Suspenda-se a expectativa quando se atravessa o enorme portão que nos recolhe para um jardim sublime e de reclusão anímica, perfeito para quem procura retemperar-se.
Não há sobra para a monotonia tais são os percursos esguios e íntimos que nos levam sempre envolvidos com a Natureza a lugar algum senão o bem-estar. Estamos no jardim do Hotel Salvaterra Country House and Spa.
Os passos flutuam, inspirados pela exuberância que a visão nos informa. Tudo é poderoso, tudo é frondoso, tão denso que o emaranhado dos ramos e folhas assobia ao vento, projetando no solo um rendilhado de brilho solar. O sol é parte deste jardim.
Vi no jardim uma paleta de ornamentais de suaves contrastes, a aragem persegue-nos no protagonismo de que não nos apercebemos, sentidos tão atentos e embebidos na beleza una que nasce do convívio próximo do visitante com a Natureza. É o título que me ocorreu neste jardim. Se o percorrer, escolha um para si e deleite-se a sentir a qualidade essencial, disposição inata, o curso das coisas e o próprio universo. Depois, repouse num dos cantos que descobrirá ao longo do jardim, onde poderá poisar a mente lentamente, sempre a olhar sobre a Natureza.
O paraíso tal como o império mogol o definia
Debruçado na água que conduz o cardume num canal de inspiração muçulmana, o gazebo indiano surge velado na vegetação, repete a linha do pensamento religioso e metafísico que o império mogol definia como paraíso. A cor terracota dos materiais construídos lembra o rosa palaciano do Rajastão ou dos afloramentos rochosos do Decão. Lido na paisagem do jardim, a cor de terra cozida complementa a massificação botânica dos canteiros, de um inebriante verde onde não há lugar aberto. O jardim é uma floresta subtilmente dominada em que os caminhos regrados nos guiam para a liberdade de espírito.
A mestria do autor
João não é jardineiro nem designer, mas sente a linguagem da floresta quando viaja pelo Sudeste Asiático. Influi no espírito, que o inspira a recriar um jardim num lugar do seu país que não tem nenhum passado espiritual multimilenar como o Indostão, mas empresta-lhe alma que nos faz, ali, sentir o poder que o Homem deve ao seu planeta. Enclausurado, o jardim plantado de maneira única teve de enfrentar as agruras da meteorologia local, inóspita no inverno, com temperaturas algo agressivas para uma opção, pessoal, de espécies tropicais. A lista encolhia perante a irredutibilidade das noites marcadamente frias durante os meses de dezembro a meados de março. Porém, a vontade não impossibilita a materialização de um jardim cenicamente tropical. E foi esta a premissa que o motivou sem desistir.
A técnica e o conhecimento
Ao design foi imprescindível juntar técnica e conhecimento para que surgisse um ambiente tropical sem necessariamente atrair a atenção para o reduzido leque de espécies tropicais ali experimentadas. Algo genial que somente a persistência e a paixão levam a tamanho resultado. O espírito de paraíso ultramarino não se perde em nenhum recanto do jardim. Erguidos muros altos que funcionam como primeiras barreiras às perigosas correntes de vento de inverno, adicionou plantas estruturantes repetidamente, saídas de um punhado de opções cujo vigor e tolerância se adequam magistralmente à função estética monumental, como no filtro visual e sonoro envolvente. Touças de bambus, vigorosíssimos, mesclam com a resiliente árvore de pequeno porte e aspeto arbustivo, o Ligustrum lucidum. A ele se juntam o Pittosporum undulatum e a Eugenia neomyrtifolia syn. E. myrtifolia. Estes cumprem a função de massificar e preencher a área do enorme jardim. A tendência ramificada das espécies coopera no aspeto selvagem que se pretende. As bases estão lançadas na tela que agora se vê pronta para ser pintada com elementos de belo porte, de formas colunares, papel para o qual as palmeiras são as mais indicadas; Washingtonia robusta, Syagrus romanzoffiana e Trachycarpus fortunei elevam-se, marcando o espaço com a personalidade exótica que se procurou. Nenhum exemplar cresce de forma isolada e neste método obtêm-se duas vantagens: a imagem exuberante que conhecemos das florestas tropicais onde as plantas vivem em competição, e a manutenção dos solos torna-se autónoma com a deposição de material vegetal morto, como folhas, que, pela decomposição, ajudarão na regeneração e promoverão a criação de um ecossistema saudável, sustentável e ecológico.
Escolha das plantas
A aventura no design tropical segue para a terceira fase de execução do jardim: pincelar com maciços de espécies com função ornamental de porte considerável para que estejam visualmente ao alcance do nível do olho humano. Strelitzia nicolai, Phoenix reclinata, Heptapleurum actinophyllum syn. Schefflera actynophylla, Heptapleurum arboricola syn. S. arboricola e Musa basjoo.
A necessidade de criar referências de forma na variedade de plantas, que se destaquem da continuidade cénica dos exemplares de densidade levou a dotar este jardim de um ensaio de aclimatação de espécies ao limite de tolerância de temperaturas mínimas relativamente acentuadas, comparativamente ao litoral continental. E revelou-se com sucesso o uso de Cyperus papyrus, Cyperus alternifolius, Thaumatophyllum bipinnatifidum syn. Philodendron bipinnatifidum, Colocasia esculenta, Alocasia macrorrhizos, Cycas revoluta, Monstera deliciosa, Yucca gigantea, Fatsia japonica, Hedychium gardnerianum, Strelitzia reginae para sublinhar a melodia a partir das formas foliares. Algumas espécies foram dispostas de modo a rojar o pavimento, lembrando um debruado nas margens de uma renda. Thaumatophyllum xanadu syn. Philodendron xanadu e a curiosa aplicação de Agave americana variegata, cujo ensombramento lhe conferiu uma peculiar nota lúdica. Cymbidium eburneum, raramente visto como exemplar de bordadura e o interessantíssimo Pteris dentata, feto tratado em Portugal como espécie de vaso e aqui empregue livremente como exemplar de forração.
Phormium tenax variegata e Ensete ventricosum ‘maurelii’ deram os tons coloridos foliares únicos à imensidão de verde constante, sobressaindo como luzes que iluminam debaixo do sol todo este paraíso e surpreendem tanto quando vislumbramos. Chamaedorea pochutlensis, Phoenix roebelenii a compor a piscina, enquanto os deslumbrantes cachos de Erythrina crista-galli pendem no intenso vermelho em dezenas de pétalas.
Elementos decorativos
Notas de cerâmica vietnamita pontuam os abrigos de colmo suportadas em estruturas de madeira importadas da Malásia, onde meramente estar preenche o tempo. Ao sabor do mais cálido design das casas trendy tropicais, uma cozinha chic aberta ao jardim convida-nos a sentir mais de perto o convívio descomprometido com a Natureza.
A piscina é intimista e consegue criar privacidade aos hóspedes que ali relaxam nas curvas que o arvoredo proporciona bem próximo da água. Um surpreendente exemplo que demonstra a essência vivida e sentida pelo criador deste pequeno hotel ao optar por tornar abundante a vegetação sobre o cais da piscina. As folhas que tombam na água ou o sol fintado não foram preocupações para o mentor, que assim se desviou do padrão português e conseguiu desenhar um lugar pleno de personalidade.
O firmamento fecha a envolvência deste retrato-jardim do paraíso sem uma única alusão ao que se passa fora dele, referência no leque dos jardins portugueses que o seu criador desenhou por pura paixão à Natureza.