Nada acontece por acaso quando alguém mora num apartamento que escolheu pelo terraço que lhe proporciona a evasão que procura no dia a dia.
Tem sido esse o propósito do Carlos ao longo de 20 anos, cultivar demoradamente plantas que sabia que iriam acompanhá-lo. Plantou espécies de porte arbóreo, e contam-se Metrosideros excelsa, Pinus pinea (pinheiro manso), Prunus (Ameixoeira), Citrus x limon (limoeiro), Punica granatum (romãnzeira), Olea europea (oliveira), Psidium cattleianum (araçá), que vão abraçando o terraço, isolando-o dos telhados vizinhos, fazendo daqueles poucos metros quadrados um trompe l’oeil quando se olha a paisagem. O horizonte da cidade é filtrado pela silhueta dos ramos das árvores, nenhuma mais alta que os quatro metros de altura, pois tudo é cultivado em vasos, e a sensação de ambiente campestre ou florestal respira-se plenamente aqui.
A envolvência e enquadramento
Os exemplares estão dispostos ao longo das paredes e muretes, claramente para permitir lugar para a circulação e uma mesa para refeições. Não houve projeto nem planeamento de paisagismo. Seguiu a sua vontade de cultivar, dispondo conforme entendia ser mais útil para a fruição. Porém, coincidiu escolher as espécies que, pela sua dimensão, garantiriam, com o tempo, a envolvência que falta a inúmeros espaços semelhantes em Lisboa. Arrojo e proporção das plantas. Uma vez devidamente amarradas e envasadas em contentores largos, para equilibrar o porte das copas e não os submeter a eventuais quedas ou quebras por ação de intempéries, este jardim no topo do prédio onde mora, está estabelecido para durar e mostrar ao longo dos anos a sua imponente dimensão. Aos olhos de quem nele desfruta da natureza, não há alcance visual que fira a vista pois todos e tudo estão abraçados pela natureza. O sol põe-se e os reflexos giram batidos nas vidraças da casa, oferecendo uma sensação de bem-estar serena quase impensável. É a maior beleza do jardim senão esta força estética e emocional que empresta desde o interior da sua casa. Não há leitura de estilo nem critério de espécies. Percebo que somente o desejo de plantar regula a sequência de vasos, que alinhados de forma ondulada, acompanham os limites do terraço.
As trepadeiras, verdadeiros jardins verticais
As paredes são transformadas em telas onde as plantas competem emaranhadas, na busca de lugar para florir. Fucsia sp. (brincos-de-princesa), Mandevilla sp. syn.Dipladenia sp. e Plumbago auriculata syn. Plumbago capensis sem denotar a preocupação por onde tencionam crescer. Há liberdade e o retorno é a intensidade de verde por todo o lado. Folhas largas mesclam com espécies mais delicadas, e o efeito de sombreamento natural está conseguido sem que tenha sido essa a razão em mente do seu jardineiro. A prática da jardinagem que assume uma certa independência das plantas para com o jardineiro está bem declarada no terraço do Carlos; assegura criteriosamente a rega de todas as plantas, reforça-o com pratos alagados de água durante os meses mais quentes e serão as plantas a ditar as suas necessidades. Aduba com nutrientes com mecanismo de libertação lenta e despreocupadamente remove somente os ramos secos. Em espaços como este, onde os canteiros limitam o crescimento das plantas, deixando-as rapidamente sob stresse hídrico e carentes de nutrientes, há que ser fiel na rega e na reposição de nutrientes no substrato. A poda jamais é praticada pois enfraquece e desequilibra os exemplares que, plenamente estabelecidos, poderão perder o acesso à luminosidade ou mesmo territorial, caso demorem na sua regeneração.
As plantas
Monstera deliciosa (costela-de-adão), Plumeria alba (Frangipani), Brugmansia suaveolens (trombeta-de-anjo), Ilex aquifolium (azevinho), Cycas revoluta, Colocasia esculenta (inhame), misturam-se aleatoriamente com orquídeas como Sobralia macranta e inúmeras espécies de Tillandsia. Sem rigor, é a desordem e o inesperado, como a prótea (Protea cynaroides) em plena floração e totalmente livre de intervenção que faz, pela abundância e volume, deste jardim-terraço um simples, bom e belo exercício de jardinagem.