Uma viagem no barco-correio Hurtigruten pelos fiordes da Noruega até à fronteira com a Rússia, uma experiência única.
A viagem estava programada e marcada há um ano, com todos os riscos que as programações a longo prazo implicam.
Mas não houve volta a dar-lhe: como me recuso a fazer viagens em barcos de cruzeiro com milhares de pessoas a bordo, casinos, cinemas, restaurantes, animação noturna, piscinas, etc., para visitar os fiordes da Noruega até à fronteira com a Rússia, a única alternativa que havia era o barco-correio da Hurtigruten.
DIA 1
A Hurtigruten é a companhia que transporta pessoas e carga de porto em porto ao longo de toda a costa. Não sendo um barco de recreio, apenas tem duas cabinas com terraço, para mim um fator imprescindível para tirar o máximo partido da viagem, e estas têm muita procura e têm de ser reservadas com muita antecedência.
Após um voo direto para Oslo, cidade sobre a qual não vou aqui falar e onde passei apenas dois dias, segui para Bergen, onde apanhei o barco, o meu “hotel” durante 12 dias.
DIA 2
Estreia da viagem em estrondo: entrada do barco no espetacular Geiranger Fjord (talvez o mais visitado e famoso da Noruega).
Todos os passageiros no deck, mudos de espanto, esmagados pela grandiosidade da paisagem. Só se ouviam os cliques das máquinas fotográficas. Infelizmente, nenhuma imagem faz justiça à beleza da paisagem.
Desembarque em Geiranger, para, agora por estrada, fazer o percurso até Molde, passando pelo Trollstigen Pass. O percurso é mais apavorante que os caminhos não asfaltados do nosso Douro Superior. Curvas em “U”, estrada estreitíssima, sem bermas, ao longo de desfiladeiros de cortar a respiração.
Com uma inclinação de 10%, são 104 quilómetros que nos transportam do susto à humildade perante o dramatismo proporcionado pela Natureza. Montanhas verticais por onde, nesta altura do ano, correm cascatas do degelo da neve ainda abundante no topo e que enquadram um vale de grandes dimensões, por onde serpenteiam a estrada e um curso de água.
Esta estrada só está aberta entre maio e outubro e tem fama de ser das mais perigosas do mundo. Foi com alívio que cheguei a uma plataforma estrategicamente colocada a meio do percurso para se poder admirar a verticalidade da paisagem, fora do carro, sem tanto susto. Mesmo assim não se recomenda a quem tenha vertigens.
Foram sete horas de passeio que terminaram com um gratificante jantar em Molde, antes de embarcar novamente.
COM UMA POPULAÇÃO DE 5 MILHÕES DE HABITANTES E UMA ÁREA DE 385 MIL KMS QUADRADOS, maior que o Reino Unido, a Noruega tem uma das paisagens mais intocadas da Europa.
DIA 3
Passeio a pé de três horas pela cidade de Trondheim. O espetáculo da Natureza foi hoje substituído pelo mais modesto prazer de passear por uma cidade, a terceira da Noruega, com apenas 200 mil habitantes.
A sua principal atração é a catedral de Nidaros e foi para lá que primeiro me dirigi. Nidaros é um palimpsesto arquitetónico que passa do romanesque ao gótico, com apontamentos do século XX, como, por exemplo, um anjo da fachada com a cara do Bob Dylan.
Definitivamente, na Noruega prefiro a paisagem natural à das cidades. De regresso ao barco, passei pela zona velha de Trondheim, ao longo do rio Nid, e essa, sim, satisfez a minha fantasia da arquitetura tradicional norueguesa, com casinhas de madeira como em Bryggen, Bergen, uma herança hanseática.
Aqui fiz a paz com a paisagem urbana norueguesa que me tem atormentado com os seus feíssimos edifícios ao estilo “moderno”/contemporâneo.
DIA 4
O barco proporciona, diariamente, vários programas no exterior e para hoje escolhi ir num RIB (rigid inflatable boat) com destino ao famoso Saltstraumen, a corrente mais poderosa do mundo, onde, quatro vezes por dia, 13 mil milhões de metros cúbicos são forçados a passar num estreito de 150 metros de largura e 31 de profundidade.
Isto origina vertiginosos remoinhos e uma enorme agitação nas águas que atrai os peixes e que leva gaivotas, tordas-mergulheiras e kittiwakes (pássaros da família das gaivotas) a acorrerem em profusão soltando piares enlouquecidos de antecipação.
Os barcos levam apenas 8-10 pessoas e vai-se sentado numa espécie de selas de cavalo com as mãos agarradas a uma argola fixa de ferro. É que a agitação das aguas é tal que, por razões de segurança, não se pode ter as mãos livres.
Escusado será que dizer que me agarrei à força de pernas porque levei a maquina fotográfica. A corrente é tão forte que o barco, sem o motor a funcionar, anda a enorme velocidade e, com o motor, mas em contracorrente, fica parado.
Além da emoção do Saltstraumen, mais uma vez o que nos esmaga é a paisagem, lindíssima, pura, intocada.
O CENÁRIO NATURAL DA NORUEGA É TÃO BONITO, que os habitantes não parecem ter necessidade de jardins. Não os vi nas casas nem avistei parques nas cidades.
DIA 5
Visita à quinta dos huskies, os cães de trabalho que puxam os trenós na neve do inverno e descansam no verão, acompanhando os turistas nos hikings das montanhas.
DIA 6
Chegada ao cabo Norte transportados num minibus de oito pessoas. No percurso avistei muitas renas, pertencentes aos Sami, calmamente a pastar nas ervas acabadas de nascer.
Ainda muita neve na berma da estrada e uma temperatura de 2 ºC. Um vento cortante tornava difícil o acesso ao monumento que assinala o cabo.
O nevoeiro instalou-se e fui almoçar ao excelente restaurante ao centro de apoio do cabo Norte, onde, além de uma loja com produtos noruegueses, há um auditório onde passa um filme sobre o espetáculo das quatro estações naquela região.
Depois do almoço, dissipado o nevoeiro, houve finalmente a oportunidade de ir até ao limite do cabo, que se ergue dramático sobre o mar.
A paisagem é aqui agreste e inóspita, sem a vegetação das paragens mais a sul, e sente-se bem a proximidade do Ártico.
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