Com a designação oficial de “Sítio”, só existe um, o Sítio Santo António da Bica, na Barra de Guaratiba. Atualmente designado por Sítio de Burle Marx, o local que Roberto Burle Marx comprou a meias com o irmão, em 1949, e para onde foi viver até 1973, data da sua morte.
A marca dos jardins de Burle Marx é tão forte, que foi deixada no Brasil e em vários outros países. As composições de Marx, nascido em 1909, filho de um alemão e de uma brasileira de ascendência francesa, holandesa e portuguesa, são o resultado do contacto com o apogeu cultural da república de Weimar e de uma profunda Brasilidade. Na sua definição, o paisagismo era “a organização planejada dos elementos naturais: uma intervenção da cultura humana no mundo existente”, e “uma necessidade estética”.
Os pontos de partida para os seus projetos paisagísticos eram pinturas em guache, verdadeiras composições de arte abstrata, que ficaram tão célebres como os próprios jardins e que foram objeto de inúmeras exposições que o consagraram como artista-pintor-escultor-cenógrafo, além de paisagista. No entanto, para Burle Marx, o jardim não era a transposição tridimensional de uma pintura. Conhecedor da flora brasileira, Marx pensava os seus jardins numa perspetiva dinâmica: não eram apenas espaços aprazíveis para as pessoas se movimentarem, eram também espaços de transformação e crescimento, como compete ao mundo natural.
Caos organizado
Visitei vários dos seus “Sítios” no Rio de Janeiro e arredores. Saltei de composições em equipamentos culturais, para sedes de ministérios, espaços públicos e privados, incluindo a sua própria casa. Em todos, está patente uma profunda modernidade e um gosto estudado pela botânica. Os seus jardins não são delicados, bonitinhos e coloridos. São antes espaços de um caos organizado, em que se conjugam a carnalidade da vegetação tropical com a subtileza dos diferentes matizes e texturas da folhagem.
Passeei pelo calçadão da Avenida Atlântica, em Copacabana, talvez a sua mais célebre criação, pela mistura do geometrismo abstrato com o simbolismo das ondas do mar junto à praia.
Mais além, no aterro do Flamengo, estão, entre outros, os espaços ajardinados do Museu de Arte Moderna. Aí, os terraços suspensos em que Burle Marx era mestre, dão um enquadramento perfeito ao edificado. Permitem ainda a realização de receções ao ar livre, como sucedeu com a inauguração da belíssima exposição Vieira da Silva. Pena é que o espaço público ao nível da rua esteja tão degradado que mal se percebem os desenhos ondulados da continuação do Calçadão, aqui feitos com gramíneas.
Consegui entrar no Ministério da Educação e Saúde, no Palácio Gustavo Capanema, graças ao cartão de estudante da Universidade Nova. Provavelmente confundiram-no com o de uma docente ou investigadora. Assim, foi-me possível ver e fotografar os famosos terraços, localizados acima do nível da rua, onde as formas ameboides dos canteiros contrastam com as linhas retas e duras dos prédios em redor.
O Instituto Moreira Salles, agora transformado em Museu, presenteia-nos com a sua a arquitetura modernista da autoria de Olavo Redig de Campos. Envolta num espaço de floresta exuberante, Burle Marx desenhou o painel de azulejos que faz de fundo ao jardim aquático.
Perfeição estética
Mas o jardim de que mais gostei foi o do Sítio de Santo António da Bica. Talvez por ser a casa onde viveu, simultaneamente espaço de prazer, descanso, trabalho e laboratório experimental. Roberto Burle Marx aproveitou os 365.000 m2 para reunir uma importante coleção de plantas tropicais, com cerca de 3 500 exemplares.
Araceae, Aracaceae, Bromeliaceae, Cycadaceae, Heliconiaceae, Maranthaceae e Velloziaceae encantam pelas suas formas, para nós exóticas. O clima permite uma exuberância que é desconhecida em terras da Europa, mas que Burle Marx controla com mão de mestre. E é óbvio que projetou a composição a contar com o crescimento da vegetação que lá plantou. Nada é ao acaso.
A cor existe apenas no pontuado amarelo, encarnado ou azul de alguma brutal flor exótica. No entanto, a maravilhosa combinação das folhas de vários matizes de verde e roxo, oferecem um quadro de perfeição estética. A água é o grande aliado desta paisagem selvagem/ordenada e corre em ribeiros ou descansa em lagos cuja visão refrescante nos alivia do calor.
No final da visita, do terraço da casa, imaginei o prazer que a visão daquele paraíso tropical deve ter dado a este grande arquiteto paisagista do século XX.
Fotos: Vera Nobre da Costa
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