Revista Jardins

Jardins e plantas da Madeira (parte I)

 

Fui à Madeira a convite do Professor Raimundo Quintal para fazer a apresentação do livro dele e tive como bónus andar a passear e a ver jardins.

 

Não consegui ver muitos, pois apenas estive dois dias, mas o que vi deixou-me com muita vontade de voltar com mais tempo. Visitei quatro sítios completamente diferentes, o Campo de Educação Ambiental do Santo da Serra, os Jardins do Palheiro Ferreira, os Jardins do Lago e, por último, o jardim do Faial do próprio Professor Raimundo Quintal. Este artigo não pretende ser exaustivo sobre a história, nem sobre a botânica, mas apenas fazer uma breve apresentação destes fantásticos espaços.

 

Campo de Educação Ambiental do Santo da Serra – Eva e Américo Durão

 

No primeiro dia, comecei por visitar o Campo de Educação Ambiental do Santo da Serra – Eva e Américo Durão, que se situa numa propriedade doada, em 2019, por Eva Durão à Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal com o objetivo de ser criada uma unidade de paisagem vocacionada para a conservação da Natureza e promoção de ações de educação ambiental. Deixou ainda um valor em dinheiro que permitiu fazer obras e melhoramentos e um valor anual que permite garantir uma manutenção mínima.

 

Laurissilva

 

Voluntariado e sustentabilidade

Todo o restante trabalho é feito por voluntários, na conservação dos caminhos e eliminação e controlo das plantas invasoras, um trabalho
que consome muito tempo energia, mas que é vital. E também no grande trabalho que é a plantação de espécies endémicas e nativas; neste momento já existem todas as espécies arbóreas da Laurissilva e também já há um grande número de arbustos e de herbáceas.

Aqui tudo é reutilizado de uma forma muito sustentável, todas as árvores que são cortadas são utilizadas para delimitar os caminhos, fazer degraus, guardas ou pequenas barragens nas encostas para atenuar a força da água quando, nos dias de muita chuva, esta corre com muita força.

 

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A diversidade botânica

Como escreve o Professor Raimundo Quintal no seu artigo de fevereiro de 2023 na Jardins, “O Campo de Educação Ambiental do Santo da Serra – Eva e Américo Durão, com uma área de 8,7 ha, localiza-se entre os 650 e os 700 metros de altitude, no centro da freguesia de Santo António da Serra, concelho de Santa Cruz.

Esta mata ajardinada, predominantemente povoada por árvores da Laurissilva, tem plantas dos quatro cantos do mundo, guarda uma interessante variedade de cogumelos, possui grande diversidade de insetos, oferece refúgio a aves nativas e visitantes”.

Na pequena casa que foi recuperada está patente uma pequena exposição da associação e uma biblioteca.

Também aqui se pode ver uma coleção de camélias, de proteáceas e de muitas outras plantas ornamentais, em canteiros desenhados em volta de uma área de prado/ervado onde os visitantes podem admirar plantas dos quatro cantos do mundo.

Aqui podemos ver plantas como o loureiro-da- madeira, o tangerão, o cedro-da-madeira, o gerânio-da-madeira, a roseira-brava, o sanguinho-da-madeira, o tangerão-bravo, a uveira-da-serra, os tis, os vinháticos, o sabugueiro, variados fetos, entre muitas outras plantas.

 

Jardins do Palheiro Ferreiro

 

Visitar este jardim pela mão do Professor Raimundo Quintal foi uma vez mais um privilégio, sendo ele um profundo conhecedor de todo o património de jardins e flora da Madeira, um excelente comunicador e contador de histórias. A primeira impressão é o deslumbre da vista sobre o Funchal, sobre a encosta e sobre o mar; as vistas na Madeira são algo que me deixa sempre em espanto perante tamanha beleza e grandiosidade.

 

 

História

A Quinta do Palheiro Ferreiro é das quintas mais notáveis e mais visitadas da Madeira. Mantém a sua função residencial, mas está adaptada à hotelaria e ao turismo e integra ainda o empreendimento turístico Palheiro Village, que inclui um hotel e um campo de golfe, bem com um dos jardins mais bonitos da ilha pelo seu desenho, pela sua localização e pela sua riqueza botânica.

A quinta deve ter nascido por volta de 1804, pela mão do 1.º conde de Carvalhal (João José Xavier de Carvalhal Esmeraldo de Vasconcelos de Atouguia Bettencourt Sá Machado), um homem detentor de um vasto património. A quinta nasceu a partir de um pavilhão de caça e, mais tarde, foram feitas várias plantações e construída a chamada Casa Velha, onde hoje se encontra o hotel.

“Nove anos após os primeiros trabalhos, existiam já as longas ruas bordadas de árvores a marcar formalmente a organização da propriedade que se repartia por terras agrícolas, de pasto e matagal. Os jardins com a profusão de espécies e cores, que hoje constituem o principal atrativo da quinta e o objetivo deste estudo, ainda mal se faziam notar” (Quintal, 2007).

Em 1885, a quinta foi comprada por John Burden Blandy, que ali chegou a receber os reis de Portugal D. Carlos e Dona Amélia, quando visitaram a Madeira em 1901.

Com o falecimento de John Ernest, em 1930, Graham herdou este património, casou-se com Mildred, nascida na África do Sul. A partir de então registou-se uma grande expansão dos jardins. Mildred Blandy – mãe de Adam Blandy, o atual proprietário e representante da 6.ª geração dos Blandy na Madeira – era uma grande apaixonada por horticultura e jardinagem e, ao longo de mais de 50 anos, supervisionou e
acarinhou os jardins, introduzindo-lhes muitas espécies novas.

Ela era uma jardineira empenhada e conhecedora e fez muitos melhoramentos no jardim; a ela se deve a introdução das próteas no jardim, que foram depois introduzidas em muitos outros jardins da ilha.

Mildred era uma conhecedora de plantas e de botânica e importou muitas plantas de diversos lugares do mundo. Foi também graças a ela que jardins se tornaram famosos, uma vez que os abriu ao público. Juntos, receberam muitas pessoas importantes que visitavam a ilha.

 

 

A Casa Velha, o golfe e o hotel

Após o falecimento de Graham, em 1972, os terrenos agrícolas e zonas de mata foram transformados no campo de golfe, que abriu ao público em 1993. Também a Casa Velha, que se encontrava em muito mau estado de manutenção, foi restaurada e transformada em hotel, o aldeamento do Palheiro Village foi construído.

 

Casa e Main Garden

Quando John Burden Blandy adquiriu a propriedade, mandou construir uma nova casa de inspiração vitoriana, desenhada pelo arquiteto George Somers Clark, que projetara também o Hotel Reids da Madeira. A obra decorreu entre 1889 e 1901, numa zona de terraço natural – tem aparência de uma casa inglesa do período vitoriano muito diferente das casas senhoriais madeirenses.

Nasceu também nesta altura o chamado Main Garden, num nível inferior à casa. Um jardim geométrico, de formas regulares, orientado por um eixo central a partir do qual se desenvolve. O piso da alameda principal deste jardim, bem como dos caminhos transversais, é construído em calhaus rolados colocados a cutelo com grande mestria. Segundo Raimundo Quintal, é o pavimento que aparece sempre nos caminhos mais nobres das quintas e jardins das casas senhoriais da Madeira, um toque característico e único destes jardins.

Os canteiros que compõem este jardim são diferentes, alguns são relvados, com uma bordadura de pequenas árvores, arbustos e herbáceas. Noutros aparecem também no relvado, árvores notáveis de grande porte, como a canforeira, o cedro-do-atlas ou o tulipeiro. Um dos canteiros tem um desenho muito diferente e é conhecido por Sunken Garden e foi uma criação de Mildred Blandy na área onde anteriormente se localizava o campo de croquet. Este talhão tem uma sebe de buxo e, no centro, um pequeno lago com alguns nenúfares.

Na extremidade sul do Main Garden, aparece uma zona de mata com uma série de plantas indígenas, como o loureiro, o folhado e a faia-das-ilhas, bem como árvores como os plátanos, as azinheiras, os pinheiros e as acácias.

Na zona ocidental localiza-se o Ribeiro do Inferno, onde aparece de forma informal uma série de árvores de grande porte, arbustos e herbáceas quer indígenas exóticas (tais como o til ou Ocotea foetens, Laurus novocanariensis ou Persea indica), exóticas como as camélias, fetos arbóreos, rododendros, etc.

 

 

Alameda das camélias

Estende-se entre a casa e um local denominado Avista Navios, uma vez que tem uma fantástica vista sobre a baía do Funchal.

 

O jardim da Senhora

Num local onde existia anteriormente um laranjal, desenvolve-se este jardim formal completamente diferente de tudo o resto onde aparece buxo topiado em formas de animais.

 

Jardim de proteáceas

Este jardim tem uma coleção notável de proteáceas, uma vez que Mildred era sul-africana e uma apaixonada por estas plantas originárias da sua terra natal. Elas adaptaram-se de uma forma extraordinária a este local e as suas florações conquistaram muitos fãs, fazendo neste momento parte de muitos jardins da Madeira. Aqui há uma série de próteas, telópeas, bankias, Leucospermum e Leucandendron, alguns deles com dimensões notáveis com uma Banksia gigante cujo tronco impressionante parece quase um animal pré-histórico.

 

Casa de chá

No meio deste maravilhoso jardim podemos encontrar uma casa de chá, com refeições ligeiras, onde podemos descansar, recuperar forças e usufruir do ambiente e da envolvência do jardim. Um privilégio que tive, almoçar neste sítio depois de um passeio pelo jardim.

 

Campo de golfe

Para sul e este do jardim da Senhora, está implantado o Campo Palheiro Golf, um dos atrativos da quinta e do hotel.

 

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Bibliografia

Quintal, Raimundo (2007), Quintas, Parques e Jardins do Funchal: Estudo Fitogeográfico, Esfera do Caos.

 

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