Jardins & Viagens

Ruriko-in: A magia do reflexo

 

Um templo que é um cenário icónico devido ao efeito dos reflexos dos momiji numa mesa lacada.

 

Finalmente consegui coincidir na minha estadia em Kyoto com os escassos dias de abertura ao público do templo Ruriko-in. Era um projeto que já tinha há bastante tempo, mas batia sempre com o nariz na porta. Trata-se de um templo pouco conhecido que não faz parte do itinerário habitual da maior parte dos turistas que passam apenas dois ou três dias na cidade.

Além disso, é fora do centro, na encosta do monte Hiei, a nordeste de Kyoto, perto de Yase, a cerca de 40 minutos de carro. Não tem parque de estacionamento perto e quem chega de comboio a Yase ainda tem um bom bocado de caminhada. No entanto, entre os conhecedores, o Ruriko-in é famoso pelos seus jardins de musgo e entorno de momiji (ácer), o que o torna um lugar de peregrinação para quem sabe, pelo que o melhor é visitá-lo num dia de semana de manhã porque “quem sabe” no Japão é uma multidão.

 

Um banco para a contemplação

 

A chegada ao templo é já de si um regalo com o ruído da água proveniente do monte Hiei que corre num pequeno rio, sabiamente pontuado por pedras para lhe reduzir o caudal, que se encontra ao longo do caminho.

O Ruriko-in nem sempre teve esse nome e nem sempre foi um templo. Construído por Sanetomi Sanjo (1868-1912), um alto representante da aristocracia japonesa pertencente ao governo na era Meiji (1868-1912), era nessa época uma villa que, mais tarde, já no período Showa (1926-1989), nos anos 1930, foi inteiramente renovada no estilo tradicional sukiya-zukuri com jardins do famoso paisagista Toemon Sano.

 

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O Ruriko-in possui três jardins ideais para a contemplação dos musgos e dos momiji. Note-se que no Japão há cerca de 1800 variedades distintas de musgo e que se trata de uma planta de culto entre os nipónicos e objeto de uma enorme quantidade de teses de doutoramento.

Já poucas coisas me surpreendem no País do Sol Nascente, mas, quando entrei no templo, também me juntei aos “uaus!” de admiração dos outros visitantes perante a espetacularidade inesperada da cena. É que numa das salas, ao invés de se admirar o jardim a partir de uma engawa (terraço), fica-se de boca aberta perante o reflexo dos momiji numa enorme mesa lacada a preto e percebe-se o motivo de ser considerado um cenário icónico.

 

 

Os japoneses têm o culto dos reflexos na água, sobretudo se se trata da Lua, da Natureza ou de um edifício especial, como o Templo Dourado (Kinkaku-ji) também em Kyoto. Em 2019, já tinha admirado o reflexo das árvores no chão lacado do templo de Jisso-in, ideia do monge principal que mandou retirar o tatami e polir a madeira do chão para espelhar as árvores do jardim, mas nunca vi nada tão espetacular mas ao mesmo tempo tão intimista como a visão dos momiji refletida num tampo lacado de uma mesa. Este cenário muda ao longo do ano porque, na primavera, os momiji são um festival de tons de verde; no outono de amarelos, encarniçados e castanhos; e, no inverno, do branco da neve.

É esta atenção à estética e ao detalhe que admiro no Japão e a atitude de respeito dos japoneses perante a beleza. Na contemplação deste admirável cenário estávamos uma dezena de visitantes, todos em silêncio, alguns em posição de Lotus a meditar. Longe estamos da algazarra que se ouve nos museus europeus. Aqui, o silêncio é apenas interrompido pelos cliques das fotografias, que a isso eles não resistem. Nem eu.

 

 

Mas passeando pelos corredores do Ruriko-in também podemos admirar, aí já sentados nas engawas, os três jardins de Toemon Sano famosos pelos seus musgos e pelos vários detalhes de lanternas de pedra, de mitate (utilização de elementos fora do seu contexto habitual), uma pequeníssima cascata de água, a dependência para a cerimónia do chá.

Fui ao Ruriko-in com a minha amiga Sanae Kumakura, doutorada em Arquitetura Paisagista na universidade de Kyoto, meu Google quando necessito de uma informação mais especializada. A Sanae, além de sabedora e boa amiga é ótima companheira de viajem, e tem a vantagem de ser um bom garfo como se pode ver pela fotografia do almoço de Shabu-shabu que fizemos no Kyoto Beef Moritaya depois da visita ao Ruriko-in.

 

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