Revista Jardins

Plantas medicinais no Algarve

Jardim da Daisy

Criar novos espaços sem destruir, sobretudo árvores monumentais e úteis. Construir observando, incluindo, integrando de forma sustentável e equilibrada a paisagem local, é por aí o futuro da jardinagem.

Enquanto viajo pelo País ao encontro de pessoas e de projetos com os quais me identifico pela sua sustentabilidade, pela sua utilidade e pelo sentido que fazem, a mim e ao planeta, vou acompanhando alguns desde o seu início. O espaço da minha amiga herbalista inglesa Daisy Mae tem logo à partida um nome que é muito revelador da sua intenção de integrar a riquíssima paisagem local algarvia no projeto que iria ali fazer nascer e desabrochar: um belo jardim de plantas medicinais, abraçando integrando e respeitando toda a riqueza e diversidade da flora local.

Ceratonia Herbal gardens

Em 2013, a Daisy apaixonou-se pelas alfarrobeiras monumentais que viviam no terreno que adquiriu perto de Algoz para a concretização de um sonho antigo: a construção de um espaço onde as pessoas pudessem estar mais próximas da Natureza, interagir com as plantas, contemplando-as, desenhando-as, elaborando remédios, cozinhando com elas e interiorizando de forma muito viva e dinâmica todos os benefícios que esta proximidade nos traz a nível da saúde física e especialmente da saúde emocional e anímica ou não estivesse tudo isto ligado – pessoas, plantas e paisagem, somos uma e a mesma coisa no meu entender.

Agir em harmonia com esta união é aquilo que o ser humano precisa de aprender ou reaprender, relembrar o seu lugar e a sua integração na Natureza. Observar e deslumbrar-se igualmente com todos os ciclos da mãe-terra. Assistir ao desabrochar da primeira papoila, vê-las multiplicar dia após dia para logo se desfolharem, devolvendo ao solo o aveludado escarlate das suas pétalas, ensinando-nos a aceitar a efemeridade de tudo o que existe.

Logo de seguida, surgem por todo o lado as borragens, os asfódelos, o rosmaninho, os Allium, as estevas num festival delicado de flores brancas que se vão desapegando, deslizando até ao solo para logo mudarem de cor e se tornarem amarelas. Já lá estive num fim de inverno a assistir ao nascimento e multiplicação de outra planta autóctone, os narcisos (Narcissus papyraceus), salpicando a paisagem de alvo perfume.

Ecologia

Este narciso tem uma grande plasticidade ecológica ocorre em sítios húmidos como margens de cursos de água e em zonas secas e pedregosas, em clareiras de matos ou orlas de bosques em substratos preferentemente básicos.*

Já visitei a Daisy no apogeu de um dos meus Cistus favoritos, depois da esteva, a roselha-grande (Cistus albidus), uma planta autóctone e abundante no Algarve que cresce em matos baixos (sargaçais), clareiras e orlas de bosques perenifólios (principalmente azinhais).

Em locais próximos do mar ou interiores de clima seco, ameno no inverno e quente no verão. Indiferente edáfica, mas mais frequente em solos calcícolas.*

Também já lá estive um pouco mais tarde, a deslumbrar-me com a delicadeza das tulipas bravas (Tulipas sylvestris) de um amarelo vibrante e brilhante, que pareciam pequenas estrelas cintilando na paisagem. (Ecologia, Planta autóctone das clareiras de matos e bosques perenifólios, em locais pedregosos e substratos preferentemente calcários*)

O encanto da primavera

Mal chega a primavera, esta paisagem mediterrânica, rochosa, árida, de terra vermelha argilosa e calcária vai-nos surpreendendo numa constante renovação de formas, cheiros, cores e sabores. Um verdadeiro festival para os sentidos em todas as estações.

Criar um jardim e, neste caso, um jardim de plantas medicinais sabendo integrar toda a biodiversidade espontânea é sempre um desafio que muitos jardineiros e arquitetos paisagistas nem sempre querem nem conseguem.

É por aí o novo caminho da jardinagem, integrar os elementos naturais, tirando deles proveito estético, criativo e ecológico, nunca esquecendo que o grande desafio do futuro será a falta de água.

Saber escolher as plantas certas para o lugar certo, nunca esquecendo que a gestão hídrica é um dos elementos fundamentais para o sucesso do nosso jardim, sobretudo no Algarve.

O fantástico trabalho de Daisy Mae

No jardim Ceratonia, que acompanho com muito entusiasmo desde a sua implantação, a Daisy e o seu companheiro Corey têm conseguido interpretar a paisagem e criar nela um novo oásis com pequenas áreas específicas, tais como o jardim das calêndulas numa zona mais sombria perto da horta.

Calêndulas e rosas são as plantas preferidas da Daisy e as que mais utiliza na elaboração dos seus remédios e na sua prática clinica, usa-as em alcoolaturas (tinctures), em cremes, pomadas, infusões, elixires, etc.

A Daisy trabalha há mais de 20 anos como herbalista e aromaterapeuta, tendo estudado na mesma escola que eu e que vivamente recomendo, a Scottish School of Herbal Medicine. Plantaram centenas de árvores, tendo sempre o cuidado de escolher as mais resistentes à seca e as mais adaptadas a este nosso clima mediterrâneo, tais como figueiras, oliveiras, alfarrobeiras, medronheiros, nespereiras, amendoeiras, citrinos.

No entanto, à medida que esta agrofloresta se vai desenvolvendo outras espécies de árvores de fruto vão sendo introduzidas: cerejeiras, ameixeiras, pessegueiros e damasqueiros, diospireiros, araçaleiros, cerejeiras e ginjeiras, etc. A rega é pouca e a cobertura de solo, fundamental. Nas divisórias usam algumas Opuntias (figos-da-índia) e agaves, mas também um muro em pedra, uma verdadeira obra de arte e homenagem às pessoas que sabiam deste ofício e que infelizmente são uma espécie em vias de extinção.

Este é um trabalho de meditação, paciência e skill incrivelmente bem-feito pelo Corey, o companheiro da Daisy que ao longo dos anos tem vindo a recuperar este muro de  pedra que circunda a propriedade.

Também assisti com muita tristeza e algumas lágrimas ao que aconteceu no terreno vizinho, onde várias alfarrobeiras centenárias foram arrancadas sem dó nem piedade para no seu lugar se implantar uma cultura intensiva de abacateiros altamente exigente em água e adubos químicos e portanto condenada a não sobreviver num futuro que se quer sustentável e ecológico.

* www.flora.on.pt

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