Gosto de viajar. Sempre gostei. Gosto de viajar e ir à descoberta dos segredos botânicos de cada lugar. Gosto de bisbilhotar os quintais e as hortas dos outros. Gosto de meter conversa com as pessoas no campo enquanto trabalham. Gosto de saber como são produzidas as coisas que consumo, sejam elas alimentos ou outros bens. Gosto de saber que a minha pegada ecológica e social é mínima. Desta vez fui até São Miguel à descoberta do modo de produção do ananás, que para meu espanto é todo (que eu saiba) cultivado em estufas e de forma bastante sustentável.
Produção de ananás
A concentração de estufas localiza-se perto de Ponta Delgada, na localidade de Fajã de Baixo. Aqui foi inaugurado a um par de meses o centro de interpretação da cultura do ananás. Graças à simpatia do António Rego, fiz uma interessantíssima visita guiada ao seu terreno e às suas estufas. Assim, fiquei a saber que essas estufas são sempre em vidro e que necessitam de ser caiadas uma ou duas vezes por ano: quando as plantas são transplantadas dos estufins ou estufa-maternidade para a estufa definitiva para que o sol intenso não as queime.
Depois vêm as chuvas e apagam a cal durante o inverno, mas, como há menos horas de sol intenso, isso não é problemático; é, sim, quando as plantas começam a florir e não podem apanhar sol direto.
Voltam a pintar-se as estufas com bastante cuidado e perícia para não quebrar os vidros. Estas estufas têm um sistema de aproveitamento das águas da chuva, pois o ananás, no início da sua produção, requer muita água. Para além deste sistema, existe ainda no centro de cada estufa uma ou mais cisternas de armazenamento de água. Essa cisterna estava nivelada com o solo e era profunda, o que deu origem a alguns acidentes. Por essa razão esses buracos foram na sua maioria preenchidos com terra. Cada planta produz apenas um fruto que tem um ciclo de um ano e meio desde a maternidade até à colheita.
Para acolher as novas plantas vindas da estufa-materna, o solo é preparado incorporando primeiro grandes quantidades de serradura de árvores provenientes de carpintarias locais e de madeira de criptoméria. A serradura e o incenso triturado (Pittosporum undulatum) incorporado de seguida contribuem ambos para grande aquecimento do solo, condição essencial para um bom desenvolvimento das plantas.
Nos Açores, os pitósporos são conhecidos por incenso ou faia-brava e também são invasores e problemáticos tal como no continente. No entanto, servem este simpático propósito de aquecer a cama dos ananaseiros, sendo úteis para as abelhas que com eles fabricam um mel muito aromático. Além disso, são autênticas muralhas corta-vento de 3-5 metros protegendo hortas, jardins e pomares contra os agrestes ventos insulares.
Estimulação da floração
O ananás pertence à família das Bromeliáceas. Tem assim a flor característica das bromélias, colorida e vistosa, que emerge do centro da planta, e de onde surgirá fruto. Para estimular o aparecimento das flores e para que estas surjam, pratica-se uma técnica de fumigação das estufas. Esta consiste em colocar ervas verdes a arder sem chama viva durante a noite. Esse fumo emite uma espécie de sinal de alerta às plantas que rapidamente, e talvez num instinto básico de assegurar a sobrevivência da espécie, se põe a florir. Chamo a isto inteligência vegetal.
Factos históricos
Começou por ser plantada no século XIX como planta ornamental. Aos poucos começou a ser cultivada para consumo dos seus frutos sobretudo como símbolo de status social na casa dos ricos. Em 1875, já existiam na parte sul da ilha estufas para cerca de 40 mil ananases, todos para exportação. Em 1913, exportava-se para Inglaterra, Alemanha e Rússia. A 1ª e 2ª guerras mundiais vieram abalar as exportações do ananás que nunca voltaram a atingir o mesmo sucesso e impacto socioeconómico.
Atualmente
Hoje, a cultura deste fruto de origem tropical ainda é possível graças aos fortes apoios comunitários na área da agricultura. Estão também a tentar criar-se novos nichos de mercado, uma vez que para além do todo o seu interesse alimentar, o ananás é muito procurado para a obtenção da bromelina, um enzima extraído da parte central do fruto que tem grandes propriedades anti-inflamatórias (sendo muito procurado pela indústria farmacêutica).
Devido ao seu alto valor nutricional, utiliza-se ainda na confeção de xaropes, vinagres, geleias, licores, rebuçados, etc. A casca é tradicionalmente utilizada na confeção de uma bebida eficaz para combater gripes, febre, tosse, constipações e várias inflamações. O fruto é muito rico em vitaminas do grupo B, vitamina A e C e muitos sais minerais; é um alimento muito nutritivo e equilibrado recomendado em dietas de emagrecimento e desintoxicação, problemas digestivos, anemia, hipertensão e gota. Como dizia o historiador Pero de Magalhães Gândavo, “o ananás é um hino da terra ao seu criador”.
Fotos: António Rego
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