Comecemos por não ignorar o elefante que está mesmo no meio da sala: todos os anos, cerca de 1,6 mil milhões de toneladas de comida são desperdiçados.
Peço desculpa por esta entrada a pés juntos, mas os valores são tão elevados que merecem destaque. Segundo as contas da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), é praticamente um terço de toda a comida produzida anualmente a nível mundial.
Parece-lhe difícil de acreditar? Basta pensar naquela peça de fruta que ainda há pouco deitou fora porque já estava demasiado madura. Ou nos iogurtes escondidos no frigorífico cujo prazo de validade deixou passar. Ou, então, no que não conseguiu comer ao almoço e que acabou encostado na borda do prato. É só multiplicar pelos sete mil milhões de pessoas que habitam no planeta. Isso vezes os 365 dias do ano. Olhando apenas para o nosso umbigo, só em Portugal, cada pessoa desperdiça, num ano, uma média de 97 quilogramas. São multiplicações inacreditáveis e preocupantes, não é verdade? Mais ainda quando sabemos que, juntamente com os transportes e a indústria, a agropecuária é um dos responsáveis pela forte emissão de gases com efeito de estufa. Portanto, bem mais fácil do que completar um cubo de Rubik é perceber que, ao deitar alimentos ao lixo, todos os recursos que esses mesmos alimentos já absorveram até chegar à sua mesa estão, também eles, a ser desperdiçados.
Isto já para não falar que o dinheiro que pagou por eles está a ser esbanjado, tal como naquela mítica cena do Lobo de Wall Street em que Leonardo DiCaprio atira um maço de notas ao sabor do vento. A verdade é que a produção de uma grande quantidade de alimentos que não é consumida acarreta impactos negativos em termos sociais, económicos e ambientais, com uma consequente pressão sobre recursos naturais, já por si limitados.
Mais de metade do desperdício é gerado nas nossas casas. A forma como compramos, guardamos, preparamos e consumimos os alimentos tem um papel crucial. Existem ações tão simples que, aplicadas no nosso dia a dia, podem ajudar a reverter este cenário. Pão seco, sobras de refeições já confecionadas, legumes e frutas muito maduras são todos exemplos de alimentos que não chegaram ao seu fim de vida e que podem ainda ser utilizados. Tudo depende da imaginação!
É nesse sentido que surge esta rubrica. Em cada edição, vamos descobrir, através de receitas práticas, deliciosas e saudáveis, como se pode praticar uma cozinha mais sustentável e que gere menos lixo. Esta é uma caminhada, também minha!, à procura de pequenos gestos que podem fazer a diferença para nós e para o ambiente. Se com isso ainda ajudarmos no nosso orçamento doméstico mensal, saímos todos a ganhar.
Não, velhos do Restelo, o desperdício zero não é uma tendência – é uma necessidade e uma obrigação. Sim, é possível mudar o mundo… um prato de cada vez!
DOCE DE CASCA DE MELANCIA
A melancia é o verdadeiro sucesso de verão. Dura por fora; macia e muito suculenta por dentro. São poucos os que não a adoram, e não há melhor para refrescar das altas temperaturas destes dias. No entanto, após consumirmos a polpa, quantos de nós acabam por deitar a casca no lixo? Diria que todos. Talvez por desconhecermos que ela é altamente nutritiva e igualmente rica em vitaminas. Hoje, mais do que nunca, precisamos de “mudar o chip” e ver o alimento com outros olhos.
Já alguma vez pensaram que as cascas da melancia podem ser o ponto de partida de um delicioso doce? Quem diria… Além de aumentar o aproveitamento dos frutos, evitando o desperdício, esta é uma excelente forma de resgatar as receitas tradicionais dos doces caseiros, que sabem sempre tão bem a acompanhar um pequeno-almoço mais demorado.
Doses
Cerca de 370 g
Preparação
10 minutos
Cozedura
50 minutos
Ingredientes
280 g de casca de melancia
190 g de açúcar
2 colheres (de sopa) de mel
2 bagas de cardamomo
1 colher (de chá) de vinagre
Passo a passo
Comece por retirar a parte verde da casca da melancia e descarte. De seguida, corte a entrecasca branca em pedaços com cerca de 2 cm.
Numa panela, adicione estes pedaços e cubra com água (o nível da água deve estar uns dois dedos acima da casca). Deixe ferver rapidamente em fogo alto e, assim que levantar fervura, reduza o fogo, deixando cozinhar 30-40 minutos. Desligue quando a casca ficar translúcida e macia (poderá ser necessário adicionar mais água durante esta etapa, uma vez que no final o nível do líquido deve estar ainda acima das cascas).
Escorra os pedaços de casca numa peneira e reserve o líquido.
Leve de volta o líquido à panela, juntamente com o açúcar, mexendo sempre, em fogo médio, até os grãos de açúcar derreterem completamente.
Adicione o mel, o gengibre ralado e o vinagre. Retire as cascas às bagas de cardamomo, aproveitando apenas as sementes. Junte ao preparado.
Com a ajuda de um esmagador de batatas (ou de um robô de cozinha), triture levemente as cascas. O objetivo é ter pedaços mais pequenos, ainda com alguma textura.
Por final, acrescente a casca à panela, mexa e deixe cozinhar cerca de 15 minutos, aproximadamente. Se tiver um termómetro, será mais fácil para não ultrapassar os 110 ºC.
Retire do fogo e deixe o doce arrefecer completamente antes de transferir para um frasco.