Estar no Parque Nacional da Peneda-Gerês no início de julho, no fim de julho e no fim de setembro são experiências bastante diferentes. Todas elas maravilhosas.
Sobre as experiências de julho já escrevi na crónica de setembro.
No início de outubro, voltei para um terceiro retiro de plantas medicinais na expectativa de me deslumbrar com as magníficas cores de outono que tanto caracterizam as faias, os castanheiros, os bordos e as bétulas nesta paisagem única.
Enganei-me, mas não me desiludi. O frio ainda não tinha chegado e portanto a mensagem ainda não tinha sido transmitida às árvores de que deveriam começar a mudar a cor da sua folhagem.
Caminhava-se para o fim da época das vindimas, o ar cheirava a mosto na aldeia da Ermida, aqui e acolá o fogo alimentava os alambiques onde se destilavam as uvas para a tão apreciada aguardente vinícola, que uso para macerar plantas e fazer alcoolaturas/tinturas medicinais de pilriteiro para tratar a ansiedade e regular o coração, de urtigas para tratar anemias, retenção de líquidos, gota, dores reumáticas, de agulhas e gemas de pinheiro para fortalecer o sistema imunitário e aliviar problemas de tosse e de bronquite. O álcool é um excelente veículo para retirar os compostos de plantas medicinais, sobretudo as mais resinosas como o pinheiro, os cedros e os ciprestes. Toma-se em pequenas quantidades (uma colher de café diluída num pouco de água ou de infusão morna à qual se pode juntar mel de urze ou outro). O mais comum por estas paragens é o mel escuro com notas amargas com predominância de flores de Ericáceas (urze, uva-ursina e medronheiro) e também castanheiro.
As chaminés das pequenas adegas de granito fumegavam e aqueciam os fins de tarde já um pouco frescos. As folhas das parreiras mostravam timidamente o outono nas cores avermelhadas mas ainda com belos cachos de uvas à espera de mais uns diazinhos de calor para amadurecerem.
As uvas
Comi uvas, fotografei parras e colhi algumas folhas para infusão e cataplasmas. Estas usam-se na culinária dos países mais a sul do mediterrâneo ou em infusões para aliviar dores menstruais, diarreias, em uso interno e externo têm uma ação venotónica e adstringente, são diuréticas e hepatoprotetoras devido às antocianinas, são ricas em taninos e flavonoides.
A história da cultura da videira remonta à época do neolítico e está associada ao desenvolvimento da olaria. Existem relatos do seu cultivo na Península Ibérica desde o tempo dos fenícios, mas os egípcios também eram grandes apreciadores de uvas e seus derivados.
As uvas são ricas em vitaminas A, B e C, B1, B2, B5 e B6 proteínas, sais minerais como o potássio, o cálcio, o ferro, o silício, o magnésio, o manganês e o sódio.
Os pilriteiros e os medronheiros
Além das parreiras a avermelharem a paisagem, estavam também os frutos dos pilriteiros (Crataegus monogyna) tão característicos destas serras e os medronheiros (Arbutus unedo) a exibirem os seus frutos já bem maduros e moles, muitos deles esborrachados no chão antes que tivéssemos tempo de os saborear. Os azevinhos (Ilex aquifolium) também exibiam já os seus frutos vermelhos, estes comestíveis apenas para as aves e não para as pessoas. Trata-se de uma das mais emblemáticas espécies arbóreas da Peneda-Gerês. O azevinho tem nesta área protegida a sua maior e melhor ocorrência em território português, estando presente praticamente em todas as cotas do Parque Nacional.*
O (Pinus sylvestris L. var. iberica) que por aqui se desenvolve é característico desta região, sendo também conhecido por pinheiro-de-casquinha, pinheiro-de-riga, pinheiro-de-flandres ou pinheiro-vermelho-do-báltico. As referências mais antigas que sobre ele existem remontam a 1896 e confirmam a sua existência como sendo o único pinheiro autóctone da região. Destes pinheiros antigos subsistem ainda hoje quatro núcleos situados em zonas altas e bem no interior da serra do Gerês. *
Por estas paragens muitas árvores se impõem e impressionam pelo seu porte, como é o caso do carvalho-alvarinho (Quercus robur), que, em determinadas áreas, se mistura com o carvalho-negral (Quercus pyrenaica). Encontrei alguns monumentais indivíduos de Q. robur na aldeia da Ermida, quase sempre junto a fontes e nascentes.
Os castanheiros
Começavam devagarinho a aloirar o tom das suas folhas. As faias lentamente a tornarem-se amareladas; o laranja-fogo só se mostrará lá para inícios de novembro. As pequenas e delicadas folhas das bétulas (Betula celtiberica), também conhecidas por vidoeiro, bido, vido ou bidoeiro, já brilhavam na luz oblíqua do fim de tarde.
Os rios e cascatas tinham aumentado o seu caudal, não nos permitindo por vezes atravessá-los, obrigando-nos a comtemplá-los da outra margem ao som de chocalhos de rebanhos de cabras que saltitavam felizes entre penhascos e ravinas.
As urzes
Continuavam floridas as fontes e nascentes frescas e convidativas, poças de água espelhavam o azul cristalino do céu, folhas de outono aninhavam-se entre musgos e fetos numa promessa de inverno que havia de chegar a seu tempo.
A seu tempo também, prometo na próxima primavera voltar à grandiosidade destes penhascos, a esta paisagem única de árvores, silêncio e água fresca das fontes, para mais retiros, caminhadas, manhãs de neblina e banhos revigorantes de cascatas.
*Árvores do Parque Nacional da Peneda-Gerês de Manuel Dantas da Gama.
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