Revista Jardins

O Jardim da Avenida

 

Cheira a limões e Philadelphus coronarius do alto da antecâmara para o Jardim de Raquel, uma avenida de cheiros inebriantes em que o verde nos engole, sempre com o abraço cantado dos pássaros.

 

Esta paisagem, que podia ser pintada a óleo sobre tela, como muitos dos jardins escondidos que encontramos – ou, melhor, que nos encontram – tipicamente só pode ser vista por quem deles cuida. A exceção deu-se porque esta leitora de longa data sentiu o dever de partilhar o que é irrepreensivelmente mantido por um jardineiro excecional.

Ocorre a ideia de que aquele local sempre lá esteve, que tudo cresce desde um começo longínquo. Não é descabido pensar isso. Na Lisboa de 1947, ainda existia ali uma quinta com uma extensão enorme de jardim, onde se inseria um lago, cascata, pomar e, claro, muitos animais. Seis anos depois, imperou, sobre as terras, a construção do Mercado do Forno do Tijolo, o que levou consigo quase tudo. Por fortuna, este recanto de Mediterrâneo, que pode fazer parte da memória coletiva de quem já teve de procurar um recanto fresco, foi poupado.

 

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É um jardim de mulheres. Assim foi durante três gerações. Talvez não seja por mero acaso que a Natureza seja mãe das coisas. Começa por ser tratado pela mãe de Raquel, depois pela irmã, e mais tarde, quando Raquel regressa de terras anglófonas, chega, por fim, o seu turno em 2000. Inseriu, com muito gosto, várias das suas plantas preferidas, como os fetos, hibiscos, chifres-de-veado, para enumerar algumas.

Mas, porque o tempo insiste em avançar, a proprietária, após ter passado por 87 mudanças de estações, decidiu ser adequado chamar outras mãos. É por essa altura que conhece Carlos Santos Melo, o fiel jardineiro que já cuidou do jardim da Embaixada dos Estados Unidos da América e que continua a cuidar do jardim da Embaixada de Itália. O empenho é o de antigamente, talvez maior. Aprendeu a fazer, a observar e a escutar. As plantas falam-lhe, e este tem a sensibilidade para compreender o que aquele oásis exige. Conhece a história de cada uma, os seus nomes e a razão de ali terem chegado.

 

 

É num escadote assente apenas no chão e na força de um magnífico limoeiro galego – assegurou-nos ser a melhor variedade para estas bandas –, que colhe orgulhosamente os limões mais perfumados da cidade e que, pelos longos passos para cima e para baixo, parecem ter vindo do céu. Acabámos por descobrir que ao longo dos anos a nossa revista tem tocado neste jardim. Serviu de companhia a quem para ele olhava e, acima de tudo, de norte na escolha das espécies, assim como no cuidado para o controlo das presenças indesejadas no jardim, as pragas. O fiel jardineiro afirma, com muito orgulho, que apenas usa água com sabão para tratar a maioria das pragas, “como aprendi com a revista”. Os únicos com direito a uma receita especial são os caracóis ansiosos por devorar as grandes folhas verdes. E mesmo essa receita é simples e quase à mão de semear: casca de ovo.

Diz-se que por esta faixa de 14 metros de comprimento este foi o melhor jardineiro que por ali passou e ficou. E é, com elogio, que o resultado passa agora para as mãos de outros leitores.

 

ESPÉCIES

Bougainvillea spp. (buganvília) | Citrus limon (limoeiro) | Cycas revoluta (cica) | Hedera helix (hera) | Hibiscus rosa-sinensis (hibisco) | Hydrangea macrophylla (hortênsia) | Jasminum polyanthum (jasmim-dos-poetas) | Pachira aquatica (árvore-do-dinheiro) | Philadelphus coronarius (silindra) | Platycerium bifurcatum (chifre-de-veado) | Prunus cerasifera (ameixeira-japonesa) | Salvia splendens (alegria-dos-jardins) | Wisteria sinensis (glicínia).

 

 

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