Revista Jardins

Plantas medicinais no Gerês

Drosera na Serra do Gerês

 

Gosto de viajar por Portugal e pasmar em cada esquina, em cada recanto uma surpresa, um emaravilhamento em cada pessoa, uma escuta atenta em cada história.

 

São tantas as histórias dos pastores, histórias de lobos e de águias, de animais desaparecidos no alto da serra, são histórias de vidas duras, sobretudo no período do inverno nas aldeias serranas do Gerês.

É com imenso sentido de respeito que ouço as histórias da Dona Rosa, matriarca da Casa do Criado, alojamento local e restaurante na aldeia da Ermida. Sento-me a seu lado e bebo daquela sabedoria de quem viveu tempos que nunca mais voltarão.

“No verão havia sempre muita lavoura para fazer, era de sol a sol. Trabalhávamos nas hortas e a cuidar das cabras e das vacas, apanhávamos o feno para secar ao sol para lhes fazer a cama durante o inverno. No verão o gado fica a dormir na serra mas é preciso ir lá todos os dias contá-los e ver se está tudo bem. Ainda hoje é assim. Apanhávamos o milho, colocávamos a secar nos espigueiros, retirávamos a casca das massarocas. a que dávamos o nome de folhelho e que era depois usado para encher colchões. Outros tempos menina, outros tempos.”

 

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O linho

“O verão era o tempo de ceifar o linho e de o ir deixar ao rio para amolecer as fibras. Depois ripava-se, fiava-se e tecia-se, toda a gente sabia tecer aqui na aldeia; agora já nem teares há, parece que ainda há um cheio de caruncho na casa da Maria que está na França e já ninguém quer saber do linho, já nem se semeia, agora é tudo feito com estes nylons, estes tecidos finos.

Antigamente, quando nos casávamos, o que levámos no enxoval eram lençóis de linho, que o algodão era coisa de ricos, eu levei 12, todos tecidos por mim ao calor da lareira nas noites longas de inverno. O linho semeava-se em leiras lá para o mês de abril, para estar pronto para a ceifa no verão. E que lindas que eram aquelas leiras todas azulinhas. É uma coisa muito bonita o linho em flor.” Ah, pois é, eu que o diga que tenho sempre linho a nascer-me nos vasos, sem ser semeado como o alecrim do monte. Sou consumidora regular de sementes de linhaça que são muito ricas em ómegas-3 e 6, mucilagem e proteínas.

 

Linho

 

As mucilagens têm uma ação laxante e emoliente (que amacia ou acalma a pele e os tecidos), são antitússicas, antiespasmódicas, entre outras coisas. As sementes, quando ingeridas inteiras, aliviam irritações do aparelho digestivo, como absorvem fluidos e incham, formam uma massa gelatinosa atuando como laxante por aumento de volume, sendo muito útil no tratamento de obstipação crónica pois não causa irritação na mucosa intestinal.

Contém seis vezes mais ómega-3 do que alguns peixes, o seu consumo regular evita os riscos associados a elevados níveis de colesterol, tromboses e outros problemas cardiovasculares, arteriosclerose, problemas de asma e bronquite.

A Dona Rosa contou aquilo que a minha mãe e avós também me contaram: que as sementes de linhaça eram usadas em cataplasmas quentes sobre o peito, as chamadas papas de linhaça, uma prática comum em várias regiões do País, como eficaz expetorante, ajudando também no alívio das dores peitorais; estes cataplasmas utilizam-se ainda para extrair as impurezas dos furúnculos e abcessos.

A Dona Rosa, sempre de sorriso no rosto, vai desfiando memórias e eu vou tecendo histórias com a resistência destes fios de tempo que me tecem a mim também.

Muitas histórias à volta das plantas que eram usadas como remédios e que algumas mulheres da aldeia colhiam e vendiam.

 

A carvalhinha

A que mais me impressionou foi a história da Drosera, conhecida também por carvalhinha, rorela ou pelo nome mais maroto de langonha.

Consultei o dicionário para saber o significado desta palavra que nunca antes tinha ouvido: substância espessa e viscosa, secreção nasal e esperma, em calão. Depois consultei o PubMed, site de estudos científicos sobre o uso medicinal das plantas e de facto existem alguns estudos sobre o uso desta planta no tratamento de problemas brônquicos.

A Dona Rosa tinha despertado a minha curiosidade ao contar-nos que a sua mãe colhia esta planta viscosa e insetívora para depois a vender a um médico do Porto que pagava por esta espécie uns bons tostões.

 

Drosera

 

Era uma planta difícil de encontrar (eu apenas a conhecia nos viveiros). Segundo a Flora-on.pt, este é o seu habitat: “Prados encharcados em brejos e turfeiras ricas em musgos do género Sphagnum, geralmente em zonas de montanha”.

No dia seguinte, tínhamos como desafio encontrar a Drosera rotundifólia. E não é que encontrámos mesmo?

Lá estava ela salientando-se como se fossem pequenas ilhas emergindo de uma rocha coberta de musgo, muito escorregadia e de difícil acesso. Entendi imediatamente porque é que em inglês se chama sundew (orvalho-do-sol); convenhamos que orvalhinha é tão poético quanto orvalho-do-sol.

Estranha e bela, já com vários insetos aprisionados nas suas garras poéticas em forma de gotas de orvalho. Gostei de a conhecer, aproximei-me, observei com a atenção e o entusiasmo de quem descobre algo pela primeira vez, fotografei-a de vários ângulos, com cuidado para não escorregar, pasmei de tão sofisticada estratégia vegetal.

 

 

Já tinha ganho o dia, qualquer planta nova que encontrasse no caminho deste retiro de plantas medicinais dificilmente superaria o encantamento que em mim suscitara esta novidade botânica de cor vermelha e amarela de pérolas reluzentes a brilhar no sol da manhã.

Prosseguimos caminho no alto da montanha, estávamos a cerca de 700 metros de altitude, encontramos dedaleiras (Digitalis purpurea), lindas também, medicinais também mas familiares, (atenção, planta tóxica, não para ser utilizada em infusões ou mezinhas), a erva-das-7-sangrias (Lithodora prostrata), estava por todo o lado, uma Boraginaceae de azul intenso a destacar-se no meio dos altos penhascos. Estavam ainda em flor os tojos e as giestas, de um amarelo luminoso e o rosa-lilás das urzes a contrastar com o verde dos fetos e dos musgos.

Tinha chovido na noite anterior, tudo cheirava a fresco, bebemos água da fonte das Letras enquanto observávamos a dança da neblina entre vales e colinas.

Este é o meu Gerês, aonde quero sempre voltar.

 

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