A viver entre Portugal e o Reino Unido Noel Kingsbury partilha com a revista Jardins a sua vasta experiência em desenhar jardins.
Noel Kingsbury é conhecido internacionalmente como um dos pioneiros de Contemporary European Naturalistic Planting Design.
Em 1994, inicia a divulgação desta forma de desenhar com as plantas com o seu livro The New Perennial Garden, no qual explora os esquemas de plantação de acordo com as condições existentes em cada jardim e recomenda um estilo de plantação onde as plantas se combinam de uma forma mais informal, o que confirma que esteve na vanguarda neste estilo das plantações naturalistas.
Noel publicou cerca de 25 livros, sendo quatro deles em coautoria com o designer holandês Piet Oudolf, figura de proa do movimento, que teve início no anos 90 do século XX, de um estilo naturalista sustentável. (New Perennial).
A ELABORAÇÃO DOS PLANOS DE PLANTAÇÃO TEM COMO CRITERIO O PORTE DA ESPECIE, TEXTURA, FORMA, COR E EPOCA DA FLOR E DA FOLHAGEM.
ONDE A ARTE SE CONCILIA COM A ECOLOGIA, NUMA COMBINAÇÃO SUSTENTAVEL E FUNCIONAL.
O critério da selecção de plantas para a elaboração de planos de plantação tem vindo a mudar nos últimos anos na Europa do Norte e Central, podendo descrever-se como estilo naturalista”, defende Noel Kingsbury.
Nesta linha, planting designers como o holandês Piet Oudolf têm valorizado e divulgado os critérios ecológicos e estéticos que utilizam como base para a elaboração dos seus planos de plantação, com exemplos de referência em projetos de arquitetura paisagista, como é o caso do High Line Park em Nova Iorque.
Os seus trabalhos têm inspirado o público em geral, bem como profissionais na área da arquitetura paisagista. “Há uma forte mudança para a sustentabilidade, particularmente na redução da utilização de água e produtos químicos, no sentido de utilizar espécies nativas, bem como para a promoção da biodiversidade e, em alguns casos, como coberturas verdes e sistemas de drenagem urbana sustentáveis”, acrescenta.
Na qualidade de especialista explica: “Estou muito contente por ter tido um papel importante na promoção destas mudanças, principalmente como escritor e investigador independente. A minha investigação centrou-se no comportamento das plantas a longo prazo, que começou com o meu doutoramento (2007) na Universidade de Sheffield, no Norte da Inglaterra, e prosseguiu com várias experiências na área da jardinagem”.
A vinda da família para Portugal, há cerca de um ano, permitiu-lhe a oportunidade de criar o seu jardim num clima diferente e trabalhar com um leque de plantas distinto.
“Em primeiro lugar, o clima é surpreendente, mediterrânico, mas geralmente com boas chuvas de inverno. No entanto, a diversidade de plantas cultivadas é bastante limitada. Por exemplo, não existe a panóplia de variedades de Salvia que são vistas em muitos jardins britânicos ou franceses. Uma das exceções é a diversidade de cultivares de camélias no Norte”, descreve o autor de The New Perennial Garden.
Em março de 2019, Noel Kingsbury visitou a XXIV Exposição de Camélias do Porto, uma mostra de trabalhos de 20 instituições instalada na estação de metro de São Bento, que considera “um dos eventos mais fantásticos sobre jardins que visitei”.
De acordo com este precursor do Contemporary European Naturalistic Planting Design, “ao ampliar a paleta de plantas para regiões com verões secos, o viveirista francês Oliver Filippi diversificou muito a disponibilidade de espécies para a elaboração de planos de plantação.
O seu viveiro (www.jardin-sec.com) é um importante contributo de disponibilização de informação. É o resultado de 30 anos de investigação de habitats em todo o Mediterrâneo.
Trabalhar com novas plantas será o grande desafio, tendo em atenção o problema de espécies invasoras. As plantas de origem mediterrânica apresentam garantia de mais seguras.
Em termos de configuração, no entanto, estas plantas apresentam um porte e desenvolvimento notavelmente semelhantes, com formas de porte baixo com pequenas folhas de diferentes tons cinzento-esverdeados”.
CASO PRÁTICO DO JARDIM BOTÂNICO DA AJUDA
O caso prático desta sessão foi no próprio jardim, numa zona da mata, em que as espécies selecionadas foram as seguintes:
Achillea millefolium L., Ammophila arenaria H.Lindb, Antirrhinum linkianum Boiss. & Reut., Arbutus unedo L., Asphodelus fistulosus L., Atriplex halimus L., Bupleurum fruticosum L., Corema algum (L.) D.Don, Coronilla glauca L., Euphorbia characias L., Juniperus turbinata Guss, Lavandula stoechas L., Myrica faya Aiton, Myrtus communis L., Nepeta tuberosa L., Phillyrea latifolia L., Phlomis purpurea L., Pistacia lentiscus L., Quercus coccifera L., Retama monosperma L., Rosmarinus officinalis L., Verbascum Thapsus L., Verbena bonariensis L. e Viburnum tinus L..
O critério de escolha e de distribuição nos planos de plantação teve a ver com o porte das espécies, a textura, cor da floração e folhagem e onde a arte se conciliou com a ecologia.
Escolha de plantas para os jardins
Noel Kingsbury alerta que “para se adicionar espécies não nativas nos esquemas de plantação é preciso ter em atenção o seu comportamento”. Elas podem ser apreciadas pelo seu valor estético, mas o seu desenvolvimento e comportamento ecológico podem não ser os desejáveis, e, consequentemente, não ser sustentável.
A título de exemplo, Noel Kingsbury aponta “as espécies do género Restio, endémicas do Sul de África, muito utilizadas em França e Grã-Bretanha. Mas, atualmente, sabe-se que não são aconselhadas pelo seu comportamento. No que diz respeito às plantas australianas da família Myrtaceae, como o género Callistemon e Melaleuca, a maioria dessas espécies não tem causado problemas, mas em algumas partes do mundo apresentam um comportamento invasivo devido à sua propagação agressiva”.
“Em Portugal, é interessante ver o comportamento de algumas plantas Proteaceae, de origem sul-africanas e australianas, que crescem nos solos ácidos dos jardins da região Centro. São plantas bastante diferentes da flora mediterrânica, mas, com o seu crescimento lento e com a produção de sementes limitada, parecem ser uma opção certa para incluir nos planos de plantação em Portugal”, defende Noel Kingsbury.
Por outro lado, “diria que há uma forte herança em Portugal de jardins formais, com notáveis exceções como Serralves, no Porto, e o jardim da Fundação Gulbenkian, em Lisboa. Há alguma dificuldade em imaginar como os esquemas de plantação naturalista contemporâneos se podem desenvolver em Portugal.
As atitudes com a vegetação natural parecem muito diferentes entre a Europa Central e do Norte e o Sul da Europa. Enquanto a vegetação selvagem é vista positivamente nos primeiros, em relação aos países mediterrânicos, este estilo ainda não é bem acolhido principalmente em Itália, Espanha e Portugal”, afirma.
Jardins sustentáveis
Para uma gestão sustentável dos espaços ver- des, Noel Kingsbury preconiza que “a vegetação mediterrânica, devido ao seu clima, é essencialmente dormente durante o verão seco, mas esta é a estação de férias e verão, quando, socialmente, é importante ter flores.
Talvez o futuro seja uma pequena área irrigada de alta visibilidade e áreas não irrigadas maiores e mais baixas. A questão essencial é como tornar intencionalmente os planos de plantação mais tolerantes à seca. Um primeiro passo foi dado, em Espanha, por Miguel Urquijo e Fernando Martos, em que os critérios dos planos de plantação rompem com a formalidade clássica, mas equilibram cuidadosamente uma variedade de formas de plantas e texturas.
Acrescenta que a Califórnia, com um clima mediterrânico semelhante, tem uma diversidade de espécies de plantas que pode ser outra fonte de inspiração”. “Outra questão importante é a longevidade de arbustos tolerantes à seca. Muitas das espécies populares e amplamente cultivadas como Lavandula, Cistus, Santolina etc., têm um período áureo de curta duração. Uma tarefa-chave deve ser a identificação e avaliação de espécies de vida mais longa, sendo um dos passos prioritários apostar na propagação de uma gama mais ampla de plantas”, recomenda Noel Kingsbury, como, aliás, já se verifica no trabalho desenvolvido pelos viveiros da Sigmetum, instalados na Tapada da Ajuda do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa.
Com uma grande preocupação em formas inovadoras de divulgar o seu trabalho Noel Kingsbury tem feito através do Rabbit’s Eye View, que consiste num workshop de curta duração e com uma vertente muito prática, realizado já em dez países, um dos quais, no passado mês de março, no Jardim Botânico da Ajuda, em parceria com a Associação dos Amigos do Jardim Botânico da Ajuda e com o apoio dos viveiros Sigmetum e as Sementes de Portugal.
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