Numa tarde preguiçosa de 38 º em pleno Périgord, a folhear o guia verde da Michelin e sem grande vontade de me mexer, deparei-me com um local perto do sítio onde me encontrava que ostentava as duas estrelas que, no livro, identificam um lugar que “merece o desvio”. Tratava-se dos jardins de Marqueyssac, que eu desconhecia, mas que me estimularam a curiosidade pela fotografia da composição de buxos em topiária que figurava no guia. Resolvi vencer a indolência estival e para lá me dirigi no dia seguinte de manhã.
A propriedade e o jardim de buxo
Situada muito perto de Sarlat, a propriedade de Marqueyssac estende-se por uns respeitosos 22 hectares e ostenta desde 2004, depois de um programa completo de restauro, a ambicionada designação de Jardin Remarquable atribuída pelo Ministério da Cultura Francês.
O que a fotografia do Michelin prometia foi largamente excedido mal entrei no jardim. Não chega a ter a solenidade de um château; mas antes o charme romântico de uma quinta de recreio do século XVIII. Logo em frente à casa deparamo-nos com a extraordinária composição de topiária, que se desenrola quase a perder de vista em formas ondulantes e não geométricas.
Este cenário excecional parece dever-se a Julien de Cerval, que, na segunda metade do século XIX, pôs em prática o seu fascínio pelos jardins italianos. Cerval mandou plantar cerca de 150 mil buxos, que depois foram esculpidos em topiária sob a batuta de habilidosos jardineiros. Marqueyssac não ostenta a rigidez dos parterres do jardim formal francês, antes cria uma sumptuosa paisagem por entre cujas formas arredondadas se pode passear por caminhos em saibro. Sabiamente, o jardim tem um ponto elevado de onde se pode admirar todo este incrível exemplo da arte da topiária.
Surpreendente é também o excelente estado de manutenção daquele verdadeiro festival de buxos. Estes são podados pelos cinco jardineiros a tempo inteiro da propriedade, que executam um corte milimétrico duas vezes por ano. Não vi nenhum buxo seco ou doente, coisa que acontece frequentemente nos nossos jardins portugueses.
A vista sobre a paisagem
Mas apesar da extravagância topiária ser a imagem de marca do jardim, o seu encanto não se fica por aí. Para além da zona de topiária, o jardim desenrola-se em caminhos, que conduzem a uma das paisagens mais bonitas de França. De um belveder situado 130 metros acima do rio Dordogne, avista-se uma panorâmica de 180 º. Daí observam-se castelos e aldeias como o Castelnaud, La Roque-Gageac, Fayrac, e Beynac. Identifica-se a 100% com a França do meu imaginário: uma agricultura rica e organizada, pequenas aldeias de traça tradicional, tranquilidade e segurança.
Enfim tudo aquilo que a Paris atual já não nos transmite. A originalidade da topiária e a vista espetacular fazem com que Marqueyssac seja o jardim mais visitado da Aquitânia, com mais de 200 mil entradas por ano. Um restaurante com terraço e uma loja-livraria com mais de 500 obras dedicadas a árvores, plantas, paisagens e arte dos jardins, completam a atratividade do local para as famílias em férias.
A única nota dissonante que encontrei foi a exibição de um esqueleto de um jurássico dinossauro (allosaurus), que a despropósito foi recentemente adquirido pelo proprietário do jardim, Kléber Rossillon, para, supostamente, aumentar o interesse pela visita.
O detalhe é desnecessário e distrativo. O jardim tem pontos de interesse suficientes para nos encantar: cascatas, cabanas em pedra, “quartos de verdura”, falésias e até um calvário. E, se alguns dos percursos são penosos de subir (inclinados e empedrados), outros há mais fáceis e até a hipótese de um shuttle em carro de golfe para os mais idosos.
Depois de umas boas três horas a andar pela propriedade, resolvi pôr ponto final na visita e dirigir-me para Sarlat.
Fotos: Vera Nobre da Costa
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