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O génio dos jardins “à francesa”: André Le Nôtre

andré le nôtre
Vista do jardim a partir do palácio

Fui até Paris homenagear o génio do jardim “à francesa” e um talento maior da arquitetura paisagista: André Le Nôtre. Dediquei uma semana a passear e a fotografar 3 das suas principais criações: Vaux-le-Vicomte, Chantilly e o incontornável parque de Versailles.

Le Nôtre nasceu e viveu toda a vida nas Tuileries, onde já o seu pai e o seu avô exerciam a função de jardineiros do rei. Este estatuto especial na corte e permitiu ao jovem André estudar pintura com mestre Simon Vouet, num atelier no Louvre. Assim, uma sólida formação recebida durante 6 anos na cultura que era o Louvre, proporcionou-lhe uma erudição invulgar na profissão que escolheu exercer.

Aos 24 anos assume os comandos do jardim das Tuileries, sucedendo ao pai e ao avô. No entanto, mais do que a manutenção do jardim e os seus aspetos botânicos, o que ele ambicionava era imaginar e criar novas composições em grandes espaços.

Vista para o palácio

Mas um jardineiro para fazer uma grande obra precisa de um grande cliente. E eis que surgiu a Le Nôtre na pessoa de Nicolas Fouquet, o ministro das Finanças de Luis XIV. Consciente da sua prestigiada posição, Fouquet compra a propriedade de Vaux-le-Vicomte em 1641 e manda construir uma casa de aparato. Chama o arquiteto Louis Le Vau, o pintor Charles Le Brun e o jardineiro André Le Nôtre para em conjunto criarem algo que ficasse para a história.

Chateau e jardins finalizados, Fouquet resolve dar uma festa de inauguração com brilho sem precedentes. Em 17 de agosto de 1661, convida toda a corte e o próprio rei.

A ostentação do local e da festa roem por completo de inveja Luis XIV. O rei realiza que, comparado com Vaux, Versailles era apenas um modesto palácio. O despeito fá-lo mandar prender Fouquet, a pretexto do uso indevido dos fundos da coroa para pagar aquela extravagância.

Para Fouquet, o êxito de Vaux foi a sua desgraça. Fouquet acabou por morrer na prisão sem nunca ter usufruído da propriedade. Para Le Nôtre, Vaux foi a grande oportunidade de passar os seus sonhos do papel para a realidade. Não só criou o primeiro grande jardim “à Francesa” como recebeu do rei a encomenda para fazer a transformação dos jardins de Versailles.

Vaux-Le-Vicomte

Rendi-me aos jardins geométricos e simétricos de Vaux. O impacto dos jardins do palácio de Fouquet nem sequer está na sua dimensão, como sucede com Versailles. O seu segredo está sim no equilíbrio perfeito de todos os seus componentes. Se Versailles nos esmaga, Vaux encanta-nos.

Parterre en broderie

Le Nôtre desenhou pela primeira vez compridos parterres en broderie de formato retangular e aproveitou o curso de água que atravessa a propriedade para criar fontes, canais, cascatas e lagos. Emoldurado por árvores, o jardim estende-se no prolongamento da casa. Termina com a escultura de Hércules, um foco do grande eixo central e de toda a composição.

Os conhecimentos de pintura e de desenho permitiram a Le Nôtre fazer uso da “perspetiva retardada”. Tendo em conta o ponto de vista do observador conseguiu calcular a dimensão e o formato dos parterres e definir proporções. Uma sábia manipulação dos planos digamos. Através da colocação de grandes superfícies de água a uma cota mais baixa que os parterres dá-nos uma ilusão da composição do jardim que é diferente para quem o observa da casa e para quem por ele passeia.

As grutas e a estátua de Hércules

Percorri o jardim e subi à elevação onde se encontra a estátua de Hércules, colocada aí depois de Fouquet se encontrar preso. Esta escultura tornou-se num símbolo trágico do maître des lieux que tudo proporcionou e que nada usufruiu.

Exibindo uma manutenção imaculada, todos os jardins de Le Nôtre que visitei se encontram hoje reconstituídos muito próximo da criação original. Tal deveu-se ao facto de a sua obra ter sido intensamente registada, nomeadamente nas famosas gravuras de Israël Silvestre.

Lago dos Tritões

Não é só o jardineiro genial que nos fascina. O personagem de Le Nôtre é em si um tema interessante. Conta-se que beijava o rei Luis XIV nas duas faces quando o encontrava (prática impensável com o rei para quem os súbditos nem podiam levantar o olhar). No entanto graças ao seu modo amável e cordato nunca suscitou invejas e vinganças, tão frequentes na corte de Versailles.

Le Nôtre morreu aos 87 anos admirado por todos, estimado por muitos e chorado pelo monarca mais poderoso do mundo. Talvez por isso a sua biografia tenha o título de “Retrato de um homem feliz”.

Fotos: Vera Nobre da Costa

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