Revista Jardins

Plantas úteis na cidade

Como homenagem ao grande visionário que foi Gonçalo Ribeiro Telles, uma reflexão sobre as plantas que nos rodeiam na cidade.

Assim em jeito de homenagem ao arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles, que nos deixou no passado dia 11 de novembro; deixou-nos sem nos deixar pois a sua obra está muito presente, viva e de boa saúde.

Esse grande visionário da paisagem que quis fundir o campo e a cidade e de algum modo conseguiu, ele que foi o nosso primeiro ecologista, há mais de 60 anos que nos vinha alertando para as consequências de um mau planeamento do território, ele que chamou a atenção para os efeitos nefastos da urbanização desenfreada, esta selva de cimento que pouco ou nada tem em conta os espaços verdes.

Primeiro, o betão, depois, o verde, ali com uma relvazinha estéril e monocromática e uma palmeira no meio, muito herbicida para controle das “ervas daninhas” e está feita a coisa, neste veloz afastamento da paisagem natural arborizada onde obviamente se inclui também a vegetação espontânea, colorida e tão mas tão útil para a manutenção da biodiversidade.

Do jardim da Gulbenkian aos corredores ecológicos

Ele que foi o responsável pelos jardins da Gulbenkian foi também autor da identificação e mapeamento de uma série de corredores ecológicos, que no seu conjunto estabelecem um Continuum Natural.

Nesta rede inclui-se o corredor verde de Monsanto, que é apenas uma parte destes fundamentais corredores da cidade e que constituem a sua estrutura verde e biodiversa.

Foi também Ribeiro Telles quem nos trouxe de certa forma o conceito de soberania alimentar, alertando para a importância de produzir os alimentos perto do seu local de consumo, fundindo a cidade e o campo numa paisagem global, não separada: cultivar hortas na cidade, conceito que à época foi bastante contestado pelos arquitetos do betão inspirados nos modelos de construção vertical, onde se engaiolam as pessoas longe da paisagem verde que lhes sana o corpo e a alma.

Lisboa Capital Verde 2020 e a Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental

A propósito de hortas na cidade, devo aqui também fazer outra homenagem à Câmara Municipal de Lisboa, Capital Verde 2020, e ao vereador do Ambiente, Estrutura Verde, Clima e Energia, Sá Fernandes, por ter apostado também no apoio ao desenvolvimento de forma ecológica e sustentável desses agora chamados parques hortícolas, ex-hortas comunitárias e que já totalizam 20 parques espalhados pela cidade em 800 talhões num total de 9,1 hectares destinados à produção agrícola.

Tenho tido o privilégio de me ter encontrado, este ano de 2020, com Sá Fernandes em seminários e conferências. Começou no Parque das Nações, em janeiro, no seminário do Eco-escolas, e terminou no fim de semana de 24 e 25 de outubro da Visão Verde na Estufa Fria, passando por dois encontros memoráveis na Gulbenkian; o lançamento do livro, infelizmente calhamaço Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental.

Para quem não saiba o que é um livro vermelho, é um livro de alertas, neste caso específico, é sobre a nossa flora e é por isso que digo com tristeza que se trata de um calhamaço de quase 400 páginas e belíssimas fotos.

O livro é da autoria da Sociedade Portuguesa de Botânica e Associação Portuguesa de Ciência da vegetação-PHYTOS em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas-ICNF.

A Câmara de Lisboa chegou-se à frente com o dinheiro para a impressão dos 2000 exemplares em papel, e a Casa da Moeda editou. A todos os intervenientes, muita gratidão por terem dado à luz uma obra que ficará com certeza para a História e que será a primeira de outras que se lhe seguirão e, volto a dizer, infelizmente, por um lado; por outro lado, a minha faceta otimista espera que estes alertas sirvam também para identificar os problemas e assim encontrar estratégias para a conservação destas espécies.

O uso e abuso de adubos, herbicidas e pesticidas

Entre os vários problemas, nomearei um sobre o qual já aqui me debrucei várias vezes e que se prende com o modelo agrícola nacional, de uma agricultura intensiva onde se recorre ao uso e abuso de adubos químicos, herbicidas e pesticidas, onde se continua a autorizar a construção de estufas em pleno parque natural, destruindo assim toda a biodiversidade aí existente, contaminando o ar, a água e o solo.

Será talvez por essa razão que o nosso ministro do Ambiente não esteve presente no dia 19 de outubro, no lançamento da Semana Verde europeia, onde várias das palestras apresentadas apontavam o dedo a Portugal, dizendo mesmo que este modelo de produção intensiva de abacates, amendoais e olivais estava desencontrada da European agriculture policy.

Uma das palestras tinha como título Condomínio planetário, uma abordagem legal para administrar a TERRA e que nos falava deste conceito de condomínio, da TERRA como propriedade pública e de sermos todos chamados à responsabilidade, e os mais poluidores severamente penalizados pelos danos causados. O problema é que essas penalizações seriam sempre migalhas para os grandes poluidores que são a indústria agroalimentar de mãos dadas com a indústria dos agrotóxicos.

As outras palestras falavam de trazer a Natureza de volta à agricultura, renaturalizando a paisagem e reduzindo 50% do uso de pesticidas até 2030. Renaturalizar a paisagem urbana é uma das metas de Sá Fernandes, que escreve, no livro vermelho, “(…) Hoje, percebemos a sua [das plantas] importância na vida do planeta Terra, nomeadamente no que se refere à sua importância na biodiversidade, no combate às alterações climáticas e mesmo no ordenamento do território”.

Da deusa Flora aos dias de hoje, muito se disse e se contou sobre as plantas do nosso País, mas nunca se mostrou o que existe em Portugal, o que temos vindo a perder ou aquilo por que temos de lutar para que não desapareça.

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