A ilha de Awaji, na baía de Osaka, foi, não um palco de sonhos, mas sim um local de pesadelo quando ocorreu o terramoto de 1995, com epicentro em Hanshin, e que destruiu a cidade de Kobe causando 6 000 mortos. O Yumebutai – “palco de sonhos” em japonês – é um memorial às vítimas da catástrofe, e consiste num enorme complexo turístico projectado por Tadao Ando (um dos grandes arquitectos japoneses do séc. XX). Dele fazem parte um espectacular jardim botânico, o Hyakudanen, mas também o Kiseki no Hoshi no Syokubutsukan, ou melhor, o Miracle Planet Museum of Plants. Ambos constituem um verdadeiro paraíso dos amantes de jardins e horticultores. Entre terraços ajardinados, restaurantes, anfiteatros para espectáculos e lojas, o Yumebutai é um local de entretenimento que se enche de famílias vindas das cidades de Kobe e Osaka.
E eu também lá fui, cheia de curiosidade, depois de ter visto várias fotografias e descrições do referido complexo. Awaji é dos poucos locais do japão que não está servido pela extraordinária rede de comboios que é característica do país. Para lá chegar tem que se ir de carro ou autocarro pela ponte de Akashi Kaikyo, que bate vários recordes. Não só tem o maior vão central de todas as pontes suspensas do mundo, como teve o custo de construção mais elevado e é a ponte mais alta. Os Japoneses não são para menos.
O Jardim Botânico de Hyakudanen
Passei dois dias na ilha, num dos quais aproveitei para visitar o lindíssimo Templo da Água, também da autoria de Tadao Ando, e o outro para visitar o famoso Yumebutai. O Jardim Botânico de Hyakudanen é uma composição absolutamente espectacular. É todo constituído por terraços, nos quais se localizam 100 canteiros quadrados de 4,5 m2, que acompanham a topografia do monte em que o complexo se localiza. Escusado será dizer que visitar o Jardim e admirar todas as plantas, impecavelmente alinhadas e identificadas em cada quadrado, não é tarefa fácil. A melhor maneira de calcar os 1 575 degraus do percurso, é mesmo ir parando para admirar cada canteiro de plantas e aproveitar para ganhar o fôlego suficiente para subir ao outro patamar. Do topo pode-se apreciar o efeito de conjunto de todos os patamares de canteiros.
O cuidado de manutenção é milimétrico. Não há uma planta fora de sítio, falhas ou flores murchas. A organização cromática não tem defeitos. É um espetáculo do qual nos despedimos com pena, ainda por cima valorizado com o entorno da montanha muito florestada, onde não se avista uma única construção, coisa que, dada a densidade populacional da zona, é difícil de conseguir. A obra de Ando não é, quanto a mim, um verdadeiro jardim botânico, nem tem dimensão para isso. Mas é um fantástico showcase de flores organizado com uma incrível originalidade e beleza.
O Miracle Planet Museum of Plants
Do Hyakudanen, fui através dos vários jardins até à estufa com o complicado nome de Miracle Planet Museum of Plants. Consiste numa área de 6 700m2 dividida por tantas secções, que por lá me perdi várias vezes. Uma secção de suculentas; outra de plantas tropicais; outra ainda de plantas medicinais; uma mostra de roseiras; uma área só com fetos. E, como se isto não fosse suficiente, ainda havia umas dezenas de show gardens, tal qual os vemos no Chelsea Flower Show ou no Hampton Court Flower Show, só com duas grandes diferenças: o estado de manutenção é ainda mais perfeito (à japonesa nada há fora do sítio), e os jardins não tem a duração efémera de uma semana. São mantidos e visitáveis todos os dias do ano.
Encontro entre o Oriente e o Ocidente
Os show gardens cobriam todos os gostos e estéticas possíveis. Vi jardins ”à francesa”; reminiscências de jardins do Renascimento italiano; britânicos cottage gardens; exemplos das novas tendências na arquitetura paisagística com mistura de materiais como o vidro e o aço; jardins na linha do cool Japan; pérgolas; treliças; lagos e fontes. Via-se de tudo. Para o meu gosto pessoal, havia um excesso de elementos e muito kitsch em todas aquelas composições, mas o resultado final não era muito diferente do que se vê nos garden shows de Londres: uma irresistível vontade de fazer diferente leva a que fiquem para traz a sobriedade e o bom gosto.
Por outro lado, o estado de perfeição de todos os canteiros e de todas as plantas da mostra faziam-me às vezes pensar que estava num reino de plástico, o que era um contra senso. Um ambiente tão perfeito que era demasiado cosmético e artificial. Não havia uma planta murcha, uma folha caída, um sinal da desordem natural num jardim. No percurso de regresso a Kyoto, de autocarro e comboio, realizei que, pela primeira vez, tinha experimentado no Japão um ambiente híbrido, em que ocidente e oriente se atropelavam num excesso visual que nada tinha a ver com a sobriedade e bom gosto dos jardins japoneses que habitualmente visito. Não sei se gostei.
Fotos: Vera Nobra da Costa
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