Plantas

A primavera é um poema

Flor de macieira

 

No dia em que escrevo esta crónica, celebra-se o Dia Mundial Da Poesia, o Dia da Árvore e o da Floresta.

 

A primavera é um poema, e as árvores e flores são as palavras, os perfumes e as texturas da poesia.

Ela está aí à espreita por todos os cantos. Vejo-a nas primeiras papoilas que se assomam na beira da estrada, cheiro-a nas flores dos pitósporos espalhados por Sintra, (nos Açores, chamam-lhe incenso, as abelhas adoram-nas e fabricam com elas um mel muito especial), decifro-a nos rebentos cintilantes de todos os freixos, ouço-a no canto alegre dos pássaros do meu jardim à procura de pouso para os seus ninhos, pressinto-a no desabrochar das delicadas flores da ginjeira e da ameixeira sarapintando o céu e o chão com a delicadeza das suas brancas flores.

Sinto o pulsar da seiva em todas as árvores que me rodeiam e celebro esta festa do despertar das forças telúricas, do acordar de todos os seres da Natureza, celebro em contemplação, palavras e música, entre Leiria, Sintra e a Estufa Fria de Lisboa, onde tenho andado à descoberta daquilo que a primavera nos traz.

 

Glicínia

 

Saiba mais sobre buganvílias.

 

No distrito de Leiria, quis visitar duas terras com nomes que há muito me suscitavam curiosidade, Ortigosa e Ortiga – sendo eu membro da Confraria da Urtiga, andava há tempos com a pulga ou melhor com a urtiga atrás da orelha para visitar estes dois lugares, e, como ia a Leiria em trabalho, aproveitei. O trabalho é também trabalho no verde, desta vez em homenagem ao poeta leiriense Francisco Rodrigues Lobo; orientei, a convite do CIA (Centro de Interpretação Ambiental), uma caminhada ao longo do rio Lis focando a atenção nas plantas presentes na poética deste autor contemporâneo de Camões (1580-1622) e que tanto se debruçou sobre a botânica, sendo mesmo um dos poetas portugueses com uma das mais extensas listas de nomes de plantas presentes na sua poesia e prosa.

O ponto de partida foi no Jardim da Almuinha Grande, junto às margens do Lis, e daí acompanhámos o rio na sua viagem para a foz; eram tantas as plantas que se nos apresentaram no caminho e o tempo tão pouco que nem 1 km trilhamos em 2h30.

Ficaram felizes as plantas por terem 20 pessoas a olharem para elas com atenção, a valorizá-las e a agradecer-lhes todo o contributo para o equilíbrio dos ecossistemas: alimentam aves, mamíferos e répteis, atraem abelhas, borboletas, joaninhas e outros insetos. Prometemos protegê-las dos cortes ferozes e indiscriminados das roçadeiras municipais. Não é tarefa fácil convencer os departamentos de higiene e limpeza dos municípios deste País de que sem estas plantas não teremos insetos, e sem insetos não conseguimos sobreviver. Plantas e insetos fazem um verdadeiro serviço à escala planetária, serviço que é urgente reconhecer e proteger. Chama-se polinização (conheça 10 plantas que atraem abelhas).

 

A importância da flora silvestre

Alguns países já reconheceram a dimensão do desastre provocado pelo desaparecimento da flora silvestre e consequente redução do número de insetos e estão a agir proibindo o uso de glifosato e deixando as ervas crescer, cumprindo o seu ciclo de floração.

Outros países, no entanto, continuam a apostar na “limpeza” e “esterilização dos espaços verdes”. Isso vai custar-nos muito caro e, quando abrirmos os olhos, será tarde demais. É urgente mudar de paradigma e deixar de ver a Natureza como o inimigo, como algo que tem de ser domado constantemente para que possamos conviver lado a lado. É urgente repensar esta atitude antropocêntrica, este constante jogo de forças entre Homem e Natureza.

 

Tília

 

Ao regressar de Leiria via Fátima, parei em Ortiga e fui visitar a Capela de Nossa Senhora da Ortiga que é uma virgem cujo culto é anterior à Nossa Senhora de Fátima e que terá aparecido entre urtigas a uma pastorinha muda e lhe terá dado voz. No primeiro domingo de julho, junta-se o povo da aldeia em procissão e comezaina, pena que não sejam comezainas com urtigas como se faz em Fornos de Algodres por altura das Jornadas Etnobotânicas no fim de semana depois do dia 18 de maio (Dia Internacional do Fascínio das Plantas). 

A homenagem às árvores fez-se em Sintra, no domingo dia 19, honrando o velhinho castanheiro da Quinta dos Castanheiros, que, segundo consta, será também contemporâneo de Camões, honrando também o bosque sagrado que está por todo o lado com pilriteiros, carvalhos e castanheiros, freixos e teixos, camélias e azevinhos, ervas frescas nos muros, musgos, fetos e muitas plantas medicinais, cantamos-lhes e encantamo-nos, partilhamos comida, ideias e promessas.

Hoje, terça-feira 21, na Estufa Fria, andei toda a manhã com poemas na cabeça, com palavras verdes a desenrolarem-se em grandes espirais que logo se abrem em folhas rendilhadas a brincarem com a luz.

 

Poema de Primavera de 2021

“A Primavera anda por dentro
dos dias a acordar os pássaros
Anda à escuta do fluir
da seiva por dentro dos ramos
Atenta ao desabrochar
das folhas
À espera dos dias longos
Aquecendo os prados
com mantas de margaridas”

 

E porque este ano se celebra o centenário de Eugénio de Andrade:

“Acordar, ser na manhã de abril
a brancura desta cerejeira;
arder das folhas à raiz,
dar versos ou florir desta maneira.
Abrir os braços, acolher nos ramos
o vento, a luz, ou o quer que seja;
sentir o tempo, fibra a fibra,
a tecer o coração de uma cereja.”

 

Saiba ainda quais são as “Tarefas de Primavera”

 

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