Apesar da sua pequena dimensão, as Alagoas Brancas revelam-se muito ricas em vida selvagem, nomeadamente em espécies com estatutos de proteção elevados, podendo esta zona vir a ser considerada de importância internacional como vem acontecendo quase desde o início do projeto Eco-escolas, fui convidada a dinamizar algumas oficinas/workshops sobre plantas medicinais, ervas silvestres e flores comestíveis, hortas biológicas, ecoativismo, enfim agitar um pouco, acordar, remexer na urgência de vivermos e educarmos os nossos filhos e alunos para uma ligação mais estreita com o verde que os rodeia.
Um dos pilares estruturais dessa ligação à Natureza é a observação cuidada, atenta e interessada, assim como o desenvolvimento de projetos escolares e comunitários que envolvam o reconhecimento de plantas, da sua importância e dos seus usos na nossa saúde, na nossa alimentação e na conservação da biodiversidade.
O seminário este ano realizou-se em Lagoa no passado mês de fevereiro.
Todo o encontro correu bastante bem, pelo menos aparentemente e se não esmiuçarmos muito a forma como estão a ser preparados e separados os lixos produzidos num só espaço por 300 professores e representantes ambientais de várias associações e institutos nacionais e internacionais.
Os municípios, cheios de boa vontade e uma pitada mais ou menos óbvia de estratégia política, convidam os organizadores do evento, neste caso a Margarida Gomes, fundadora do projeto Eco-escolas, mulher que muito admiro pela sua inteligência, perseverança e pela forma como, sempre com um sorriso, ano após ano vai dialogando com políticos e professores resolvendo as coisas que correm menos bem durante o fim de semana dos seminários.
A importância da preservação das Alagoas
Enquanto por ali andava, fui conversando com várias pessoas ligadas a questões ambientais. Levaram-me a visitar as Alagoas Brancas – no dia 2 de fevereiro, celebra-se o Dia Mundial das Zonas Húmidas!
Promovido pela Almargem – Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve, um estudo recente revela o seguinte e passo a citar:
“Este estudo apresenta um diagnóstico detalhado de três zonas húmidas da região algarvia: a Foz do Almargem e Trafal, em Loulé; a Lagoa dos Salgados e a Foz de Alcantarilha, em Albufeira e em Silves; e as Alagoas Brancas, em Lagoa.”
Após a apresentação da investigação, quaisquer dúvidas que pudessem existir sobre a importância da preservação destes espaços naturais no Algarve foram dissipadas.
O exemplo das Alagoas Brancas em Lagoa
Uma das grandes surpresas do estudo foi o que se observou nas Alagoas Brancas, em Lagoa, principalmente pelo facto de a riqueza natural da Lagoa dos Salgados e Foz de Alcantarilha e a Foz do Almargem e Trafal serem já mais conhecidos e mais evidentes devido à própria dimensão dos espaços em questão.
Apesar da sua pequena dimensão, as Alagoas Brancas revelaram-se bastante ricas em vida selvagem, nomeadamente em espécies com estatutos de proteção elevados, podendo esta zona vir a ser considerada de importância internacional:
Foram identificadas 114 espécies de aves diferentes.
A zona alberga cerca de 1% da população regional (Mediterrâneo, mar Negro e África Ocidental) da íbis-preta – o que potencialmente classifica as Alagoas Brancas ao abrigo da convenção de RAMSAR.
Apresenta um vasto leque de espécies de aves aquáticas ao longo do ano, sendo de destacar a nidificação do camão.
Engloba habitats naturais e seminaturais, tendo sido registada a presença de Crypsis aculeata, uma planta pouco comum em Portugal.
Alberga ainda oito espécies de artrópodes com valor de conservação, nomeadamente crustáceos, borboletas diurnas, libélulas e libelinhas; 18 espécies de répteis, sendo de salientar a presença de duas espécies com estatuto de conservação desfavorável: o cágado-de-carapaça-estriada classificada como “Em Perigo” e a Osga-turca classificada como “Vulnerável”.
Foram ainda identificadas serpentes, osgas, lagartixas, o camaleão e a cobra-cega.
Espécies quase ameaçadas nas Alagoas Brancas
Muitas espécies encontradas nas Alagoas Brancas têm o estatuto de “quase ameaçadas”, o que obriga às entidades competentes a ponderar pesadamente todas as medidas que possam para lá ser pensadas, porque a linha entre o“quase ameaçadas” e o “ameaçadas” é muito ténue e, quando uma espécie deixa de existir, não há solução.
APESAR DA SUA PEQUENA DIMENSÃO, AS ALAGOAS BRANCAS revelaram-se bastante ricas em vida selvagem, nomeadamente em espécies com estatutos de proteção elevados
Além da riqueza da biodiversidade das Alagoas Brancas, o estudo da Almargem trouxe ao conhecimento público os perigos que poderiam acarretar a construção no local: colapso, contaminação das águas e inundações.
Por ser uma zona cársica com placa tectónica ativa, pode acontecer o colapso dos terrenos por excesso de carga na superfície, o que representa uma real ameaça à zona em caso de construção. Devido às características cársicas, existe ainda o risco de contaminação dos aquíferos.
A zona húmida das Alagoas Brancas gera um efeito de esponja para o excesso de águas pluviais, pelo que o seu desaparecimento resultaria numa elevada probabilidade de inundação em toda a área urbana baixa de Lagoa.
O discurso do presidente da Câmara Municipal de Loulé foi o mais aplaudido, pelo destaque dado à força e prevalência da vontade política contra os poderes económicos instalados quando apoiada por sólidos conhecimentos científicos, à necessidade de novas abordagens na gestão do território, à luz de uma nova consciência do estado atual do planeta e à emergência climática.
De acordo com Ana Marta Costa, bióloga e membro do grupo de cidadania:
“A última janela para o mar”, “a proposta da Câ- mara Municipal de Lagoa de relocalização das Alagoas Brancas é ridícula e impraticável. As zonas húmidas são os mais ricos, complexos e produtivos ecossistemas da biosfera, representam um papel importante na filtração das águas, na regulação hídrica e climática e não podem ser recriadas pelo Homem. Tudo está interligado.
Não se pode reconhecer a problemática das alterações climáticas, como fez a autarquia de Lagoa com o Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas no Sul do país (PIAAC-AMAL) e a seguir, autorizar a destruição de um habitat que contribui para o equilíbrio do clima.
O sítio das Alagoas Brancas é presentemente, a única zona restante de uma antiga zona húmida maior que está na origem do nome da cidade e concelho de Lagoa.
É uma identidade cultural, ambiental de grande potencial económico que deve ser protegido e não, destruído. Para não falar das questões de risco de inundação, colapso de terrenos e contaminação dos aquíferos que a construção naquela zona húmida acarreta. Se há algo que dever ser relocalizado, é a construção e não o habitat!”.
“As Alagoas Brancas têm um valor turístico de características únicas que mais nenhum concelho vizinho tem, ideal para a observação de aves, ponto estratégico de birdwatching e uma opção viável para o combate à sazonalidade”, acrescenta a bióloga.
O estudo Valorização das Zonas Húmidas do Algarve, resultante de uma candidatura aprovada ao Fundo Ambiental do Ministério do Ambiente e Transição Energética, foi coordena- do pela Associação Almargem com o apoio de coordenação científica da Sociedade Portuguesa para Estudo das Aves – SPEA, e contou com uma equipa técnica formada por especialistas independentes, bem como de entidades como o Centro de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Algarve, do Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal e do cE3c – Centre for Ecology, Evolution & Environmental Changes da Universidade de Lisboa, Grupo Salvar a lagoa de Lagoa”.
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