvimento das plantas.
Porém, a técnica da densidade permite criar mecanismos de proteção naturais eficazes para o estabelecimento das espécies com sucesso. A competitividade entre exemplares não se verifica por se registar uma maior lentidão no seu crescimento.
O maior número de dias frios desacelera o desenvolvimento das plantas, o que lhes permite adequarem o seu crescimento com maior rigor. Praticamente todos os exemplares conseguem o seu espaço garantido e não eliminam as mais tenras. Este jardim surge como um ensaio ao estudo da reação das espécies que cultivo noutros locais mais favoráveis e, assim, confirma a versatilidade de cada espécie em situações diferenciadas.
A coleção botânica do miradouro
Plantada em terra firme, a coleção é ampla, sobretudo de Bromeliáceas, Orquidáceas que me interessam para o estudo do cultivo em exterior e de forma semisselvagem, sem qualquer tipo e intervenção no composto, proteção, danos causados pelas intempéries, exposição, etc. e uma coleção de Ficus representada com F. petiolaris, F. benghalensis, F. isophlebia, a que se juntam exemplares de Bromelia antiacantha, Litchi chinensis, Mangifera indica, Carica papaya, a produzir frutos comestíveis, Caryota urens e vasta variedade de Calathea, Stromanthe, Maranta, Ctenanthe, Philodendron e Epipremnum pinnatum com folhas adultas, bem como Syngonium podophyllum com raras folhas trilobadas e Epipremnum aureum. Maciços de Heliconia schiedeana, crescem com vigor, facto que não deixará de interessar os conhecedores de espécies tropicais mais sensíveis.
Este jardim, plantado em 2016, já atingiu a saturação enquanto espera demoradamente a licença de reabilitação do imóvel. Não há esperança que morra enquanto um jardim floresce e manifesta uma explosão de vida e cor.
Saiba mais sobre o The Lisbonian Gardener – Nuno Prates
Qual o grande objetivo e sonho quando se dedica a estudar botânica e a colecionar plantas, livros e outras curiosidades relacionadas com o mundo vegetal?
Aprendi com as circunstâncias da vida que ter um final feliz em qualquer sonho que nos apercebemos sentir é um enorme risco. Há uma característica que preservo quando trabalho com plantas: não desisto!
Em tom poético e atual, diria, sou perseverante. Todavia, já sei “sonhar mais baixinho” para conseguir aceitar as limitações que a logística impõe, tenho a tendência para me empolgar e seduzir-me pelo deslumbramento, para conseguir enfrentar as questões sociais, como a desinformação que as pessoas, de maneira geral, demonstram sobre as variedades e respetivos comportamentos no desenvolvimento das plantas.
Tantas vezes se tornam batalhas homéricas para desmistificar a fama que acumulam de forma muito injusta. E, por fim, e não menos marcante, as barreiras legais que estão desatualizadas, impedindo que espaços estéreis sejam reconvertidos em lugares verdes e frescos.
Com frequência, a regulamentação revela-se desatualizada e conflituosa com iniciativas que decorrem, como a Lisboa Capital Verde Europeia 2020, em que a CML promove ações de plantio, à semelhança do que acontece nas demais cidades europeias e, depois, defende um regulamento que proíbe e autua. Contactei alguns movimentos que partilham da mesma ideia, como Os Jardins Abertos ou o Vamos Florir Portugal, embora saibamos que, enquanto a vontade política não se manifestar nessas questões burocráticas, não poderemos agir com sucesso.
Enquanto não conseguirmos plantar um jardim onde todos rumamos para o mesmo lado, não terei possibilidade de partilhar o que sei sobre jardinagem, botânica, história dos jardins, literatura, experiência e conhecimento com a comunidade. Recorro a esta designação e não uso a palavra sociedade, porque falta-nos esse conceito enquanto cidadãos e descubro que o sucesso das práticas sociais e iniciativas de intervenção em espaços públicos nos outros países, onde tanto colhi inspiração, não enraízam em Portugal.
O trabalho que tenho desenvolvido ao longo de 35 anos é para partilhar, tem um papel pedagógico e uma fruição pública, tal como os jardins que cultivo. Abri-os àqueles que querem conhecer e perceber que é fazível, àqueles que, não sabendo por falta de motivação, se apercebem de que é possível repetir em casa, no seu jardim, na rua.
Por essa razão, cultivei alguns pequenos jardins, em todos os espaços possíveis de que dispunha, muitas vezes abrindo áreas cobertas e devolvendo-as ao exterior, para que pudesse ajardinar, cultivar verde, melhorar o ambiente, aumentar a qualidade de vida em casa, aproximar a Natureza à rotina urbana.
Essas decisões foram vistas, na época, com muita estranheza e até preocupação pelos moradores próximos. Ajardinar era motivo de desconfiança, jardinar era aceite por ser controlado num espaço geralmente diminuto, de modo geral, resumindo-se a meia dúzia de vasos.
Depois, decidi abri-los ao público, participando no Festival dos Jardins Abertos e mostrar como se faz na esperança de que as pessoas levassem a ideia de querer fazer o mesmo. A semente da sugestão foi então tudo o que consegui entre os projetos que idealizei. Tive uma surpresa muito agradável quando fui convidado para realizar um terraço verde em plena cidade histórica de Paris durante três dias.
Qual a filosofia que esteve por trás de cada um dos jardins que fez? Como decide que plantas colocar? Como relaciona a decoração/arquitetura e materiais com o jardim e as plantas?
O primeiro jardim que concebi foi na casa de férias dos meus pais, com total liberdade de expressão. Inundei o jardim existente com espécies frondosas e de grande porte, pois o cenário estava medianamente montado de forma a acolher o que queria introduzir. Foi essa a primeira descoberta que fiz no paisagismo.
A envolvência num jardim é basilar para o êxito do lugar. E comete-se, com frequência, o erro de arrasar com o que já existe num jardim a reconverter, em vez de o enquadrar, como se fosse o primeiro e indiscutível passo para uma obra bem feita.
Tinha conhecimentos de horticultura e jardinagem, porque me interessei pelo cultivo de plantas exóticas tropicais desde muito cedo. Li o que dispunha, não tinha acesso à variedade e sobretudo rapidez de resposta às minhas dúvidas. Não havia Internet nem tinha conhecimento de bibliotecas especializadas.
Visitava com regularidade, a biblioteca da Fundação Gulbenkian, que guarda um acervo de livros sobre jardins relacionados com arte, naturalmente pouco dispunha de assuntos técnicos. Foi proveitoso porque me influenciou; de facto, marcou o modo como observo um jardim. Com esses livros de arte, aprendi a pintar um jardim muito antes de ter tido noções de planeamento.
Em bom rigor, jamais consegui desenhar um espaço ou concluir um plano paisagístico. Pus de lado os papéis e os monitores e agarrei nas luvas e nas ferramentas. Sempre pintei ou esculpi um jardim com os materiais que dispunha. São concebidos de maneira espontânea e talhados de acordo com a envolvência e a leitura arquitetónica à data do lugar.
Não tenho a menor destreza no uso das tecnologias. Assim, projetar algo num ecrã está absolutamente fora de questão. Olho o horizonte, vejo a luz, imagino paredes, forma, alturas, materiais, cores, temas e sugiro espécies que reflitam o que sou quando me pedem opinião sobre um espaço a trabalhar.
Por que é que é fascinado pela tropicalidade de Lisboa?
Quando executo os meus jardins, é a fúria de plantar, colecionar, ver crescer e moldar a obra que dita o resultado final. Nem dispenso tempo a planear o que pretendo. Arredo, transplanto, replanto, arranco e disponho as vezes que entendo até sentir que é o que quero. Claro que giro muito em torno das paisagens tropicais na cidade mais africana e brasileira da Europa. Atrai-me a tropicalidade do nosso País. Talvez tenha azar, porque não nasci na época mais recetiva para esta tendência. O início do século XIX foi o esplendor nas aventuras exóticas tidas na Lisboa romântica.
Descobri esta justificação quando iniciei uma busca incessante de postais ilustrados até à primeira metade do século passado, que mostra um Portugal maravilhosamente plantado com espécies imponentes e soberbas, que, se não tivessem sido eliminadas, seriam verdadeiros monumentos naturais e únicos.
O facto de Lisboa não querer manifestar esta face, apesar do exímio clima que temos para explorar as espécies exóticas, fruto da visão dos decisores, ou da falta de ambição dos mesmos, ou até da formação académica que se desenvolve nos cursos da especialidade em Portugal, castra uma mais-valia que poderia dar identidade à cidade e destacá-la na Europa.
Se percorrermos 223 km para leste, após Elvas, somos abraçados com uma paisagem urbana claramente espanhola, que claramente denota a cultura histórica de Espanha nas Américas e as influências daquele continente no país, que os orgulha e identifica em qualquer momento. O sul de Itália segue a mesma filosofia elogiando o trabalho notável do botânico italiano Odoardo Beccari e o papel fundamental dos Jardins Botânicos de Pisa, Nápoles e Palermo, aplicando no paisagismo público todo um vasto trabalho de investigação e desenvolvimento do conhecimento de espécies exóticas.
Até o litoral mediterrânico francês alude ao exotismo do norte de África, onde esteve presente a cultura francesa durante longos anos. A paisagem vegetal fala da História dos povos e da sua movimentação. Agradar-me-ia ver o reflexo do brilhante contributo de Félix Brotero na cidade.
As plantas são quase exclusivamente oriundas das regiões tropicais do globo, que multiplico com alguma demora, já que primeiro tenho o objetivo de estabelecê-las ao exterior. A adaptação às condições do inverno de Lisboa é um desafio que gosto de explorar ao extremo.
Sempre que me proponho introduzir uma espécie na coleção, avalio a possibilidade de conseguir adaptá-la ao exterior. Tenho, por isso, três locais diferenciados, três ambientes ecologicamente distintos, três laboratórios experimentais, todos em Lisboa, mas cuja localização geográfica determina comportamentos e avaliações sobre a mesma espécie que me interessa bastante observar, para posteriormente estudar.
Sobre cada espécie faço relatórios que culminam em artigos, ou seja, considerações de cultivo especialmente indicadas para o clima de Lisboa. Tenho estendido algum conhecimento a todo o País continental, facto que me entusiasma a ponto de poder vir a redigir um manual sobre orientações de cultivo de espécies exóticas tropicais ornamentais em Portugal.
Considera os seus jardins “laboratórios” de experimentação?
Os meus jardins são laboratórios vivos de práticas de aclimatação, adaptação e reprodução de espécies. Cada lugar é um espaço fechado onde as plantas dependem inteiramente da minha presença e fora dos quais não têm qualquer esperança de sobrevivência. A ameaça, a meu ver, extremista, e os receios globalistas das infestantes não têm justificação para os exemplares que cultivo, por essas razões que expliquei.
Acresce que o meu interesse se centra na técnica de adaptação de espécies, regularmente indicadas como sugestões de cultivo no interior, que eu contradigo e cultivo no exterior. Em resumo, teimosia, aventura ou exploração de material vegetal vulgar dentro de casa, que se torna inusitado na rua.
É esta a essência dos jardins que crio. À experimentação, depois, junto-lhes a disposição estética, que, através do número de exemplares que tenho, permite-me construir paisagens idênticas às das florestas tropicais húmidas da zona pantropical do mundo. Estimo em torno de 250 espécies tropicais e subtropicais na minha coleção.
A montagem dos exemplares tende a ser fiel ao seu comportamento nativo, pelo que cultivo a maioria de forma epífita, ou seja, sobre um hospedeiro que lhe serve de suporte e não a parasita.
A aclimatação de espécies é o seu grande objetivo?
A disciplina que desenvolvo nos três jardins tropicais, a aclimatação de espécies, é, como disse, o meu fito e ponto principal de trabalho. Naturalmente, subtraio prazer estético desse processo, porque recrio ambientes soberbos a partir do material vegetal que tenho.
A possibilidade de poder explorar devaneios paisagísticos na arquitetura do jardim dá-me a sensação máxima de ter conseguido chegar onde me proponho; aliar locais prazerosos ao estudo, emprestando a beleza rara que esta prática permite ao melhor sentido e rigor estéticos, onde, então, desenvolvo o conhecimento e apresento uma coleção de plantas. Por que razão o local de trabalho não pode ser cooperante com a imagem, a estética ou o décor? Por que razão um jardim de plantas tende a ser um amontoado de vasos agregados onde não raras vezes os materiais e a forma dos vasos são muito agressivos à vista e parecem não perturbar como se fossem invisíveis em grupo? Eu ressinto-me muito com este pormenor e daí ter a prioridade de primeiramente pensar nos materiais das floreiras, vasos ou contentores. Não há qualquer hipótese na reconversão ou criação dum jardim se esta regra não for cumprida. Seguem-se os detalhes que completam o jardim, pormenores de preenchimento como musgos, seixos, casca de pinheiro sobre o composto.
Um vaso com terra à vista é uma tela que espera a cor de fundo. A montagem do jardim, com peças inorgânicas ornamentais, loiças, cantarias, ferros forjados ou elementos orgânicos como ramos e troncos, cascas e raízes, faz a moldura do jardim. O mobiliário e a iluminação são as excedências que obrigatoriamente terão de ser escolhidas a rigor sob pena de desmanchar a visão global.
Como faz para manter este tão grande número de espécies tropicais em tão pouco espaço?
Na logística do jardim, e a haver intenção de investimento no espaço, opto por desenvolver mecanismos para criar microclimas favoráveis à adaptação das espécies tropicais. O revestimento em cinzento-escuro absorve com rapidez o calor diurno e liberta-o durante a noite, fator muito importante sobretudo durante o inverno. Na época de verão, o pavimento aquece bastante, por vezes atingindo temperaturas extremas, que aproveito para produzir humidade no ambiente. Contrariamente ao que se defende, rego na hora de calor e o chão sobreaquecido provoca uma evaporação imediata da água, muito eficaz para este tipo de espécies.
Em ondas de calor, deixo água estagnada no pavimento para fazer demorar a evaporação. Um regozijo para as plantas. Um terceiro conceito que uso é a densificação. A maior problemática no cultivo de plantas em zonas meridionais do nosso País, em particular em Lisboa, são os baixos índices de humidade do ar.
Por consequência, luto por agregar o maior número de plantas possível, literalmente amonto-as, para que haja uma interação entre os indivíduos e em conjunto preservem o mais possível a humidade. Por conseguinte, reduzem a perda de água por transpiração. Tenho dois bons resultados: é eficaz e visualmente muito poderoso.
Como começou esta aventura dos jardins?
A primeira marca que deixei num jardim foi no quintal da minha primeira morada, ao Campo Pequeno. Atirei cinco sementes de Ceiba speciosa a um vaso e, após 30 anos, e plantadas em definitivo ainda florescem num manto de cor, explosão, de exotismo e ânimo de vida naquele pequeno prédio.
E, por ser um edifício de 1936, conservou o quintal, com terra onde pude remexer e plantar sem limitações. Um exercício de libertação total e raro que dificilmente tornaria a repetir, pois levantam-se aversões intransponíveis ao plantio de árvores em espaços privados. A verdade é que o grupo de cinco perdura, dividindo a área entre si.
Artigo com a coautoria de Nuno Prates.
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