Com uma grande humildade, António Graça revela-nos o que não se vê quando passeamos pelo jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Percebemos que para usufruirmos daquele espaço singular existe uma equipa que trabalha todos os dias, nos bastidores, a cuidar dele com a maior sensibilidade.
Desde quando trabalha na Gulbenkian?
Trabalho na fundação desde 1988, sempre ligado ao jardim. Atualmente ponho a mão na massa, mas menos, coordeno a equipa. A minha função oficial é de coordenador operacional, mas tenho vários nomes. Um deles foi-me dado pelo arquiteto João Mateus (antigo arquiteto paisagista responsável pelo jardim), que começou a chamar-me mestre jardineiro.
Quantas pessoas tem a equipa de jardinagem?
Durante muito tempo fomos 15, três pessoas da fundação e 12 externas. Agora, com as obras de expansão do jardim, absorvemos o jardineiro que cuidava do Vértice Sul e passámos a ser 16.
Tentamos que a equipa se mantenha estável porque este é um jardim diferente dos outros e é preciso ter sensibilidade. Quando vimos de fora, os princípios de jardinagem são os mesmos, mas a manutenção é diferente.
Como é o vosso dia a dia?
Rotineiro e por ciclos ou épocas.
Chegamos sempre cedo e não me lembro de chegar um dia ao jardim e não ter nada para fazer. Há sempre coisas para fazer. Costumo usar a expressão “não é só fazer filhos, eles têm de ser criados”. No caso do jardim, o projetista faz, e o jardineiro cria.
Na sua opinião, o que torna este jardim especial e tão acarinhado pela população?
A genialidade de quem o criou, e daí advém um acréscimo de responsabilidade para quem aqui trabalha para o manter. Temos de ter sempre em mente os valores do projeto de António Viana Barreto e Gonçalo Ribeiro Telles. É muito fácil desvirtuar um projeto. Temos de assimilar o conceito e depois mantê-lo.
O Jardim Gulbenkian é um dos mais visitados na cidade, tanto por residentes como por turistas. Quais são os desafios para manter um jardim com tanto uso?
Grande parte da manutenção do jardim é recuperar o desgaste que a utilização maciça e constante causa. É o preço a pagar pela beleza do jardim.
Os relvados são os mais afetados. São zonas confortáveis, principalmente quando estão à sombra. Todos os anos têm de ser recuperados através de ressementeira ou tapete novo.
O atravessamento nas manchas arbustivas também é um problema. As pessoas veem algum regato ou elemento interessante numa zona não visitável e pisam arbustos que levaram quatro ou cinco anos a crescer…
Este jardim é um oásis urbano para a fauna. Residem aqui vários animais, desde aves, carpas, tartarugas a patos. Que desafios é que a fauna coloca aos trabalhos de manutenção?
Os que mais nos causam transtorno são os patos-reais, porque são herbívoros e adoram comer a relva, principalmente quando é nova. Isto, aliado às pessoas, causa-nos dificuldades.
Os pombos também causam problemas nas sementeiras. Temos de tapar as zonas semeadas com tela de proteção e, mesmo assim, às vezes, furam-na.
Os outros animais funcionam dentro do ecossistema, cada um com a sua função.
Que tarefas gosta mais e menos de fazer?
Dentro da jardinagem, o que mais gosto de fazer é propagação de plantas. Acho importante conhecer as plantas, experimentar, tentar várias vezes e de várias maneiras até conseguir propagar a planta. Quando conseguimos, é uma alegria. Acho fascinante.
O que menos gosto é substituir elementos destruídos pelo público. No fundo, é uma falta de respeito pela Natureza, que, apesar de ter a capacidade de se regenerar, não o faz infinitamente.
Qual é a importância de ter viveiro próprio?
É importante quer em termos de doenças quer em termos de continuidade das variedades. Nos viveiros comerciais, vai havendo desvios e, quando temos de comprar, o comportamento das plantas nunca é igual àquelas que cá estavam.
A expansão do jardim terá algum impacto no seu trabalho?
É mais uma área a tratar e um valor acrescentado ao jardim.
Um dia, quando se reformar, do que terá mais saudades?
O jardim deixa saudades. São muitos anos e, quer se queira quer não, estará lá sempre um bocadinho de mim. Aquele arbusto e aquela árvore que plantei.
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