Revista Jardins

A atribulada viagem das especiarias orientais

Antes, por terra, depois, por mar, graças aos portugueses popularizaram-se
na gastronomia mundial.

Do Oriente tropical chegaram ao Mediterrâneo e daí difundiram-se por quase toda a Europa. As especiarias, apesar de no início serem pouco conhecidas, quer a sua utilização quer o seu cultivo, acabaram por se tornar uma preciosidade e um condimento muito requisitado.

Acresce que a sua chegada à Europa representava um triunfo que se fazia pagar a preços elevados. Este custo de luxo é justificado pela aventura histórica que percorriam até ao destino final.

O trajeto era carregado de odisseias. Desde o transporte aos assaltos durante as viagens e tributos que pagavam para atravessar fronteiras.

Estas façanhas encontram-se documentadas e bem descritas, por exemplo, no relato de um cronista da primeira viagem marítima de Vasco da Gama (1469-1524) à Índia, no qual descreve bem o valor que a Europa atribuía às especiarias.

A palavra especiaria ou especiaria oriental era atribuída aos produtos que chegavam à Europa vindos do mar Vermelho e terras desérticas até às margens do Mediterrâneo. Posteriormente, graças aos portugueses, passaram a chegar por via marítima.

O transporte das especiarias orientais foi um desafio para os portugueses durante a expansão marítima, nos séculos XV e XVI, ao trazerem estes “artigos de luxo” para a Europa, que com o tempo se democratizaram na gastronomia a nível mundial.

Considerados produtos exóticos de sabor agradável e forte, desempenham um papel relevante na gastronomia e são responsáveis pelo sabor diferenciado de muitos pratos presentes em todas as culturas da arte da culinária.

Cada continente, e mesmo cada país, utiliza preferencialmente uma determinada especiaria com distinta intensidade, o que marca e diferencia a gastronomia dessas regiões.

NESTE MÊS DESTACAMOS QUATRO ESPECIARIAS VINDAS DO ORIENTE: NOZ-MOSCADA, PIMENTA, CANELA E CRAVINHO.

Myristica fragrans Hout. (moscadeira, noz-moscada)

Família: Myristicaceae

A noz-moscada e a maça, duas especiarias derivadas da mesma planta que se denomina moscadeira, eram à época das viagens marítimas, referenciadas como das mais raras e caras. A introdução da moscadeira em África e no Brasil foi feita pelos portugueses.

Durante o século XVIII, a noz-moscada foi considerada um medicamento com um grande poder curativo, até foi alvo de falsificações ao vender-se madeira moldada em forma de noz-moscada como sendo genuína.

Foi só no século XIX que a exploração da sua cultura começou a desenvolver-se noutras regiões tropicais de forma a dar resposta à sua procura crescente.

A moscadeira é uma planta perenifólia, de crescimento lento e raramente atinge mais de dez metros. A produção do seu fruto ocorre após 15-20 anos e tem a capacidade de produzir durante cerca de 50 anos. Esta especiaria é retirada das sementes do fruto.

Piper nigrum L. (pimenta, pimenteira, pimenta-da-índia)

Família: Piperaceae

Os portugueses, além do interesse da pimenta na culinária, também contribuíram para a sua utilização como planta medicinal nas terras do Oriente.

O médico naturalista Garcia de Orta, que parte para Goa em 1534, publica, em 1563, a sua obra mais notável, Colóquios dos Simples e Drogas da Índia, na qual descreve a pimenta como droga, reconhecendo-lhe propriedades medicinais.

A pimenteira é uma liana trepadora, que pode atingir mais de dez metros.

Os diferentes tipos de pimenta (preta, verde, a vermelha e a branca) provêm da mesma planta, sendo apenas as suas bagas colhidas em diferentes fases de maturação e tratadas de forma diferente, conferindo-lhes um aspeto e sabor distintos: a preta é obtida a partir de bagas colhidas quando adquirem uma tonalidade vermelha e depois secas ao sol (3-4 dias) de forma a revelar as suas notas mais frutadas; a verde é a baga verde, não madura, preservada para proteger a cor; a vermelha é preservada do mesmo modo que o grão de pimenta-verde, mas são usadas bagas cor de laranja ou vermelhas, portanto mais maduras; a branca é obtida a partir da semente do fruto da pimenta-preta.

Cinnamomum verum J.Presl (caneleira-verdadeira, canela do Ceilão)

Família: Lauraceae

A canela é uma das especiarias mais antigas do mundo, utilizada na alimentação e perfumaria. Na Idade Média, o valor subiu para níveis elevados quando a oferta não conseguiu acompanhar a procura.

Quando os comerciantes portugueses chegaram ao Sri Lanka, no início do século XVI, é que foi finalmente encontrada uma fonte suficientemente grande para dar resposta às necessidades do mercado, tendo Portugal ficado com o exclusivo mundial da canela verdadeira.

Árvore perenifólia, com mais de dez metros de altura, nativa do Sri Lanka, espécie de cuja casca se produz a canela. A árvore pode demorar até 20 anos a desenvolver os óleos altamente voláteis que conferem à canela o seu tão característico sabor: quente, doce e ligeiramente picante.

A casca é especialmente recolhida do fundo da árvore, onde o sabor é mais intenso e depois cortada, limpa e envelhecida.

Os paus de canela inteiros apresentam apenas um suave aroma quando são recolhidos pela primeira vez, mas depois de partidos ou molhados, exalam o seu aroma intenso e inconfundível.

Além do uso culinário e em perfumaria, também possui propriedades medicinais.

Syzygium aromaticum Merril & Perry (cravo, cravinho, craveira, cravo-da-índia)

Família: Myrtaceae

Incluído por alguns autores no grupo das especiarias de luxo, o cravinho é das mais caras especiarias dos mercados europeus.

Utilizada há muito pelos povos orientais, esta especiaria era reconhecida e utilizada pelo seu forte aroma. Desde tempos antigos que os chineses iam comprar o cravinho ao seu local de proveniência, as ilhas Molucas, na Indonésia.

Em 1630, travou-se uma batalha entre holandeses e portugueses ao largo do daquele arquipélago. Na época, os portugueses eram os únicos conhecedores do caminho marítimo para essas ilhas onde estas árvores cresciam em abundância.

Os holandeses, ao vencerem a batalha e querendo ser os únicos detentores do comércio do cravinho, começaram a destruir as árvores que cresciam nas ilhas vizinhas.

A Companhia Holandesa das Índias Orientais controlou durante dois séculos a rota das especiarias. O monopólio durou até 1776, ano em que Pierre Poivre (1719-1786), botânico francês, leva sementes para as ilhas Maurícias e aí inicia novas plantações.

É de referir, que no século XVI, um quilograma de cravinho valia sete gramas de ouro e, mais tarde, no século XVIII, valia o seu próprio peso em ouro.

O cravo é uma árvore de pequeno-médio porte, de folha persistente, e atinge uma altura de 15 metros. A parte da planta utilizada como especiaria é o botão floral.

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