Revista Jardins

Orquídeas na casa de Darwin

Jardim nas traseiras da casa de Darwin

Jardim nas traseiras da casa de Darwin.

 

Um laboratório vivo para o naturalista Charles Darwin, o seu jardim em Down House, preservado até hoje como no tempo em que se inspirou para escrever A Origem das Espécies, é uma visita memorável.

 

Desde sempre que tive uma grande admiração por Charles Darwin e todo o seu trabalho como naturalista. Depois de ler várias obras biográficas sobre os seus estudos e sobre a sua viagem de cinco anos pelo mundo a bordo do HMS Beagle, faltava-me conhecer a sua casa. O local onde muito foi escrito, pensado, estudado e discutido. Tinha muita curiosidade porque a casa, o jardim e os objetos dizem muito sobre quem lá viveu.

A casa situa-se no condado de Kent, junto à vila rural de Downe, a cerca de uma hora de Londres. Para lá chegar seguimos por estradas apertadas rodeadas de sebes e árvores frondosas formando maravilhosos túneis verdes. O próprio Darwin descreveu-a como uma casa boa e feia, mas onde tinha bastante terreno para as suas experiências, e o jardim foi como um laboratório vivo para o naturalista. Nesta casa, a Down House, Darwin viveu 40 anos, até à sua morte, criou a sua família e escreveu as suas grandes obras, entre elas a revolucionária A Origem das Espécies.

 

Estufa com plantas carnívoras e orquídeas.

 

Um dos focos dos seus estudos foram as orquídeas. Este era mesmo um dos temas que mais gosto e curiosidade lhe despertavam. Numa das primeiras páginas do meu livro A Paixão pelas Orquídeas, partilho uma frase que Darwin escreveu numa carta, em 1861, “As orquídeas interessaram-me mais do que qualquer outra coisa na minha vida”, algo que temos em comum.

 

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A casa e o jardim de Darwin

Foi muito emocionante para mim esta visita. Poder circular pelas salas e pelo escritório de Darwin, espaços decorados com os objetos reais e recriando o ambiente baseado em fotos dos anos 1870. Também os jardins estão plantados e tratados à imagem do que foram no tempo de Darwin. Nas traseiras da casa, as arcadas protegidas e tapadas de vinha-virgem e glicínias, os canteiros geométricos, as grandes árvores, castanheiros, uma amoreira, um magnífico teixo e tantas outras. Depois o jardim murado, utilizado como horta e pomar, e, no outro lado do muro virado a sul, a estufa, dividida em três salas aquecidas. O galpão de jardim era a zona de trabalho e, à volta da propriedade, vários caminhos ladeados de árvores e sebes delimitavam campos e prados onde foram feitas centenas de testes e experiências.

 

Prosthechea cochleatha

 

O caminho de areia foi muito importante para os estudos de polinização de orquídeas. Ao longo desse caminho, Darwin fazia caminhadas diárias, arejava, ordenava as ideias, refletia e observava a vegetação circundante. Nos prados ao longo desse trilho, a atenção de Darwin foi desperta para as orquídeas silvestres, Anacamptis pyramidalis, Ophrys várias, Orchis mascula e tantas outras e a sua polinização feita por abelhas e outros insetos, um estudo que mais tarde resultou na publicação da obra The Various Contrivances by Which Orchids Are Fertilised by Insects (Os vários artifícios pelos quais as orquídeas são polinizadas por insetos).

 

Mediocalcar umboiense

A estufa de Darwin

De tudo, foi a estufa de Darwin o que mais gostei de ver. As três salas consecutivas foram construídas nos anos 1860 devido à necessidade de Darwin conseguir manter os muitos exemplares tropicais vivos que estudava. A estufa era aquecida a carvão, com uma caldeira de água quente que era distribuída por uma tubagem ao longo da estufa. É claro que as plantas já não são as mesmas, mas a equipa de jardinagem atual, tal como acontece no interior da casa, tenta manter as espécies documentadas na estufa no tempo de Darwin. Assim, os visitantes podem encontrar o famoso Angraecum sesquipedale, uma orquídea originária de Madagáscar que Darwin observou e previu que um dia se iria encontrar uma borboleta noturna com uma “língua” de 30 cm capaz de chegar ao néctar no grande esporão da flor e que seria o seu polinizador (essa borboleta só foi descoberta 21 anos após a morte de Darwin), várias Coelogyne, a Prosthechea cochleata, Gongora, Paphiopedilum (sapatinhos), a orquídea-baunilha, alguns Cymbidium e também algumas micro-orquídeas como a Mediocalcarum boiense, que estava em flor, Restrepia, Platystele entre tantas outras. As orquídeas estavam misturadas com bromélias, fetos, hoyas, begónias, rhipsalis, plantas carnívoras e muitas outras plantas que davam à estufa um ambiente de floresta tropical.

A experiência de estar na casa e nos locais onde Charles Darwin viveu e trabalhou ajudou-me a compreender melhor muito do que tinha lido. Para mim, foi um privilégio.

 

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