Revista Jardins

Alfarroba – A reinventar a indústria têxtil

Alfarrobeira (Ceratonia siliqua)

 

As plantas e a Natureza no geral têm uma enorme versatilidade, parte dela ainda por explorar. Exemplo disso é o couro de origem vegetal feito a partir da alfarrobeira, uma árvore autóctone típica da região algarvia, um produto criado por Mónica Gonçalves.

Eventualmente, o caminho para a sustentabilidade em todos os sectores da sociedade pode estarem soluções baseadas na Natureza nas quais ainda não pensámos.

 

Como surgiu a Alfarroba.Tex?

Em agosto de 2021, estava de férias e comecei a pensar que estaria na altura de retomar o trabalho de investigação após o período da maternidade. Sim, tive uma linda menina chamada Violeta em 2020 que conquistou a atenção da mamã a tempo inteiro. No entanto, o trabalho é uma coisa que me motiva muito e, para ser uma mamã divertida, criativa e brincalhona, precisava de voltar a sentir-me realizada. Sendo de famílias algarvias e tendo a minha avó paterna como um grande exemplo, pois, nos anos 60, 70, 80 e 90 do século passado, era a maior produtora de laranja no Algarve, o empreendedorismo corre-me nas veias. Inspirou-me e lembrou-me que uma das coisas que me marcou mais nos seus terrenos foi o dia em que o meu pai me levou a ver as alfarrobas. Confesso que na altura o cheiro era tão forte que acabou por não me conquistar. No entanto, mudam-se os tempos e mudam-se as vontades.

 

 

Foi num flash que esse episódio voltou à minha memória e pensei “vou estudar mais sobre a alfarroba” – quando dei por mim, estava diante dum fruto cheio de potencial que até então só estava a ser explorado pela indústria alimentar. Pedi ao meu pai 10 kg de alfarroba. Posso dizer que o meu pai, já com os seus 80 anos, não é nada cético em relação às minhas ideias. Muito pelo contrário, foi rumo ao Algarve e apareceu-me em casa com uma saca de 50 kg. Sim, 50 kg! Entusiasmado, disse-me que no final queria ter uma amostra, como se fosse a “taça” pelo esforço.

Meti a mão na massa e comecei o processo de investigação, que durou de agosto de 2021 a março de 2022. Finalmente, tinha chegado o dia! Sinto sempre muita alegria, as chamadas borboletas na barriga, quando finalmente consigo chegar ao resultado final. Normalmente, é um bom presságio.

Ali estava ele, um couro de alfarroba 100% natural, super-resistente, com um aroma super agradável e de cor castanha… digno de ser aplicado numa mala Prada (sonho eu).

Trabalho na área da investigação desde 2011 e já tive grandes desafios que testaram muito a minha criatividade e o meu conhecimento técnico, mas tenho a dizer que este é o material! Sem químicos e sem manipulações artificiais, o Alfarroba.Tex dá resposta a qualquer aplicação na moda, arquitetura e design de interiores sem qualquer dificuldade.

Vagem de alfarroba

 

Por que razão optou pela alfarroba?

É um material muito resistente, 100% natural, português, respirável, com aroma muito agradável a chocolate, impermeável e não precisa da utilização de produtos químicos para ser trabalhado. A Natureza preparou a alfarroba para enfrentar temperaturas frias e quentes, ou seja, é muito resiliente.

 

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Decoração do hall de entrada

 

Explique-nos sucintamente o processo de fabrico.

Por uma questão de sigilo profissional, posso apenas dizer que o consumo de energia é quase nulo e o valor da água utilizada é muito baixo. Para dar expressão à força da alfarroba, a celulose reciclada é fundamental e o amido une as moléculas e hidrata as mesmas.

 

O couro produzido a partir de matéria vegetal é tão resistente quanto o habitual?

O couro animal, embora seja um subproduto da indústria alimentar torna-se altamente poluente porto do o seu processo de curtimenta, mostrando que até os tratamentos de origem vegetal dos mesmos exigem grandes consumos de água, o que se torna maligno para as preocupações ambientais que temos atualmente. Assim sendo, o bio leather tem um potencial promissor. A sua durabilidade é menor, pois, na sua matriz de produção, falamos em materiais naturais que pela sua origem têm um ciclo de vida menos longo, mas podem facilmente ser decompostos sem entrar em conflito com o meio ambiente.

 

Embalamento

 

Que aplicações tem o couro que produzem?

Malas, sapatos, decoração, capas de livros, etc.

 

É necessário ter algum cuidado especial com os produtos?

Sim, o material não pode estar longas horas exposto ao sol e tem de ser guardado num local protegido da humidade. O mesmo deve ser conservado em pó de talco. Na prática tem de ser tratado como a nossa pele, nem excesso de temperatura, nem de humidade.

 

Considera que a indústria têxtil atual é sustentável?

Ainda há um grande percurso pela frente. Atualmente, o ser “sustentável” é uma moda, o que acaba por criar um conflito de interesses. Há quem crie lixo e desperdício de propósito para produzir novos produtos, ou seja, se falarmos de solas recicladas já chegamos ao ridículo de não haver desperdícios suficientes para a produção das mesmas. Então, em vez de assumir, há quem crie “lixo” fictício para dizer que reciclam. Neste sentido, há ainda muito a fazer!

 

Na sua opinião, as plantas podem ser o futuro?

A minha opinião é “Se somos da Natureza, é a Natureza que temos de assumir!”.

 

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