Tive a grande sorte de ir passar um fim de semana temático ao Terra Nostra Garden Hotel, no Parque Terra Nostra, nas Furnas, em São Miguel nos Açores. As camélias que estão em plena floração nesta época do ano foram o mote e todo o programa foi á volta destas maravilhosas plantas.
Comecei com um tratamento no SPA com os produtos Ignae, fabricados nos Açores. Uma experiência fantástica e relaxante para começar bem o fim de semana.
Fiz também um workshop sobre camélias com a Carina Costa, engenheira agrónoma e uma das responsáveis pela manutenção do parque, onde aprendi muito sobre estas plantas, a sua história, a sua origem e também como se podem propagar (aprendemos a fazer estacas e enxertias).
Tivemos ainda a oportunidade de provar uma série de produtos feitos com camélia e chá (a planta do chá é a Camellia sinensis), e de aprender com o Chef Nuno Gonçalves a fazer um ceviche de pargo, com pickles de pétalas de camélia e uma tempura de folhas de borragem.
Pude conversar com Fernando Costa e com a Carina Costa, pai e filha que cuidam deste jardim há várias décadas.
Terminei com uma visita guiada, pela Carina Costa, primeiro à coleção de camélias do Parque, com mais de 800 cultivares diferentes, e depois a todo o parque, onde durante algumas horas conheci cada recanto e cada história.
História do Parque Terra Nostra
Thomas Hickling, nascido em Boston em 1745, foi quem no inicio da década de 1780, tendo visitado as Furnas, pareceu-lhe um local maravilhoso para o repouso do corpo e da mente. Adquiriu um terreno, onde mandou construir uma casa de férias que passou a ser conhecida como Yankee Hall, esta foi a primeira casa de campo construída nas Furnas. Era uma casa simples, sobre-elevada em relação ao tanque de recreio de grandes dimensões. A propriedade passou a ser conhecida como Tanque.
Na sua propriedade Thomas Hickling recebia muitos amigos e aos domingos e dias de festa abria o Tanque a todas as pessoas, independentemente do seu estatuto social ou económico.
Thomas Hickling morreu em 1834, tendo-lhe sucedido o seu filho Thomas Hickling Jr., que em 1849 vendeu a propriedade das Furnas aos Viscondes da Praia, solicitando que o Parque se mantivesse de uso público e que continuasse a ser um local de convívio e lazer para a população local.
Os Viscondes da Praia
Quando o Tanque foi comprado pelos Viscondes da Praia estava muito degradado devido ás más condições financeiras da família. A viscondessa tinha um gosto especial pela botânica e pela jardinagem e o visconde adorava fazer obras de recuperação. Decidiram demolir Yankee Hall e construíram um novo edifício que passou a ser conhecido com Casa do Parque e foi a partir dele que foi requalificado todo o parque. Os viscondes foram auxiliados por jardineiros estrangeiros, nomeadamente William Webster. Nas décadas seguintes os viscondes adquiriram os terrenos contíguos ao Parque para aumentar a área de jardim e desenhar novas alamedas e caminhos. O próprio tanque de recreio foi ampliado e transformou-se no ex-libris da propriedade.
Quando o Visconde da Praia morreu, o seu filho o 2º Visconde da Praia, António Borges de Medeiros Dias da Câmara e Sousa, continuou as obras de expansão e melhoria, comprou mais terrenos, plantou inúmeras espécies exóticas, alterando o desenho do parque, conferindo-lhe o traçado que tem hoje.
Um jardineiro inglês de nome Milton e um engenheiro francês, foram os responsáveis pelos projetos de renovação hidráulica e botânica, pela construção da serpentina, canais, lagos, grutas, pontes, bancos de jardim e outros elementos decorativos. É também desta época a construção do chamado Açucareiro, que serve de miradouro.
A família Bensaude
No inicio do Século XIX, a família Bensaude partiu de Marrocos e estabeleceu-se em São Miguel dedicando-se à importação e distribuição de têxteis e à exportação de laranjas e cereais.
Vasco Bensaude nasceu em Lisboa em 1896. A paixão pelas plantas nasceu muito cedo e acompanhou-o toda a vida. Estudou horticultura e jardinagem e dedicava-se também à prática de jardinagem.
Em 1933, A Sociedade Terra Nostra, liderada por Vasco Bensaude, comprou o Atlantic Hotel, que se situava na orla da propriedade (Tanque) dos herdeiros dos Marqueses da Praia e Monforte. Posteriormente esse edifício foi demolido para se construir o primeiro hotel nos Açores. O Hotel foi inaugurado em 1935 e posteriormente, a Sociedade adquiriu o parque botânico, agora denominado Parque Terra Nostra.
O parque
Nos anos 90 por sugestão de Joaquim Bensaude, o parque sofreu uma intervenção para avaliar o estado fitossanitário das suas árvores, esta avaliação foi feita pelo arboricultor Richard Green e a renovação do parque entregue a David Sayers e a Fernando Costa, jardineiro-chefe do parque.
Em 1991 Fernando Costa assumiu as funções de jardineiro-chefe e o jardim entrou num novo ciclo, que o transformou naquilo que é hoje. É feita a renovação do sistema de abastecimento de água ao tanque. Nas ultimas décadas, Fernando Costa introduziu no Parque Terra Nostra, centenas de novas espécies e cultivares, criando coleções únicas como a das camélias e a das Cycas.
Em 2016 Carina Costa, Engenheira Agrónoma, filha do jardineiro-chefe, Fernando Costa, projetou o jardim das flores, que todos os anos são o ex-libris no verão.
O parque tem vários percursos, o principal que nos conduz até à ribeira amarela, e se olharmos á nossa direita podemos ver os três tanques do nenúfar-gigante.
Há dois percursos principais, sendo o superior o que conduz à maior parte das coleções, este é um percurso ladeado por árvores isoladas, tulipeiros, criptomérias, carvalhos, etc. Passa também por um grotto e temos à nossa esquerda a serpentina, ladeada por taludes íngremes e vários exemplares de fetos arbóreos, que lhe conferem uma imagem única, quase mágica.
Veja aqui o vídeo sobre o Parque Terra Nostra.
O tanque de recreio
Este é uma das principais atrações turísticas, abastecido com água termal quente, faz as delicias de todos os que lá tomam banho. Em redor do tanque estão plantadas algumas das árvores mais antigas e emblemáticas do parque.
As camélias
Esta coleção foi introduzida pelo Fernando Costa, jardineiro no Parque Terra Nostra há 40 anos e pai da Carina. Começou-a em 1994, reunindo mais de 45 espécies de 800 variedades e cultivares diferentes. A floração destas camélias começa no outono, com as camélias da espécie Camellia sasanqua e mantem-se durante seis meses com as outras espécies como a Camellia japonica, Camellia reticulata, etc.
Em 2014, a Associação Internacional de Camélias atribuiu ao Parque Terra Nostra, o prestigiado prémio Camellia Garden Excellence.
Bromélias
Uma valiosa coleção de bromélias, iniciada em 2011 por Fernando Costa, com mais de 87 plantas diferentes, de 12 géneros como: Tillandsia, Aechmea, Guzmania, Neoregelia e Vriesa.
Araucárias
Nos Açores, durante o século XIX, estas árvores foram muito valorizadas pelo seu porte e pela sua beleza, é muito frequente serem utilizadas em quintas e parques. Encontramos aqui araucárias-de-norfolk, sendo as mais emblemáticas as que estão na orla do tanque de água termal.
Fetos
Esta coleção foi iniciada em meados de década de 90, pelo jardineiro-chefe Fernando Costa e localiza-se na zona que envolve o riacho de água férrea, uma zona de vale protegida por sebes que já existiam. Tem neste momento mais de 200 plantas diferentes, desde os mais exóticos até duas espécies endémicas: Polypodium azorico e Dryopteris azorica.
As palmeiras
O parque tem 19 espécies diferentes de palmeiras que se encontram espalhadas em várias áreas diferentes, é de salientar a famosa Alameda das Palmeiras ou Alameda da memória, que culmina no monumento dedicado aos Viscondes da Praia. Estas maravilhosas palmeiras Archontophoenox cunninghamiana. Em volta do monumento podemos ver uma série de exemplares monumentais de Phoenix canariensis ou palmeiras-das-canárias.
Entre esta alameda e a alameda dos gingkos, temos um palmar absolutamente espetacular, com centenas de palmeiras Archontophoenox cunninghamiana e Rhopalostylis sapida.
Plantas aquáticas
Uma das plantas mais emblemáticas do parque é a Victoria cruziana, nenúfar-gigante. Não tive oportunidade de a ver em floração pois ela só floresce no verão.
Foi introduzida por Fernando Costa em 2012 e para tal foram construídos três tanques, com as paredes aquecidas com água termal, das nascentes que abastecem os tanques do parque.
Jardim de plantas endémicas
Nos Açores a flora primitiva seria principalmente constituída por loureiros (Laurus azorica) e zimbro (Juniperus brevifolia). A coleção de plantas endémicas foi iniciada em 1994 e inclui algumas das plantas mais emblemáticas dos Açores como: vidália (Azorina vidalii), a angélica (Angelica lignescens) a urze (Erica azorica), o trovisco macho-dos-açores (Euphorbia stygiana), a faia-da-terra (Myrica faya), entre muitas outras.
Jardim dos bambus
Esta coleção foi iniciada pelo Fernando Costa, chefe-jardineiro, em 2009 e tem neste momento mais de 20 plantas diferentes, incluindo o emblemático bambu-gigante (Dendrocalamus giganteus), que pode chegar aos 35 m de altura e o bambu-espinhoso (Bambusa bambos), que pode crescer 90 cm por dia!
Há ainda uma série de Phyllostachys, Pseudosasa japonica que produz rebentos comestíveis entre muitas outras.
Jardim das Cycas
Esta coleção especial teve início no ano 2000, quando o parque foi visitado por um alemão colecionador de plantas, Christian Muller. Ele encantou-se por uma árvore exótica ( Cunninghamia lanceolata) e pediu ao Fernando Costa como poderia obter um exemplar. O jardineiro-chefe ofereceu-lhe um exemplar jovem e, pouco tempo a seguir Christian Muller doou ao Parque alguns espécimes do género Cyca da sua coleção. Hoje em dia esta á a coleção de Cycas mais completa da Europa com mais de 90 plantas diferentes.
Alameda dos Gingkos
Esta é uma planta gimnospérmica muito antiga, com registos fósseis do Triássico e Jurássico, encontram-se em bosque na região chinesa de Tian Um Shan. Chegou à Europa no inicio do século XVIII trazida do Japão. Esta alameda foi mandada plantar por Vasco Bensaude nos anos 1930 e é um dos pontos mais bonitos do parque.
Jardim da topiária
Este foi um jardim criado por Fernando Costa. Inspirou-se numas estruturas metálicas que eram cobertas com trepadeiras e fez estes animais que foram fabricados com barro e cimento e cobertos com trepadeiras (Ficus pumila).
Muito mais há para contar sobre este sitio único, considerado um dos jardins mais bonitos do mundo. O melhor é mesmo virem ver ao vivo e para quem quiser saber mais sobre a história e riqueza botânica do parque, aconselho a leitura do livro do Luís Mendonça de Carvalho.
Fui aos Açores a convite do Terra Nostra Garden Holel do Grupo Bensaude.
Bibliografia
“Parque Terra Nostra” – Luís Mendoça de Carvalho, Nova Gráfica 2017
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